Enquanto os mortos pelo coronavírus se acumulam no Brasil e os sistemas de saúde de várias cidades ameaçam colapsar, uma outra epidemia progride no Nordeste longe dos olhares do público. Os recifes de coral numa região que vai do norte da Bahia ao Rio Grande do Norte passam por um branqueamento extremo e vários podem morrer.

O branqueamento é uma doença ambiental. Ele ocorre quando a água do mar esquenta demais, a ponto de ficar intolerável para as microalgas que vivem em simbiose com os corais e lhes dão cor. As algas são expulsas e os corais ficam brancos. Como as colônias dependem dessas algas para se alimentar, recifes branqueados podem morrer de fome.

Neste verão, a água do mar no Nordeste esquentou – e muito. Segundo dados informados ao Observatório do Clima pela rede Reefcheck e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as temperaturas desde fevereiro são as maiores dos últimos 35 anos na região, chegando a quase 30 °C. Isso é 2 °C mais do que a média para essa época. A Noaa, agência de oceanos e atmosfera dos EUA, emitiu alerta de nível 2 de branqueamento, o maior da escala, quando morte em massa de corais pode ocorrer.

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Surto crônico

O surto atinge corais de água rasa em lugares icônicos, como a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, em Alagoas e Pernambuco, onde ficam destinos turísticos populares como Maragogi e São Miguel dos Milagres (AL), a Praia dos Carneiros (PE) e Fernando de Noronha (PE).

“Está ficando crônico”, resume a oceanógrafa Beatrice Padovani, da UFPE, integrante da rede Reefcheck. Ela lembra que este é o terceiro episódio de branqueamento no Nordeste nos últimos cinco anos. A região passou por surtos em 2016, ano mais quente da história, e em 2019. Em 2016, a Austrália, que abriga o maior recife do mundo, também teve branqueamento – agravado pelo El Niño maciço do ano anterior. El Niños aumentam também a temperatura da água do Atlântico. Em 2019, porém, o Brasil branqueou e a Austrália, não.

Colônia de Millepora antes e depois. Crédito: Camila Brasil/Reefcheck/Peld/Tams-UFPE

Em 2020, as duas regiões passam por surtos de branqueamento, mesmo na ausência de El Niño. O da Austrália é o maior em extensão já registrado, embora seja menos intenso que o de 2016.

“Esse é um sério indício de aquecimento global”, afirmou Padovani. “Não é um ‘evento’ isolado, é aquecimento global.”

Quarentena

Os primeiros sinais de branqueamento foram vistos em 15 de fevereiro pelo Tonho, um jangadeiro de Tamandaré que trabalha em parceria com os pesquisadores e registrou imagens no celular. Logo outros alertas foram feitos em Porto de Galinhas e em Maracajaú, no Rio Grande do Norte. Em Fernando de Noronha, voluntários fizeram registro de corais branqueados no início do surto.

E aí veio a pandemia de covid-19. Beatrice Padovani, da UFPE, relata que os cientistas têm sido impedidos de ir até as unidades de conservação afetadas, já que, além da quarentena, há uma portaria do Instituto Chico Mendes (ICMBio) suspendendo todas as licenças de pesquisa em áreas protegidas, em março.

A intensidade do branqueamento e o risco de morte dos corais são dados não apenas pela temperatura, mas também pela duração da onda de calor marinha. Devido a uma anomalia de ventos, que foram menos intensos no começo do ano, a água quente “colou” na região, com mais de oito semanas consecutivas de estresse térmico – um indicativo de branqueamento em massa, possivelmente seguido de morte.

Os pesquisadores do Reefcheck estimam que pelo menos 50% dos recifes ao norte de Salvador registrem algum branqueamento. Algumas espécies são mais suscetíveis, como o coral galhado Millepora spp. Alguns recifes têm 100% das colônias dessa espécie com algum grau de branqueamento.

Segundo Padovani, outro fator que pode turbinar a mortalidade de corais são estresses preexistentes, como poluição, plásticos e, no caso do Nordeste, poluição por petróleo. A região ainda nem se havia recuperado do derramamento misterioso de 2019.