Deputados tentam impedir avanço da ação penal contra o ex-diretor da Abin de Bolsonaro e outros acusados de integrarem núcleo duro de tentativa de golpe.Um projeto aprovado na Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira (07/05) que suspende uma ação penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) – e que pode abrir brecha para favorecer também o ex-presidente Jair Bolsonaro – virou um novo ponto de tensão entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Legislativo.

O texto suspende o processo que corre no STF relacionado à tentativa de golpe de Estado e o envolvimento do deputado, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), na suposta trama arquitetada para manter Bolsonaro no poder após ter perdido as eleições presidenciais de 2022.

A iniciativa da Câmara se baseia em um artigo da Constituição que trata de imunidade parlamentar e permite que a Câmara e o Senado suspendam o andamento de uma ação penal contra deputado ou senador por crime ocorrido depois de sua diplomação.

O projeto de lei foi apresentado em abril pelo PL, partido de Bolsonado e Ramagem, logo após eles se tornarem réus no STF, e tramitou com rapidez.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o parecer favorável à medida nessa quarta e, no mesmo dia, o presidente da Casa, Hugo Motta, pautou a votação em plenário, vetando a possibilidade de requerimentos de adiamento ou retirada de pauta, discussões e apresentação de emendas. O texto foi aprovado por 315 votos a favor e 143 contrários. Como não precisa passar pelo Senado, a suspensão já foi promulgada por Motta.

Como Bolsonaro e aliados poderiam se beneficiar da decisão?

O relator do projeto, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), defendeu em seu parecer a suspensão de todo o andamento da ação penal em curso no STF “em relação a todos os crimes imputados”. Além de Ramagem, o processo envolve os demais sete denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de integrar o núcleo central da trama golpista, incluindo Bolsonaro.

Pela forma vaga com que foi redigido, o texto tem sido considerado uma tentativa de impedir o julgamento contra o ex-presidente e seus assessores, previsto para este ano.

Entre os réus, estão ainda o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, o general Augusto Heleno, ex-ministro da Defesa, o almirante Almir Garnier Santos, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.

Eles são acusados dos seguintes crimes:

Organização criminosa armada;
Tentativa de golpe de Estado
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
Dano qualificado pela violência e grave ameaça;
Deterioração de patrimônio tombado.

Ramagem é acusado de ter prestado suporte técnico, elaborando documentos para subsidiar ações de desinformação, especialmente em relação à segurança e legitimidade do sistema de votação em 2022.

STF sinaliza contra a medida

Alguns ministros do STF têm manifestado o entendimento de que qualquer tentativa de travamento da ação para outros réus que não são parlamentares, como Bolsonaro, seria inconstitucional. Há ainda o entendimento de que a ação não pode incidir sobre todos as denúncias que recaem sobre Ramagem.

Segundo ofício enviado à Câmara pelo presidente da 1ª Turma do STF, ministro Cristiano Zanin, a suspensão só valeria para o parlamentar e apenas para os crimes cometidos após a diplomação como deputado eleito, em dezembro de 2022.

Dessa forma, seria possível interromper a análise de dois crimes (dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado), por se referirem aos atos de 8 de janeiro, que ocorreram após a data de diplomação.

Com relação às outras acusações (abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa), o STF sinalizou que dará andamento ao processo contra o parlamentar.

O relator do texto, deputado Alfredo Gaspar, rebateu a posição de ministros do STF dizendo que, mesmo os crimes que teriam ocorrido antes da diplomação, estariam contemplados pela sustação porque seriam “permanentes”, ou seja, se prolongam no tempo.

“Puxadinho pra anistia”

A votação da suspensão do processo penal contra Ramagem preencheu o espaço deixado na pauta da oposição após Hugo Motta ter decidido não pautar, por ora, o projeto de lei que anistia os acusados e condenados por tentativa de golpe no 8 de janeiro.

“Estão achando um puxadinho para a anistia. Os senhores acham que podemos votar aqui o sustamento do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF?”, disse o líder do PT, deputado Lindergh Farias.

O PL da anistia acabou também envolvendo o STF, mas devido a uma polêmica sobre emendas parlamentares. O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante, fez um requerimento de urgência para que a proposta de anistia fosse votada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões.

Como forma de pressionar para que fosse colocado em votação, chegou a sugerir que assumiria o controle de emendas nas comissões presididas pelo PL. Segundo ele, havia um acordo que previa 30% das emendas de cada comissão sob o controle do partido que a preside, e os demais 70% para os demais partidos.

O ministro do STF Flávio Dino pediu então esclarecimentos com relação à divisão de emendas de comissão, o que foi negado por Sóstenes no fim de abril – usando como justificativa sua imunidade parlamentar. Dino rebateu afirmando que a imunidade parlamentar não impede a apuração de possíveis irregularidades no uso de verbas públicas e reiterou o pedido de explicações.

sf/bl (Agência Câmara de Notícias, ots)