Documentos, gravações e mensagens de celular estão entre as principais provas do julgamento contra o ex-presidente.Os quatro ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiram pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado e crimes relacionados foram categóricos sobre a concretude das provas reunidas no processo, para além dos testemunhos de envolvidos e delatores.

“No golpe de 1964 tinha menos prova documental do que nessa tentativa. Nessa tentativa só faltou a ata, lavrar a ata”, afirmou o ministro Flávio Dino durante seu voto.

O ministro Alexandre de Moraes, relator do julgamento, disse haver ao menos 13 atos que comprovam a existência da organização criminosa golpista e sua ação coordenada e planejada, em “uma cronologia criminosa lógica”.

Bolsonaro foi considerado culpado pelos cinco delitos apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR): abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de bem tombado. Ele foi condenado a 27 anos e 3 meses de detenção.

De acordo com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o grupo “documentou quase a totalidade” de suas ações, com mensagens, manuscritos, planilhas e gravações, “tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva”.

O ministro Luiz Fux foi o único a divergir – votou por absolver de todas as acusações Bolsonaro e mais cinco réus. Condenou o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022, por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ele argumentou que o direito à defesa dos réus foi comprometido pelo “tsunami” de informações coletadas no processo.

Ao mostrar em telão imagens do 8 de janeiro de 2023, Moraes destacou que os golpistas que depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília pediam por “intervenção militar” e “Bolsonaro presidente”.

“Aqui não está Mauro Cid presidente. Aqui Não está Walter Braga Netto presidente. Não está [Almir] Garnier presidente. Não está Anderson [Torres] presidente. Não está [Alexandre] Ramagem presidente. Aqui não está os demais réus. Aqui está o líder da organização criminosa presidente.”

Entenda quais as principais provas consideradas pelos ministros do STF para condenar Bolsonaro.

Uso de órgãos públicos

Moraes apresentou em seu voto o que considera serem provas de que o golpe começou a ser executado ainda em 2021, com “unidade de desígnios” e “divisão de tarefas”, características típicas de organizações criminosas.

O relator destacou o uso de órgãos públicos, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para o monitoramento de adversários políticos e execução da estratégia de atacar o Poder Judiciário, sobretudo a Justiça Eleitoral.

A agenda de Augusto Heleno, à época chefe do GSI, e documentos de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, evidenciam o planejamento de ações destinadas a manter Jair Bolsonaro no poder e a limitar a atuação do Judiciário.

Os documentos mostram que essas estruturas do governo foram usadas para montar uma espécie de “Abin paralela”, voltada à espionagem, perseguição política e à difusão de informações falsas sobre o sistema eleitoral.

Lives e entrevistas

Em seu voto, Moraes aponta para atos públicos ocorridos desde 2021, como lives e entrevistas, em que Bolsonaro fez graves ameaças à Justiça Eleitoral e propagou desinformação sobre as urnas.

Um dos marcos apontados por Moraes foi a live feita por Bolsonaro em 29 de julho de 2021, do Palácio do Planalto, para expor supostas fraudes nas urnas eletrônicas. Para a PGR, esse foi o ponto inicial da tentativa de golpe liderada pelo então presidente.

Manifestações golpistas

Um dos atos destacados por Moraes como prova da intenção golpista de Bolsonaro foi seu discurso durante o 7 de Setembro de 2021, na Avenida Paulista, quando ele afirmou que não iria mais cumprir decisões de Moraes e que “ou esse ministro se enquadra, ou pede para sair”.

Segundo o ministro, o ex-presidente instigou milhões contra o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, uma “grave ameaça” à democracia.

Reuniões ministeriais e encontros

Entre as provas listadas contra Bolsonaro e demais réus estão encontros conduzidos pelo ex-presidente.

A reunião ministerial de 5 de julho de 2022, em que o então presidente destacou a tese sem comprovação de que havia fraude no processo eleitoral e buscou adesão dos ministros para uma tentativa de golpe, “configura confissão de culpa”, segundo Moraes. A reunião foi gravada, e o vídeo encontrado no computador de Mauro Cid.

Estavam no encontro Braga Netto e os comandantes das Forças Armadas. Para Moraes, a reunião serviu para consolidar a estratégia de pressão institucional que garantiria a permanência de Bolsonaro no poder mesmo com um possível resultado desfavorável nas eleições daquele ano.

