21/11/2025 - 12:01
Redes como Burger King e Starbuck têm cedido participação majoritária de suas filiais na China a empresas locais para fazer frente ao nível de competitividade do mercado chinês, mais ágil e com preços mais competitivos.Quando a Starbucks abriu sua primeira loja em Pequim, em 1999, não vendia apenas café , mas também as aspirações ocidentais para a crescente classe média chinesa. A gigante sediada em Seattle, nos EUA, expandiu-se rapidamente, com o intuito de dominar o mercado de café premium da China .
No entanto, a franquia americana foi perdendo essa dianteira. Concorrentes chineses como Luckin Coffee e Manner ultrapassaram a Starbucks em número de lojas e consolidaram sua participação no mercado, com uma política de preços agressiva, serviços online e uma compreensão mais apurada dos hábitos dos consumidores chineses. A Luckin gera mais de 90% das vendas por meio de seu aplicativo, enquanto a Starbucks ainda depende das vendas em lojas físicas.
O jornal Financial Times informou recentemente que as receitas da Starbucks na China caíram quase 19% entre 2021 e 2024, para 3 bilhões de dólares (R$ 10,7 bilhões). A participação de mercado da varejista de café nos últimos cinco anos caiu de 34% para 14% (2024), de acordo com a empresa de pesquisa Euromonitor International.
Com esses ventos contrários afetando seu segundo maior mercado, a Starbucks anunciou este mês que venderia uma participação majoritária de suas operações na China para uma empresa de private equity com sede em Hong Kong. O acordo de 4 bilhões de dólares (R$ 21,3 bilhões) com a empresa de gestão de investimentos Boyu Capital cria uma joint venture na qual a Starbucks mantém 40% de participação.
Em uma ação semelhante, o Burger King anunciou uma nova joint venture com um parceiro de private equity com sede em Pequim esta semana. Vendeu uma fatia majoritária das operações na China por 350 milhões de dólares (R$ 1,9 bilhão) e pretende assim expandir sua presença no país de 1.250 para mais de 4.000 lojas até 2035.
Esse movimento não se limita às multinacionais de alimentação americanas. A varejista francesa de artigos esportivos Decathlon planeja vender cerca de 30% de seus negócios na China, uma transação avaliada em 1 bilhão a 1,5 bilhão de euros (entre R$6,2 bilhões e R$9,2 bilhões), sob pressão dos concorrentes locais.
Marcas chinesas avançam rapidamente
Para os varejistas dos Estados Unidos , o problema não é apenas a desaceleração da demanda, mas a velocidade e a sofisticação dos negócios chineses, que lançam novos produtos mais rapidamente e com preços mais competitivos. Eles também se integram perfeitamente ao ecossistema digital da China por meio de plataformas móveis como WeChat e Alipay.
“Muitas desses atores globais começaram a perder seu poder de marca na China”, disse Chengyi Lin, professor afiliado especializado em transformação digital na escola de negócios Insead, à DW. “O novo nome do jogo é agilidade e adaptabilidade.”
Para se ter ideia da natureza hipercompetitiva do mercado consumidor chinês, o país conta com 129 marcas de veículos elétricos , mais de 50 mil redes de café e mais de 450 mil lojas de bubble tea (chá gelado com bolinhas de sagu).
Os campeões locais não apenas saturaram o mercado de massa, mas agora estão subindo de nível, oferecendo produtos premium a preços competitivos. A concorrência é acirrada, com empresas nacionais desafiando estrangeiras nos setores de alimentos, moda, eletrônicos e mobilidade.
Jason Yu, diretor-gerente da CTR Market Research, diz que as empresas chinesas costumavam copiar as grandes multinacionais e, não raro, as superam.
“No mercado de café, por exemplo, as redes locais estão lançando novos produtos muito mais rapidamente, às vezes em questão de semanas, enquanto a Starbucks precisa esperar meses pela aprovação global”, disse Yu à DW.
Analistas como Yu e Lin apostam que a tendência de joint ventures deve se intensificar, tendo em vista a expansão global de marcas chinesas, solapando o domínio de empresas ocidentais no mercado interno.
Empresas americanas reduzem dependência da China
As joint ventures são uma estratégia para reduzir riscos. Vários fabricantes americanos recalibraram suas cadeias de suprimentos globais após a pandemia da covid-19 para reduzir a dependência da China, que se tornou para muitas indústrias a única fonte de fabricação e peças.
A Apple, por exemplo, transferiu parte da produção do iPhone para a Índia, enquanto a Nike expandiu a fabricação em mercados de baixo custo no Sudeste Asiático.
Em meio a um crescimento desigual, a confiança das empresas americanas na China também atingiu um nível historicamente baixo, com apenas 41% das empresas otimistas em relação aos próximos cinco anos, de acordo com a pesquisa de setembro de 2025 do grupo de lobby industrial AmCham Xangai (Câmara Americana de Comércio em Xangai).
No entanto, em vez de sair, as joint ventures da Starbucks e da Burger King com parceiros de capital privado devem permitir que elas ganhem velocidade, capital e integração digital em um mercado onde as marcas locais agora ditam o ritmo.
“[Os parceiros chineses das joint ventures] têm o conhecimento local, as conexões e os recursos para ajudar a marca multinacional a se interconectar mais com o ecossistema local, em vez de competir por conta própria”, disse Yu.
O que muda com as joint ventures?
Historicamente, as joint ventures eram a forma padrão de entrada de empresas estrangeiras na China, exigida por lei na década de 1990. No entanto, esses acordos podem ser arriscados devido à aplicação desigual da regulamentação, ao controle limitado sobre as operações e a uma potencial exposição de propriedade intelectual.
Muitas empresas americanas tiveram experiências amargas, enfrentando controle diluído, tomada de decisões mais lenta e conflitos com parceiros locais. Na década de 2000, muitas marcas estrangeiras na China abandonaram as joint ventures, preferindo operações de propriedade integral. A propriedade estrangeira total no varejo só é permitida desde 2022.
De acordo com a AmCham China, as empresas americanas continuam céticas em relação às joint ventures. As tensões comerciais e a geopolítica adicionam outra camada de incerteza, disse o órgão empresarial em um relatório recente. As tarifas entre os EUA e a China continuam em vigor sobre bilhões de dólares em mercadorias, enquanto as crescentes fricções sobre Taiwan e outras questões regionais também aumentaram a ansiedade nas salas de reunião.
O que pensam as marcas americanas?
Yu disse à DW que as joint ventures costumavam ser vistas como um mal necessário na China, mas os negócios mais recentes são “muito diferentes”, pois têm menos a ver com necessidade legal e mais com vantagem estratégica.
“Em um mercado onde os concorrentes chineses lançam novos produtos em semanas e se integram perfeitamente às plataformas digitais, agilidade é tudo. Sem essas parcerias, muitos varejistas americanos teriam dificuldade em acompanhar o ritmo”, disse ele.
O maior risco para os varejistas americanos não é a concorrência, mas deixar a China completamente. Afastar-se do maior mercado consumidor do mundo significaria abrir mão do crescimento a longo prazo. Sair pode parecer uma forma de reduzir riscos, mas é também um risco de se tornar irrelevante.
“Se você sair da China, não perderá apenas as vendas de hoje — perderá a capacidade de moldar os hábitos dos consumidores de amanhã”, disse Lin à DW. “Uma vez que esses hábitos são estabelecidos pelas marcas locais, é quase impossível para as empresas estrangeiras reconquistá-los.”