A diretora da Fundação SOS Mata Atlântica traz uma boa notícia: o ritmo de desmatamento no bioma caiu 24% em um ano. Ela diz que a ameaça ainda existe, mas é muito menor que no passado

A divulgação da versão 2015 do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, lançada no fim de maio pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), trouxe uma surpresa agradável. De acordo com o estudo, a área desmatada da Mata Atlântica registrou uma queda de 24% no período de 2013 a 2014 na comparação com o período anterior, depois de dois anos seguidos apresentando alta. No total, 183 km2 foram desmatados nos remanescentes florestais dos 17 estados abrangidos pelo bioma, um dos mais ameaçados do mundo. No período anterior, a devastação foi de 240 km2.

O estado que mais desmatou no período foi o Piauí (56,2 km2), seguido por Minas Gerais (56 km2) e Bahia (46 km2). Mesmo estando na ponta da lista, eles apresentaram queda em relação ao período anterior, de 15%, 34% e 2%, respectivamente. Outra boa notícia foi que em nove dos 17 estados registrou-se um desmatamento minúsculo, de menos de um quilômetro quadrado. Entre eles figuram São Paulo e o Rio de Janeiro, pentacampeão em desmatamento. Dois seis estados nos quais se desmatou uma área total maior do que essa, apenas Santa Catarina apresentou um aumento percentual na comparação com o período anterior, de 3%.

Publicado pela primeira vez em 1990 e já em sua décima edição, o Atlas dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados do Bioma Mata Atlântica, desenvolvido pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Inpe, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, representa um grande subsídio para a compreensão da situação em que se encontra a Mata Atlântica. A redução anunciada este ano no desmatamento foi comemorada pela diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, sobretudo no que diz respeito à perda minúscula de cobertura florestal na maioria dos estados que contêm esse bioma. Ela fala mais sobre esses dados na entrevista a seguir.

PLANETA – O mais recente Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, que cobre o período entre 2013 e 2014, mostra uma queda significativa de desmatamento desse bioma, de 24%. A grande maioria dos estados mostrou declínio nos cortes. Estamos enfim chegando a uma época em que a tendência de queda veio para ficar?
MARCIA –
Existe uma série de fatores a considerar. Já não vimos uma redução significativa na Mata Atlântica, a não ser naqueles três estados que destacamos no Atlas – Piauí, Minas Gerais e Bahia. Então, a situação está, de certo modo, sob controle. Essa foi a boa notícia que divulgamos agora. Foi um motivo para comemorar, já que um estado como o Rio de Janeiro, que já foi campeão de desmatamento, está com um desmatamento quase no nível zero, e o Paraná, que já foi duas vezes campeão de desmatamento, apresentou uma queda de 57% nesse último período avaliado. Podemos dizer que o desmatamento lá continua? Continua, não parou. A ameaça persiste. Mas ela é muito menor do que já foi no passado. Então, comemoramos essa queda e o fato de que podemos, de certa forma, ter mais conhecimento sobre a redução e um certo tipo de controle que pode ser mais efetivo daqui para a frente. Agora, temos outro desafio, que é o de recuperar o bioma. Estamos falando de uma floresta que já foi destruída em mais de 90% no passado. Considerando que a floresta garante serviços ambientais, especialmente em termos da relação que ela tem com a água (podemos dizer que, sem proteger nascentes, áreas de preservação permanente, mata ciliar, estamos correndo o risco de ficar sem água na quantidade e na qualidade necessárias), o trabalho agora é recuperá-la, para garantir a geração de água, para garantir que os rios estejam protegidos e não sejam assoreados, para garantir que a água seja limpa para o consumo. São esses os desafios que temos daqui para a frente.

PLANETA – A liderança no ranking do desmatamento no período coberto por essa versão do Atlas pertence ao Piauí, com Minas Gerais em segundo lugar e Bahia em terceiro. Quais são os problemas enfrentados nesses estados?
MARCIA –
Fronteira agrícola, pecuá­ria, expansão do plantio de milho, soja, algodão, exploração de carvão… Os tipos de pressão dependem de cada região. Mais perto das cidades, como aparece no levantamento, o desmatamento é feito para expansão urbana, construção de moradias.

PLANETA – Esses desmatamentos são feitos sem critério?
MARCIA –
Alguns deles têm autorização legal. No caso do Rodoanel construído em torno de São Paulo, por exemplo, foram autorizadas obras para expandi-lo, com compensação ambiental e tudo o mais. Mas existem desmatamentos ilegais. A lei da Mata Atlântica permite que sejam feitos desmatamentos apenas para fins de utilidade pública e interesse social.


