03/11/2025 - 10:00
Queda de emissões brasileiras registrada em 2024 foi possível sobretudo graças à redução do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Ainda assim, país não deve cumprir meta climática estabelecida para 2025.Pelo segundo ano consecutivo, as emissões de gases de efeito estufa caíram no Brasil. Em 2024, foram lançados na atmosfera 2,15 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e), uma redução de 17% em relação ao ano anterior (2,57 GtCO2).
Os dados, divulgados nesta segunda-feira (03/11), fazem parte do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), uma iniciativa da rede de organizações que integram o Observatório do Clima e chega à sua 13° edição.
O que pesou mais neste feito foi a redução do desmatamento registrada no ano passado. Historicamente, essa é a maior fonte brasileira de emissões, categoria classificada tecnicamente como mudança de uso da terra. Em 2024, a diminuição no ritmo da destruição da Amazônia e do Cerrado fizeram com que as emissões brutas caíssem de 1,3 GtCO2e para 906 GtCO2e. O corte, de 32,5%, foi o maior da série histórica registrada desde 1990.
O resultado chega como uma boa notícia às vésperas do encontro de líderes que antecede a Conferência do Clima da ONU em Belém, marcada para a próxima segunda-feira (10/11). Semanas antes de receber mais de 190 para o debate internacional, o Brasil deu licença para a Petrobras perfurar a bacia marítima da Foz do Amazonas em busca de petróleo, o maior vilão da crise climática.
“São boas notícias e [dão] uma ‘elevada de moral’ que o próprio governo não se deu”, comenta o dado Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), em conversa com jornalistas, referindo-se ao paradoxo do governo brasileiro, que busca expansão petrolífera em plena emergência climática.
A queda expressiva das emissões do Brasil no ano passado, complementa Astrini, deixa todas as maiores economias para trás em termos de esforços contra o aquecimento do planeta provocado pelos gases estufa. No ranking global, o país ocupa o quinto lugar entre os grandes emissores, aponta o levantamento do World Resources Initiative (WRI).
A retomada das políticas para frear a destruição da Amazônia nos últimos dois anos mostram seu efeito, lembra Astrini. “Mas a queda de desmatamento não é autorização para o Brasil virar petroestado. Não é salvo-conduto”, pontua.
Boi e plantações
A agropecuária, segunda maior em termos de liberação de gases estufa no país, também registrou leve queda, de 0,7%. O setor, responsável por 29% do total das emissões, contabilizou 626 MtCO2e contra 631 MtCO2e no período anterior.
A principal fonte do setor é o “arroto” boi, tecnicamente chamado de fermentação entérica. Ele libera metano, um gás de menor duração na atmosfera porém de alto impacto: num período de 20 anos, ele é 80 vezes mais potente para aquecer o planeta do que o dióxido de carbono, dizem os cálculos da própria ONU.
Segundo o OC, a redução de 0,2% no tamanho do rebanho bovino brasileiro em 2024 contribuiu para a ligeira queda das emissões, assim como o aumento na taxa de confinamento do gado – técnica importante para controlar a dieta dos bois e, consequentemente, baixar as emissões de metano.
Na agricultura, que responde por 31% das emissões do setor agropecuário, houve também uma ligeira queda em dois grandes vetores: o uso de fertilizantes nitrogenados (redução de 3,8%) e a aplicação de calcário (3,3% a menos que em 2023).
Onde as emissões aumentaram
O setor de energia – que abarca a queima de combustíveis fósseis e biocombustíveis para mover transportes e gerar eletricidade – registrou alta de 0,8%, passando de 420 MtCO2e em 2023 para 424 MtCO2e em 2024. O aumento se deve ao maior consumo de fontes fósseis para gerar eletricidade.
Se não fosse a alta do uso de biocombustíveis, diz o SEEG, o resultado seria pior. Os cálculos mostram que, por conta do consumo histórico de etanol e biodiesel no Brasil em 2024, o transporte de passageiros e o de carga foram mais limpos.
Por outro lado, o que não entra nessa contabilidade são as chamadas emissões “ocultas” do petróleo que o Brasil exporta. No ano passado, a venda para outros países de óleo cru bateu mais um recorde: foram 85 milhões de toneladas.
“Não conta para a nossa emissão, mas esse carbono é emitido em algum lugar quando o petróleo brasileiro é queimado”, afirma Felipe Barcellos e Silva, pesquisador Instituto de Energia e Ambiente (Iema) que integra o SEEG.
O tratamento de lixo e esgoto tiveram o maior aumento percentual em termos de emissões em 2024, de 3,6%. O principal motivo seria a subida no volume de resíduos sólidos coletados (9%) e a manutenção desse lixo. Apesar de corresponder a uma fatia pequena do total de emissões no país, essa fonte é a mais preponderante nas cidades.
O setor de processos industriais – que inclui fábricas de cimento, ferro, aço e alumínio – também registrou elevação de 2,8% nas emissões.
Impacto do fogo não aparece nas contas
Em seu inventário oficial de emissões, o governo brasileiro reporta apenas as chamadas emissões líquidas. Elas são o resultado do total de gases estufa despejados na atmosfera, menos o dióxido de carbono capturado pelas florestas em seu processo natural de crescimento.
Se fossem consideradas apenas as emissões líquidas, a queda em 2024 seria ainda maior: de 22%, passando de 1,92 GtCO2e em 2023 para 1,48 GtCO2e no ano passado, ressalta o SEEG.
Por outro lado, a mudança do clima já pode estar interferindo mais seriamente na capacidade de as florestas absorverem os gases de efeito estufa, apontam cientistas. Os indícios vêm do fato de que, no mesmo ano em que o Brasil viu suas emissões por desmatamento caírem, o país registrou a maior área queimada de sua história.
“Estamos observando um descolamento entre dois processos que normalmente caminham juntos – o fogo e o desmatamento”, explica Bárbara Zimbres, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), lembrando da forte seca enfrentada em várias regiões em 2024 que provocaram queimadas em todos os biomas.
O SEEG também calculou as emissões provenientes de fogo não relacionado ao desmatamento, ou seja, dos incêndios florestais – e que não aparecem no inventário oficial do governo. Se fosse incluído, esse tipo de queima de fogo dobraria as emissões líquidas associadas ao desmatamento no país, pontua Zimbres.
O que esperar em 2025
Com base nos dados da economia brasileira até agora, o SEEG tentou estimar as estatísticas para 2025. Esse é o ano em que o Brasil tem sua primeira meta climática internacional a cumprir: como parte do Acordo de Paris, assinado há dez anos, o país se comprometeu a limitar suas emissões a 1,32 bilhão GtCO2e.
“Tudo indica que vamos totalizar 1,44 milhão GtCO2e. Será uma queda, mas não vamos atingir a meta”, comenta David Tsai, coordenador do SEEG.
Para chegar no alvo, explica o pesquisador, só a redução do desmatamento não basta, é preciso cortar emissões em outros setores. “Se quisermos cumprir a meta, precisamos começar de fato uma transição para uma economia de baixo carbono no Brasil”, comenta.
