O ilustrador e visionário americano Walt Disney criou inúmeros personagens inesquecíveis como Mickey Mouse, Cinderela e Pato Donald. A fundação do império de entretenimento foi em 16 de outubro de 1923, quando ele e seu irmão Roy venderam 12 filmes, incluindo Alice no País das Maravilhas, para a distribuidora de filmes M.J. Winkler, de Nova York.

O acordo selou o início de um século de sucessos de bilheteria da marca Disney. Desde então, a firma evoluiu de produtora de cinema a conglomerado de entretenimento multimídia, com sua própria plataforma de streaming e várias subsidiárias.

Para celebrar o aniversário, será lançada nos cinemas em 26 de maio de 2023 um refilmagem live-action do clássico animado A Pequena Sereia. No entanto, o caminho para o lançamento do filme tem tido obstáculos.

Racistas criticam Ariel negra

No filme de animação original da Disney, a personagem principal, Ariel, é magra, tem pele clara e cabelo ruivo esvoaçante. A produção de 1989 – cuja história é baseada no conto de fadas do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen A Sereiazinha, de 1837 – transformou-se numa mina de ouro para o estúdio, após um longo período de jejum.

Ela ganhou vários prêmios Globo de Ouro, um Grammy e dois Oscars nas categorias de melhor trilha sonora e melhor canção com “Aqui no mar”, e antecedeu um boom da Disney na década de 1990 com animações de sucesso como A Bela e a Fera (1991), Aladdin (1992), O Rei Leão (1994) e Pocahontas (1995).

Mas, em 2019, quando a Disney anunciou que a atriz e cantora afro-americana Halle Bailey interpretaria Ariel, nem todo mundo ficou feliz com a notícia.

Com a hashtag #NotMyMermaid (“Não é a minha sereia”), as pessoas lançaram-se petições contra a seleção do elenco, com insultos racistas. Muitos fãs do filme original da Disney não conseguiam imaginar uma atriz no papel que não fosse idêntica à Ariel do filme de animação de 1989.

A Disney defendeu com firmeza sua decisão de escalar Bailey, numa declaração publicada na conta do Twitter de sua rede a cabo, a Freeform: “O autor original de A Pequena Sereia era dinamarquês. Ariel […] é uma sereia […]. Mas, para fins de argumentação, digamos que Ariel também seja dinamarquesa. As sereias dinamarquesas podem ser negras, porque as *pessoas* dinamarquesas podem ser negras.”

A empresa elogiou o talento excepcional de Bailey e sugeriu que é racista não conseguir superar o fato de que ela “não se parece com a do desenho animado”.

Racismo é coisa do passado na Disney?

No desenho animado Dumbo, de 1941, um grupo de corvos aparece sentado sobre um galho, um deles fumando um charuto. Eles riem, dançam, cantam e zombam de Dumbo, um elefantinho de orelhas grandes sentado ali do lado, ofendido.

O líder dos corvos é Jim Crow – que também era o nome artístico do comediante do século 19 Thomas D. Rice, que alcançou a fama se apresentando com o rosto pintado de preto em seu show de menestréis. “Jim Crow” também se refere a um conjunto de leis que promoviam a segregação racial no sul dos EUA.

Nos últimos anos, a Disney reconheceu que essa cena do clássico do cinema é ofensiva, pois lembra shows de menestréis racistas nos quais artistas brancos – com rostos pintados de preto e usando roupas esfarrapadas – imitavam e zombavam de africanos escravizados nas plantações dos estados sulistas. O filme inclui outras representações cínicas dos negros dos EUA, que banalizam a história da escravidão.

Atualmente, a Disney abordou o problema emitindo advertências antes dos filmes mais antigos, incluindo Dumbo, Peter Pan e Aristogatas. Deles consta: “Este programa inclui representações negativas e/ou maltratos a pessoas ou culturas. Esses estereótipos estavam errados naquela época e são errados agora.”

Tais inserções pretendem estimular discussões que ajudem a criar um futuro de inclusão e livre de discriminação, explica a empresa. Mas será que um aviso no início de um filme é suficiente?

Apropriação cultural, antes e agora

Apropriação cultural é quando componentes de uma cultura, tais como propriedade intelectual, expressões culturais, artefatos, história ou tipos de conhecimento são usados por membros de outra cultura – especialmente para ganhar dinheiro.

A filmografia da Disney inclui vários exemplos em que elementos de uma determinada cultura foram tomados e alterados para fins de entretenimento. Por exemplo, Pocahontas tem pouco a ver com a história original: a Disney transformou uma menina de dez anos numa mulher atraente e pouco vestida que se apaixona por John Smith, um aventureiro e colonialista inglês.

Ao longo do tempo, a Disney foi reconhecendo esses erros e tentando cada vez mais contar histórias autênticas, falar e colaborar com indivíduos de outras culturas. Em 2019, chegou a fundar a plataforma Stories Matter (Histórias importam), para discutir sua nova abordagem cinematográfica, mas também seus erros do passado.

Disney sexista?

Muitos clássicos da Disney também são problemáticos do ponto de vista feminista. Ariel, em particular, não se sai bem nesse aspecto, pois ela se joga nos braços de um príncipe que mal conhece, escapando por pouco de seu pai patriarcal e rígido. Ela sacrifica não só suas origens, mas também a própria voz – seu maior talento – pelo príncipe.

Mas, nos últimos anos, a Disney também mudou essa abordagem: novas heroínas puderam vivenciar suas aventuras sem o objetivo final de encontrar um príncipe, como em Moana, ou desafiar as noções tradicionais de amor, como em Frozen.

Desde a década de 2010, também surgiram personagens homossexuais, como em Mundo estranho (2022), que traz um romance gay, ainda que tenha sido criticado por alguns membros da comunidade LGTBQ+.

Os problemas da sociedade como um todo, tais como racismo, sexismo e homofobia, só podem ser enfrentados contando-se histórias mais diversas. Cabe agora ver como a Disney integrou essas lições na nova versão da história de Ariel, que estreia em maio.