Outro momento destacado durante o julgamento foi a reunião de Bolsonaro com embaixadores e diplomatas de outros países, em 18 de julho de 2022, quando ele apresentou suspeitas já desmentidas por órgãos oficiais sobre as eleições de 2018 e a segurança das urnas eletrônicas, com o intuito de desacreditar internacionalmente o sistema eleitoral brasileiro.

Bloqueio de rodovias

A operação de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para bloquear rodovias no segundo turno das eleições de 2022, em uma tentativa de impedir eleitores de acessar os locais de votação, foi apontada como outra prova da ação de Bolsonaro na trama golpista.

Moraes destacou a criação de um grupo de policiais federais para atuar “mais incisivamente” no segundo turno para dificultar a chegada de eleitores a locais de votação em cidades onde Lula tinha mais votos.

Foram encontradas mensagens, planilhas e registros de reuniões relacionadas “ao manejo indevido das forças de segurança pública, especialmente da Polícia Rodoviária Federal, no segundo turno das eleições”.

Planejamento da Operação Punhal Verde Amarelo

Moraes apontou para a articulação de uma operação chamada de “Punhal Verde Amarelo”, que tinha o objetivo de assassinar autoridades.

Áudios de conversas entre o general da reserva Mario Fernandes, o tenente-coronel Mauro Cid e um grupo de elite do Exército chamado “kids pretos” mostram que os planos envolviam o monitoramento, a prisão ilegal e até o assassinato de Alexandre de Moraes, Lula e Geraldo Alckmin.

Parte do documento sobre o plano, de autoria de Mario Fernandes, chegou a ser impressa no Palácio do Planalto, “no mesmo momento em que lá se encontrava o presidente Jair Messias Bolsonaro”, segundo Moraes. “O planejamento é tão bem detalhado que há chances de êxito, efeitos colaterais e (menções) à necessidade de utilização de armas pesadíssimas”, apontou o relator.

Minuta de golpe de Estado

O rascunho de um decreto determinando uma intervenção contra o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para anular o resultado das eleições presidenciais de 2022 foi apreendido pela Polícia Federal durante buscas realizadas na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em janeiro de 2023.

A minuta previa medidas que interessariam diretamente ao presidente em exercício caso perdesse a eleição. Bolsonaro alegou, em seu depoimento ao STF, que discutiu a decretação de Estado de sítio, mas a ideia foi posteriormente descartada. Moraes, no entanto, refutou o argumento.

“Ora, não existe previsão constitucional para decretação de Estado de sítio, ou de defesa, ou GLO (Garantia da Lei e da Ordem) no caso de derrota eleitoral. Não existe. Chame-se como quiser. Aqui era uma minuta de golpe de Estado.”

Uso das Forças Armadas para desacreditar eleições

Entre as provas contra Bolsonaro, está a elaboração do relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação pelo Ministério da Defesa.

Em 2021, Bolsonaro pressionou o Congresso pela adoção do voto impresso. Após a derrota da proposta, passou a insistir que as Forças Armadas deveriam atuar como “auditoras” do sistema eleitoral.

O TSE então abriu espaço para que diversas entidades, inclusive o Ministério da Defesa, acompanhassem o processo de fiscalização. A pasta, chefiada então pelo general Paulo Sérgio Nogueira, montou uma equipe técnica para produzir relatórios sobre as urnas e o processo de votação.

O relatório não apontou fraudes, mas fez sugestões técnicas e levantou dúvidas sobre aspectos de auditoria. Contudo, segundo a acusação, esse relatório foi instrumentalizado por Bolsonaro em discursos e transmissões oficiais para semear desconfiança sobre a legitimidade das eleições, mesmo sem provas concretas de irregularidades.

Outras provas documentais e depoimentos

Entre os documentos encontrados durante as investigações que apontam para a atuação de Bolsonaro e dos demais réus na trama golpista, estão o “Copa 2022” – plano para possível prisão, sequestro ou até assassinato de Moraes, que previa ainda ameaças contra Lula, Alckmin (vice eleito), entre outras figuras públicas.

No documento “Operação Luneta”, que foi encontrado no pendrive do tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, um “kid preto”, havia um plano para atuação das Forças Armadas para neutralizar a capacidade de atuação do STF.

O documento “Operação 142”, encontrado na sede do PL – partido de Bolsonaro –, apelava para o artigo 142 da Constituição, que regulamenta o papel das Forças Armadas, em uma trama para que Lula não subisse a rampa do Palácio do Planalto.

Além dos documentos encontrados, os ministros do STF levaram em consideração ainda a delação de Mauro Cid e depoimentos dos então comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior.

sf/cn (Agência Brasil, ots)