Megalomania As pirâmides de Miquerino, Quéops e Quéfren, em Gizé, perto do Cairo (Egito). Elas foram construídas em torno de 2500 a.C. e o resultado, dado o tempo, foi considerado quase um milagre.

Sinônimo de modernidade, luxo e elegância, Dubai e suas longas avenidas, edifícios contemporâneos e arquipélagos artificiais fascinam pela arquitetura futurista. Hoje, é possível construir complexas edificações em pleno deserto – a capital dos Emirados Árabes Unidos abriga inclusive a Torre de Dubai, o futuro prédio mais alto do mundo, previsto para ter quase 808 metros de altura e 162 andares, cujo projeto deve ser concluído ainda neste ano. Como nos audaciosos projetos de Dubai, atualmente avançados recursos e técnicas de engenharia permitem que blocos de pedras pesando toneladas possam ser suspensos e sobrepostos sobre outros, produzindo-se assim obras de quase mil metros de altura em poucos meses. Mas há cinco mil anos, sem conhecer as polias ou a utilização de ferramentas de metal e tendo à disposição só instrumentos de madeira e cordas, parece um empreendimento semelhante seria praticamente impossível.

A pirâmide de Quéops, na planície de Gizé, próximo do Cairo, no Egito, é diariamente admirada por milhares de turistas. Assim como também o são Stonehenge (Inglaterra), os templos gregos, as pirâmides maias e outros monumentos. Construções antiquíssimas que deixam os arqueólogos diante de um duplo mistério: o que envolve as funções desses monumentos e, outro, ainda mais intrigante, que diz respeito ao modo como eles foram construídos.

“Para os povos primitivos, construir esses monumentos foi, de algum modo, refazer com as mãos aquilo que a natureza tinha feito e, em seguida, adaptá-los às exigências de representação das religiões e mitos. Não foi por acaso que a maçonaria, anos mais tarde, foi fundada pela poderosa cooperativa de pedreiros”, explica Alberto Arecchi, arquiteto e estudioso da história da construção. Este raciocínio é também a chave para compreender a mais recente teoria sobre a realização das pirâmides egípcias.

Trabalho complexo para construir a tumba de Quéops foram necessários cinco mil operários especializados (não escravos). Segundo a hipótese de Jean-Pierre Houdin, eles usaram uma primeira rampa (1) para construir a Câmara do Rei (2) e uma rampa interna (3) que permitia que se construísse o resto. Ela começava na base e ía até o topo.

Antigo fascínio

embora tenham sido construídas em tempos remotíssimos, as pirâmides até hoje exercem enorme fascínio no homem. os motivos são muitos, desde o fato de elas terem resistido a tantos anos até a sua construção perfeita, sendo que entre os blocos de pedra não se consegue introduzir sequer uma folha de papel, tamanha a perfeição de sua sobreposição. Com mão de obra escrava, as pirâmides eram construídas com blocos de pedras que chegavam a pesar até duas toneladas. muitas vezes, sua execução demorava mais de dez anos. Ainda em vida, o faraó começava a planejar e executar a construção de sua pirâmide, cuja função era abrigar e proteger o seu corpo mumificado e os seus pertences. Quanto maior fosse a pirâmide, maior o poder e glória do faraó. mas, depois que ela estivesse pronta, os seus construtores eram sacrificados, para que não revelassem o segredo que seu interior continha e, principalmente, as armadilhas que ali existiam para evitar o acesso de saqueadores ao túmulo e aos objetos lá guardados.

Segundo o arquiteto francês Jean-Pierre Houdin, a pirâmide de Quéops foi construída graças a uma rampa interna, que permitia que os operários trabalhassem em segurança e a uma temperatura suportável. A Grande Galeria (um túnel sem enfeites, mas com ranhuras singulares na parede) foi necessária para a construção da Câmara do Rei, no centro da pirâmide, servindo como base para a elevação de blocos de granito de 60 toneladas. Teoria apaixonante, apoiada numa complexa simulação no computador e em algumas anomalias nas medições da força da gravidade encontradas na pirâmide nos anos 80 que fizeram acreditar que ela continha os restos de uma rampa espiral.