Mata Atlântica no litoral do Rio de Janeiro, estado em que o desmatamento caiu drasticamente

PLANETA – Nesses estados em que a devastação está mais aguda…
MARCIA –
Há desmatamentos legais e ilegais. Estamos fazendo agora um trabalho com os órgãos estaduais e com o Ministério Público para avaliar quem é responsabilizado pelo desmate, quem tem autorização…

PLANETA – O Atlas aponta Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina como estados que merecem atenção, embora tenha havido queda no desmatamento nos dois primeiros e um ligeiro aumento no último. Qual é o motivo da ressalva?
MARCIA –
São estados que ainda estão em nível de alerta. No Paraná, embora o estado tenha reduzido bastante o desmatamento, ainda observamos cortes na região das araucárias, no sul. O caso é o mesmo em Santa Catarina: nota-se a queda, mas há cortes na mesma região das araucárias, que fica no norte do estado. O Mato Grosso do Sul segue esse modelo – observamos uma queda, mas existem áreas com cortes significativos. Nos outros estados, os desmatamentos em um ano foram menores do que 1 km2. Em áreas maiores do que três hectares, é bom salientar. Alguém pode perguntar: “Não houve desmatamento em áreas menores?” Claro que sim, como cortes feitos para expansão urbana, de moradias, por exemplo. Mas isso não aparece no nosso levantamento. Nós avaliamos somente áreas com mais de três hectares.

PLANETA – Qual é a explicação para nove estados, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, terem chegado a desmatamentos menores do que 1 km2 no período? Educação ambiental, temor de punições?
MARCIA –
É um conjunto de fatores. Há, por exemplo, uma lei específica que trata da exploração da Mata Atlântica. Há também a atuação do poder público, dos órgãos fiscalizadores, dos governos federal, estaduais, municipais, do Ministério Público, mais conhecimento da comunidade, a atuação do movimento ambientalista, das organizações não governamentais. Tudo isso contribui para a preservação da Mata Atlântica. É importante lembrar que sete em cada dez brasileiros vivem na Mata Atlântica e dependem dos seus recursos. Isso representa uma população de aproximadamente 140 milhões de pessoas. A responsabilidade coletiva pode estar colaborando em maior ou menor grau para a redução do desmate.


Região das araucárias, que tem registrado cortes significativos

PLANETA – Como você disse, não basta parar de desmatar; é preciso começar a, na medida do possível, replantar parte do que foi devastado. O que já existe nesse sentido? Quais são os exemplos mais destacados, na sua opinião?
MARCIA –
Temos muitos projetos de restauração florestal. A Fundação SOS Mata Atlântica já realiza um programa de plantio de mudas de espécies nativas. Já recuperou cerca de 20 mil hectares ao longo destes anos, já doou ou plantou aproximadamente 30 milhões de mudas de espécies nativas. Isso e a regeneração natural se somam a outros esforços, feitos por governos e empresas que também fazem esse trabalho de restauração. Isso mostra que, cada vez mais, o caminho a ser seguido é o da recuperação da floresta. Existem mecanismos, fontes de financiamento para isso. Então, o assunto está cada vez mais na agenda de todo mundo que vem trabalhando com a recuperação e a conservação da Mata Atlântica. É preciso preservar o que já existe, por meio de áreas protegidas, como parques, reservas – incluindo aí a figura das reservas particulares de preservação natural (RPPNs), quando o dono de terras designa parques dentro dessa propriedade como reserva – ou áreas públicas, como parques nacionais ou estaduais, reservas, áreas de proteção ambiental ou outras categorias. Ou ainda pela ampliação dessas áreas.

PLANETA – Em termos de restauração, quais estados brasileiros estão se destacando mais?
MARCIA –
Há mais trabalhos na região Sudeste. Mas temos conhecimento de esforços na Bahia, no Nordeste… Há várias organizações trabalhando nesse sentido. A SOS Mata Atlântica tem colaborado com entidades de várias regiões que atuam nesse sentido.

PLANETA – Qual é o papel dos governos nessa vitória que é a queda no desmatamento? No geral, municípios, estados e governo federal têm contribuído para isso?
MARCIA –
Cada um tem seu papel – Ministério do Meio Ambiente, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), secretarias estaduais e municipais do Meio Ambiente… É difícil analisar a atuação de um ou outro nos 17 estados e nos cerca de 3 mil municípios que têm Mata Atlântica. Existe um conjunto de esforços, existe uma prioridade em termos de proteção da biodiversidade brasileira, e a Mata Atlântica faz parte dessa estratégia de proteção da biodiversidade do país – é um dos biomas mais ricos em termos biodiversidade. Existem compromissos e existe a atuação de cada um desses órgãos, nas esferas municipal, estadual e federal. Cada um tem sua atuação de acordo com a sua agenda. Não dá para dizer que um tem sido melhor ou pior. Um exemplo positivo que eu posso dar é o de Minas Gerais, que durante cinco anos foi campeão de desmatamento da Mata Atlântica. Em 2013, o governador autorizou uma moratória impedindo a concessão de autorizações para desmatamento. Com isso, o estado reduziu suas taxas de desmatamento nos últimos dois anos e ainda deixou de ser campeão de desmatamento no último ano. Isso mostra que a atuação do poder público contribui para os esforços de preservação. Estamos enviando pedidos aos governos do Piauí e da Bahia para que eles também autorizem essas moratórias a fim de que reduzam os índices de desmatamento em seus estados, que estão entre os mais críticos no momento.