13/12/2024 - 11:41
Sob o lema “nem uma palavra a mais”, várias organizações educacionais e de pesquisa sobre o massacre de judeus na 2ª Guerra estão simultaneamente dando as costas à rede social do bilionário Elon Musk.Diversas instituições e indivíduos envolvidos na educação, memória e pesquisa sobre o Holocausto silenciaram suas contas na rede social X nesta sexta-feira (13/12), em adesão a um êxodo contínuo da plataforma do bilionário Elon Musk, que virou conselheiro político do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
As saídas coordenadas são parte de uma iniciativa chamada “Nem uma palavra a mais”, organizada pela Associação de Refugiados Judeus (AJR), uma organização sem fins lucrativos sediada no Reino Unido que fornece serviços de assistência social a refugiados e sobreviventes do Holocausto, bem como educação sobre o massacre de judeus ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial.
Em comunicado, a AJR lamentou as mudanças que ocorreram na plataforma anteriormente chamada de Twitter desde a aquisição por Musk, em outubro de 2022.
“Desinformação, distorções e abusos floresceram enquanto medidas de segurança e moderação de conteúdo praticamente desapareceram”, diz a entidade. “Enquanto isso, como empresa, a X depende do nosso conteúdo para manter seus usuários engajados. Mais engajamento significa mais receita de publicidade. Em termos mais simples, o X lucra com a nossa presença, lucra com cada palavra que postamos. Diremos, portanto, nenhuma palavra a mais.”
Em 12 de dezembro, aderiram à iniciativa 18 organizações relacionadas ao Holocausto e 21 indivíduos envolvidos em pesquisas e trabalhos escritos sobre o massacre, principalmente no Reino Unido e na Alemanha. Os participantes também se comprometeram a apoiar os conteúdos uns dos outros em outras plataformas de mídia social.
Os apoiadores da iniciativa se juntam a jornais, equipes de futebol, principais organizações sem fins lucrativos e indivíduos que estão trocando o X por outras alternativas. Um número significativo de usuários desativou suas contas na rede após a reeleição de Donald Trump, em 6 de novembro.
Decisão maturada
A decisão da AJR de deixar o X evoluiu no período de um ano, e não como resultado de um ponto de inflexão, explicou Alex Maws, chefe de educação e patrimônio da associação. Um momento crucial, no entanto, foi quando Musk compartilhou na rede seu endosso da teoria da “grande substituição” – uma teoria racista e antissemita bastante disseminada entre extremistas de direita e supremacistas brancos.
“Isso chamou a atenção de muitas pessoas… vendo [como] isso era, na verdade, apenas um exemplo de [como] o site era uma plataforma que não apenas tolerava abuso e desinformação, mas […] parecia estar promovendo isso, empurrando para pessoas que não estavam procurando por nada disso”, disse Maws à DW, destacando que ninguém sabe como de fato funciona o algoritmo do X.
Maws e o AJR perceberam que a desinformação e os numerosos abusos no X passaram a superar o benefício de tentar alcançar e educar o público na plataforma. Ele então decidiu compartilhar a decisão de deixar o X e entrou em contato com uma rede de profissionais na sua área para “encorajar outros a fazer algo que pode parecer um pouco arriscado no ambiente de comunicação de hoje”.
Mesmo sendo acusado por vários indivíduos de promover uma “campanha política” e uma “conspiração de esquerda”, Maws ressaltou que a campanha não tem nada a ver com as políticas de Musk.
“É muito importante dizer que o antissemitismo não conhece um lar político permanente”, disse. “Isso realmente não tem nada a ver com o alinhamento de Musk com o presidente eleito Trump. Provavelmente, há executivos corporativos com os quais muitos de nós discordamos em todo o setor corporativo, mas não necessariamente nos desligamos de seus produtos ou plataformas, porque essas visões não necessariamente exercem impacto sobre elas.”
Adesões também na Alemanha
A iniciativa da AJR repercutiu na Casa da Conferência de Wannsee (GHWK), nos subúrbios do sudoeste de Berlim, que também resolveu aderir. Hoje um centro educacional e de memória do Holocausto, a vila foi sediou em janeiro de 1942 uma conferência de autoridades políticas e militares nazistas onde foi discutida a implementação da chamada “solução final” – a deportação e assassinato patrocinados pelo Estado de judeus em toda a Europa.
Os administradores do local já falavam há cerca de um ano sobre deixar o X. Eles vinham usado a plataforma Bluesky, uma alternativa bastante popular ao X desde outubro passado.
“Nós realmente não precisaríamos de uma campanha ou de uma convocação [para sair do X]”, disse Eike Stegen, o encarregado de relações com a imprensa da GHWK. “Chegamos a um ponto em nossas discussões internas em que dissemos que queríamos deixar a plataforma. Mas, queríamos participar de uma campanha ou de uma convocação porque visámos motivar o maior número possível de outras contas em nossa área a deixar a plataforma conosco.”
A iniciativa da AJR é, na verdade, a segunda campanha de saída do X à qual o GHWK aderiu. Em 2 de dezembro, a entidade anunciou que iria integrar uma campanha organizada na Alemanha chamada #eXit.
Stegen está confiante de que eles conseguirão atingir um bom público em plataformas alternativas. “Mas, mesmo que esse não seja o caso e percamos alguma ressonância, achamos que vale a pena”, disse.
Responsabilidade para com sobreviventes e descendentes
Stegen gostaria de ver um alcance internacional da iniciativa, já que, como ele explicou, “as plataformas de mídia social dependem da criação de um ambiente social onde você pode ser ouvido e se comunicar com os outros”.
Maws deixou claro que não julga ninguém por continuar no X. “Pessoas e organizações precisam tomar essas decisões com base em seus próprios objetivos estratégicos, e se estar no X ainda atende a esses objetivos, então ótimo”, afirmou.
Para a AJR, entidade fundada por refugiados e sobreviventes do Holocausto, trata-se de uma questão de responsabilidade. Gostariam os fundadores e seus descendentes que nós compartilhemos sua história e seu legado “em um site que estava aparentemente, como parte de seu modelo de negócios – como um recurso, não um bug – promovendo antissemitismo, desinformação, distorções sobre o Holocausto e ódio de forma mais geral? Parece que, simplesmente, não é apropriado para uma instituição de caridade como a nossa contribuir para esse ambiente”, diz a nota da entidade.