A evolução das pirâmides

A mais antiga pirâmide em degraus do Egito, em Saqqara, foi concluída em 2620 a.C. pelo faraó Djoser, da terceira dinastia egípcia. Ela tinha quatro níveis e uma câmara mortuária subterrânea.

 

Em Dahshur, mais acima do Nilo a partir de Saqqara, fica a pirâmide do faraó Sneferu, da quarta dinastia. Sua forma inclinada se deve a uma mudança de curso dos trabalhos, pois os projetistas escolheram uma fundação fraca e a pirâmide começou a se inclinar quando já estava praticamente pronta. Para concluí-la e torná-la mais estável, os construtores reduziram o ângulo da parte superior e hoje ela é conhecida como a Pirâmide Inclinada (2565 a.C.). Insatisfeito com o resultado, Sneferu ordenou a construção de outra pirâmide em Dahshur. Os projetistas escolheram uma fundação melhor e fizeram essa pirâmide com a mesma altura da anterior, mas com uma base mais larga e um ângulo mais raso. A Pirâmide Vermelha foi concluída em 2560 a.C. • NOVEMBRO 2009 A Pirâmide Vermelha foi concluída em 2560 a.C.

 

Mas se esse foi o método empregado na construção das pirâmides, de onde vieram os blocos de pedra? Segundo o egiptólogo francês Joseph Davidovitis, um engenheiro especializado no estudo dos minerais do solo, o material usado para a fabricação dos blocos poderia ser uma espécie de “concreto”, obtido pelos os egípcios a partir de uma mistura de argamassa calcária, conchas e sódio (carbonato de sódio, que era também utilizado no processo de mumificação). Eles eram moldados dentro de uma “caixa” de madeira e teriam sido feitos no próprio local da construção da pirâmide. Em seguida, os grandes blocos eram içados por um complicado sistema de guinchos.

Essa hipótese inicialmente perturbou os egiptólogos, que a consideraram anti-histórica (a invenção “oficial” do concreto é atribuída aos romanos). Mas aqui entra em jogo a religião. No antigo Egito se venerava duas divindades opostas: Khnum e Amon. Segundo Arecchi, o primeiro era o deus da “pedra aglomerada” (que lembra o deus dos hebreus, capaz de criar o homem do barro), enquanto o segundo era o deus da “pedra esculpida”. Khnum era reverenciado por Quéops, que apoiava sua casta sacerdotal: a mesma casta que, cerca de 1.300 anos depois, praticamente foi substituída pelos sacerdotes do deus Amon, em consideração ao faraó Tutankhamon. “E, de fato, para ele não foi construída uma pirâmide, mas uma tumba esculpida em pedra no coração do Vale dos Reis, bastante diferente daquela erguida em torno de 2700 a.C. pelo arquiteto egípcio Imhotep, considerado o ‘inventor’ das pirâmides”, observa Arecchi.

O arquiteto da pirâmide de Djoser, Imhotep, foi divinizado pelos seus méritos como construtor

Quem são eles?

As maiores pirâmides egípcias são as dos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos, em Gizé. Confira quem foram eles:

QUÉOPS: Reinou por volta de 2551 a.C. a 2528 a.C. e foi considerado um faraó cruel e impiedoso. É o responsável pela construção da maior pirâmide de Gizé.

QUÉFREN: Construiu a segunda maior pirâmide de Gizé, a Pirâmide de Quéfren, a Esfínge de Gizé e um templo, que é o único exemplo de templo remanescente do período.

 

 

MIQUERINOS: Reinou pouco tempo, por esse motivo não pôde concluir sua pirâmide. A Pirâmide de Miquerinos é a menor em tamanho e a terceira entre as mais famosas pirâmides do mundo antigo. Com a sua morte, a pirâmide foi terminada às pressas, e foi usado material de qualidade inferior.

