14/10/2025 - 12:00
Jovens tomaram as ruas para protestar contra cortes de energia e falta d’água, em movimento apoiado pelas Forças Armadas. Presidente Andry Rajoelina deixou o país e unidade militar afirma ter assumido o poder.Uma unidade militar de elite de Madagascar, a Capsat, afirmou nesta terça-feira (14/10) que as Forças Armadas assumiram o poder no país africano.
O anúncio ocorre imediatamente após o parlamento votar pelo impeachment do presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, por abandono de cargo.
Ele fugiu do país no último domingo após a Capsat apoiar uma manifestação contra seu governo. Jovens tomam as ruas desde o final de setembro pedindo a renúncia de Rajoelina.
Poucas horas antes, o presidente havia tentado dissolver o parlamento e impedir a sessão, mas a decisão não foi seguida pelos legisladores. Seu gabinete considerou a votação “desprovida de qualquer base legal”.
Segundo Michael Randrianirina, coronel da Capsat, um conselho composto por forças de segurança se reunirá para realizar os despachos presidenciais até que um primeiro-ministro seja apontado e forme um governo civil.
Também nesta terça, líderes militares declararam ter suspendido o Senado, a Corte Constitucional, o Conselho Eleitoral e outras instituições do Estado.
Revolta ganhou fôlego com endosso da Capsat
Madagascar testemunha uma mudança dramática em seu cenário político desde 25 setembro, quando jovens tomaram as ruas e desencadearam um dos maiores protestos da história recente do país.
O movimento ganhou fôlego quando a Capsat, uma influente unidade das Forças Armadas, decidiu apoiar as manifestações e se voltar contra o governo.
“A partir de agora, todas as ordens militares, seja [de unidade] terrestre, aérea ou naval, virão do quartel-general do Capsat”, declararam oficiais em um vídeo divulgado no último sábado.
Embora a Capsat não seja uma unidade de combate, ela controla aspectos cruciais do exército, como gestão de pessoal, apoio administrativo, logístico e serviços técnicos.
No domingo, a unidade nomeou o general Demosthene Pikulas como novo Chefe do Estado-Maior do Exército durante uma cerimônia com a presença e aval do então ministro das Forças Armadas. Eles pediram às forças de segurança do país que recusem quaisquer “ordens para atirar” nos manifestantes.
Após acusar os militares de colocarem em curso “uma tentativa de tomada de poder ilegal pela força, contrária à Constituição e aos princípios democráticos”, Rajoelina deixou o país e divulgou um vídeo informando que estava em um “lugar seguro”.
No dia seguinte, milhares de pessoas se reuniram em uma praça na capital, Antananarivo, reforçando apelos pela renúncia do presidente.
Segundo dados da ONU, pelo menos 22 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas desde o início dos protestos. Rajoelina contesta os números, alegando que houve 12 óbitos e que os mortos eram “saqueadores e vândalos”.
Cortes de energia desencadearam protestos
A revolta malgaxe teve início como um protesto contra a escassez de água e eletricidade no país, mas ganhou força com a participação de jovens da geração Z, que mantiveram os protestos ativos sob bandeiras anticorrupção.
Os participantes usaram redes sociais como Facebook e TikTok para organizar as manifestações, coordenadas pelo Movimento Gen Z Madagascar, uma organização digital liderada por jovens.
“Nossa abordagem começou com um desejo claro: finalmente obter soluções reais para os problemas da Jirama [companhia de luz estatal de Madagascar]. Cortes intermináveis de água e eletricidade, água imprópria para consumo e fios energizados se tornaram parte do nosso cotidiano. E são os cidadãos que pagam o preço: envenenamento, condições insalubres, perdas econômicas e danos aos alimentos”, diz a Gen Z Mada em seu site.
Rajoelina chegou ao poder em 2009, após a mesma Capsat apoiar uma revolta para derrubar seu antecessor. À época, ele era prefeito da capital e reuniu milhares de pessoas nas ruas exigindo a renúncia do ex-presidente Marc Ravalomanana.
Protagonismo da geração Z
O movimento ecoa os protestos da geração Z no Nepal, que tiveram início como revolta contra a proibição de redes sociais e acabaram por derrubar o governo nepalês. Recentemente, jovens também tomaram as ruas de países como Indonésia e Bangladesh.
Alguns especialistas comparam a situação à Primavera Árabe, uma série de protestos em massa ocorridos no Oriente Médio e Norte da África no início da década de 2010 e que derrubaram vários governos.
A analista de risco político Rose Mumanya vê repercussões sérias na remoção forçada de Rajoelina do poder. “Seria a continuação do mesmo ciclo, onde há instituições muito fracas e um exército relativamente mais forte que pode intervir, não em benefício do povo, mas das elites empresariais e políticas”, disse à DW.
gq (DW, AFP, Reuters, OTS)