 

De acordo com Davidovitis e com Arecchi, essa oposição de cultos também gerou um equívoco relacionado à origem da alquimia. “No Egito dos últimos faraós e na Alexandria quase só se falava grego. O que os egípcios chamavam ‘a matéria do corpo de deus’, significando pedra, foi traduzida pela expressão krysòs, cujo significado é ouro. Então, quando os conhecimentos sobre a construção do ‘corpo de deus’ começaram a ser transmitidos, os alquimistas acreditavam estar fazendo ouro, mas na realidade estavam produzindo o concreto”, comenta Arecchi.

Uma teoria que pode ser comprovada pela grande quantidade de vasos encontrados nas tumbas egípcias do primeiro período. “Os vasos foram confeccionados em materiais como cascalho, pedregulhos extraídos do leito de rios e microgrãos: pedras duríssimas, difíceis de serem trabalhadas até hoje. É muito mais provável que esses materiais tenham sido adicionados, implementando o aglomerado, para o qual foram utilizados vários tipos de silicatos hidratados de cobre, como o crisocola (similar à turquesa), minerais conhecidos e extraídos a partir do Sinai.”

Se a arquitetura egípcia se inspirava na natureza, resta o fato de não existir nenhuma grande forma piramidal natural. Na realidade, o tipo mais antigo e difuso de construção em pedra é um outro, o chamado sistema trilitico (mais conhecido como dólmen): três blocos, duas janelas verticais no solo (colunas) unidos por uma laje horizontal colocada acima delas (a arquitrave). Uma edificação aparentemente rudimentar: no entanto, provavelmente, era a parte visível de uma sepultura coletiva, originalmente cercada e coberta por um pequeno monte de terra.

Tesouro Suspenso Stonehenge, em inglês, significa pedra suspensa, mas é bom lembrar que da antiga construção resta muito pouco.

O deus egípcio Khnum, venerado pelos antigos construtores.

“O conceito de casa pouco tem a ver com o dólmen trilitico, exceto pela inspiração de seu formato”, diz Arecchi. Segundo ele, algumas antigas habitações de apenas um piso térreo inspiram-se nos primitivos amontoados de pedras em círculo com um buraco. Em algumas cidades italianas, os exemplos são muitos: das construções em formato cônico da Sardenha (existem numerosos vestígios da Idade do Bronze na ilha, sendo os mais conhecidos as nuraghi – habitações circulares, por vezes cônicas, de pedra) às existentes na região de Puglia, como as de Alberobello, uma cidadezinha conhecida por um tipo de moradia muito peculiar: os trulli, espécie de casa de paredes arredondadas e teto cônico, feito de pedras encaixadas.

Essas construções conhecidas como “falsa cúpula” foram realizadas com a sucessiva sobreposição de círculos de pedra sempre muito pequenos. A construção nurághica tende a convergir em direção ao centro, enquanto a cúpula “empurra” todos os demais elementos para fora dela e por esta estrutura é sustentada. “Os conhecimentos para concretizar estes dois tipos de edificações eram muito diferentes, embora visualmente sejam bem parecidas”, conta Arecchi.

O caminho das pedras

 

 

A extração dos blocos Com o auxílio de cunhas de madeira e percursor (golpes) em pedra, as ranhuras eram feitas e, ampliando essas fraturas, obtinham-se os blocos.

 

 

 

Por água… Por vezes, os monólitos eram transportados ao longo dos rios, presos no interior de jangadas.

 

 

Ou por terra Em outras ocasiões, os blocos de pedra eram transportados em trilhas feitas de cilindros de madeira. Os rolos moviam-se arrastando os blocos de pedra.

 

A força da alavanca Os monólitos ficavam enfileirados numa fossa escavada no terreno. Para erguê-los, eram empregados troncos. Os blocos de pedra eram amarrados nas toras, que funcionavam como alavancas.

 

 

 

 

O sistema trilitico dos arquitetos do neolítico é também a base do usado na construção da arquitrave: duas pilastras e, em vez da pedra horizontal, um arco composto de “concreto”, blocos de pedra talhada, inclinadas, e com o topo fechado (teto). Uma evolução possível para o uso da madeira. “A madeira é muito mais resistente do que a pedra, pelo menos na construção de um teto: de fato, os minerais são poucos flexíveis e têm baixíssima resistência às flexões”, prossegue o especialista.

“As primeiras construções de madeira, projetadas pelos povos que viviam em regiões úmidas e ricas em madeira, tais como as da Mesopotâmia, ainda tinham telhados planos, conceitualmente não diferente dos empregados nos dolmens”, diz Arecchi, observando que na evoluída Grécia já se tinha conhecimento de que para construir um templo de pedra era necessário inclinar os blocos de um modo que eles se sustentassem, ao menos em parte, por si só. Assim foram construídos as arquitraves e os frontões dos templos clássicos. “Os gregos entenderam a importância de posicionar colunas juntas para distribuir melhor o peso da construção no solo.”

A construção de um complexo megalítico demorava de 7 mil a 30 mil dias de trabalho

Esquadro e compasso o símbolo da maçonaria, com os instrumentos da antiga cooperativa de pedreiros.

A aplicação mais surpreendente do sistema trilitico é Stonehenge (em inglês, pedra suspensa), em Wiltshire, na Inglaterra: um conjunto de blocos de pedras alternados com buracos no chão, realizado em fases sucessivas a partir de cerca de 3100 a.C. Seria deste período o aterro e o círculo de pedra que se encontram no interior deste complexo de megalíticos. “Stonehenge é interessante pela disposição das pedras, bem como pela técnica de construção, que possivelmente precedeu a utilização de aterros”, afirma Arecchi. “É provável que se trate de um relógio meteorológico-astronômico e que os marinheiros soubessem que os ventos estavam favoráveis para a navegação ou também que uma nova estação estava começando quando uma certa estrela aparecesse em uma determinada ‘porta’ de Stonehenge”, especula o especialista.

É preciso dizer que as pedras de Stonehenge como conhecemos hoje têm pouca relevância para a sua posição inicial: nos primeiros anos do século 9, muitas “portas” (grupos individuais de triliticos) foram restauradas. Na época, os pesados blocos foram suspensos com tornos mecânicos (funcionavam como uma espécie de guincho), que acabaram separando-os da sua localização original. Vale lembrar que a antiga construção já havia sido alterada durante a invasão do Exército Romano em 61 a.C. Apesar disso, de uma coisa ninguém duvida: o estaleiro de Stonehenge, de onde cada um dos blocos de quatro toneladas era transportado por centenas de quilômetros antes de ser erguido (ver pág. 48), foi o mais extraordinário de sua época.

No decorrer dos séculos, os enigmas tecnológicos da construção de Stonehenge e das pirâmides de Gizé deram origem a uma série infinita de lendas e crenças mágicas. “A arquitetura e magia seguem de mãos dadas desde o início, estando ligadas à transmissão de conhecimentos”, explica Arecchi. O “saber construir” sempre teve em si um componente mágico: se a realização do concreto foi provavelmente a origem da alquimia, as técnicas que permitiam erguer obras colossais, do Templo de Salomão às catedrais góticas, deveriam ter, para o seu tempo, algo de milagroso. A partir da Idade Média, foram as cooperativas de pedreiros que transmitiram o seu conhecimento (o “poder de construir” e todos os detalhes relacionados a ele). Mais tarde, essas corporações deram origem à maçonaria.

Os ingleses free masons (pedreiros “liberais”, autônomos) não eram mais do que os membros das cooperativas de construtores, que ensinavam aos seus membros os segredos de como erguer colunas de dezenas de metros, por exemplo. Conhecimento que muito pouco tem a ver com o esoterismo. Conforme explicam os especialistas do Centro de Estudos sobre as Novas Religiões de Turim (Cesnur, na sigla em italiano), o conceito dos mistérios maçônicos, que tanto fascina os ocultistas, pode derivar de um erro banal de tradução. De fato, na Idade Média, as organizações de pedreiros ingleses era indicada pelo termo misteres, provavelmente derivado do italiano mestiere (ofício). Nas transcrições do século 6, a palavra passa a ser mystery (mistério), despertando o interesse de um número crescente de “aprendizes” mais interessados no ocultismo que no modo de construir uma arquitrave.

As ferramentas usadas pelos “pedreiros” egípcios

Martelo e Picão

As rochas calcárias eram extraídas com martelos de granito ou de pedra de silício.