Entre os primeiros cinco conjuntos de imagens do Telescópio Espacial James Webb (JWST) divulgados em julho, havia um conjunto de fotografias notavelmente detalhadas da Nebulosa do Anel do Sul, uma impressionante nebulosa planetária a cerca de 2.500 anos-luz de distância, na direção da constelação de Vela.

A fonte dessa nuvem de gás em expansão, cujo diâmetro interno é quase 400 vezes o tamanho do nosso Sistema Solar, é uma estrela moribunda liberando gás e poeira ao longo de um período de dezenas de milhares de anos – e que pode ser afetada por até três estrelas companheiras próximas. A estrela tinha 530 milhões de anos quando morreu, uma fração da idade atual do nosso Sol, de 5 bilhões de anos.

Morte na juventude

“Essa foi uma estrela que viveu rápido e morreu jovem, em comparação com o nosso Sol de 5 bilhões de anos, que provavelmente não ejetará sua própria nebulosa planetária por mais 5 bilhões de anos”, disse a professora Orsola De Marco, do Centro de Pesquisa de Astronomia, Astrofísica e Astrofotônica da Universidade Macquarie (Austrália), principal autora do artigo sobre o tema publicado na revista Nature Astronomy. O trabalho – assinado por mais de 60 astrônomos de 21 países, entre eles os brasileiros Isabel Aleman e Hektor Monteiro, da Universidade Federal de Itajubá, Denise Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Claudia Mendes de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP) – sugere teorias e modelos fascinantes para explicar padrões intrigantes e estruturas complexas que as novas imagens revelam dentro da nuvem de gás.

“Para reconstruir a morte da estrela que gerou essa nuvem, a própria nebulosa planetária pode ser vista como uma cena de assassinato”, afirmou De Marco.

As nebulosas planetárias não têm nada a ver com planetas, observou ela. São tipicamente uma nuvem gigante de gás que envolve uma ou mais estrelas. “As nebulosas foram apelidadas de ‘nebulosas planetárias’ pelo astrônomo William Herschel nos anos 1780, porque suas formas arredondadas o lembravam de como os planetas pareciam através de um telescópio.”

Faixas em espiral revelam sistema multiestrelas

A estrela moribunda no meio da Nebulosa do Anel do Sul (cujo nome astronômico é NGC 3132) é hoje uma anã branca, mas em sua juventude tinha 2,9 vezes a massa do nosso Sol.

Segundo De Marco, a luz infravermelha da estrela quente iluminou um disco empoeirado e trilhas espirais, fornecendo fortes pistas sobre as estrelas que compõem essa nebulosa – e o papel que podem ter desempenhado na morte da estrela central.

“As imagens mostram trilhas espirais que parecem arcos quebrados no halo da nebulosa – o que nos diz que há uma estrela companheira orbitando nas proximidades, entre 40 e 60 vezes a distância Sol-Terra”, afirmou ela. “Uma ou até duas estrelas companheiras ainda mais próximas provavelmente são responsáveis ​​pela formação de um disco de poeira que foi detectado pela primeira vez pelo JWST, bem como por inúmeras protuberâncias que podemos ver nas paredes da cavidade nebular ionizada.”

As forças gravitacionais de duas ou três estrelas companheiras nesse sistema próximo provavelmente aceleraram o desaparecimento da agora moribunda anã branca – que por sua vez pode ter canibalizado uma ou duas de suas estrelas companheiras.

A estrela moribunda na fonte da nebulosa fica obviamente ao lado de uma estrela brilhante que também é uma companheira associada – mas De Marco chama essa estrela altamente óbvia de espectadora inocente, muito longe da cena do crime para ter participado da morte da estrela central.

Espectadora brilhante ajuda a rastrear decadência da estrela

A brilhante “espectadora inocente” serviu a um propósito útil: ela desempenhou um papel fundamental em ajudar os astrônomos a calcular a massa variável da anã branca ao longo de sua vida.

“O maior problema que temos na astronomia galáctica é descobrir a distância dos objetos astronômicos. Então, quando vemos uma estrela com um certo brilho aparente, perguntamos: ela está fraca e próxima? Ou é clara e distante?”, observou De Marco. “Essa estrela espectadora brilhante na nebulosa teve sua distância medida com precisão pelo observatório espacial Gaia e, como sabemos que ela reside dentro da nebulosa, agora sabemos a distância da própria nebulosa e de sua estrela originária.”

Com a distância conhecida, as imagens do JWST permitiram aos astrônomos calcular o valor mais preciso que já tivemos para a massa original de uma estrela que forma uma nebulosa planetária.

Nuvens espetaculares de gás e poeira

Nesse caso, a estrela fonte tinha originariamente 2,9 vezes o tamanho do nosso próprio Sol. Uma modelagem adicional indica que a massa da estrela como ela é hoje equivale a 0,6 vez a massa do nosso Sol.

Como presidente da Comissão da União Astronômica Internacional com foco em nebulosas planetárias, De Marco é uma das maiores autoridades mundiais nessas nebulosas.

As nebulosas são nuvens espetaculares de gás e poeira cósmicas que se formam como estrelas moribundas que originariamente tinham até 10 vezes a massa do nosso Sol, perdem suas camadas externas, tornam-se estrelas anãs brancas e depois desaparecem.

À medida que essas nuvens de gás se deslocam para o espaço interestelar, elas carregam consigo novos elementos criados dentro da estrela, como carbono e nitrogênio, que acabam formando novas estrelas e planetas.

“O estudo das nebulosas planetárias nos ajuda a entender a reciclagem cósmica de elementos químicos que resultam na evolução galáctica”, disse De Marco.

Corrida para decodificar as imagens

Em 12 de julho de 2022, a Nasa divulgou imagens da Nebulosa do Anel do Sul das câmeras de infravermelho próximo e infravermelho médio do James Webb, cada uma coletando diferentes (e muito mais fracos) comprimentos de onda de luz com resolução muito melhor do que outros telescópios espaciais.

Telefones, e-mails e painéis de mensagens de astronomia ferveram enquanto especialistas em nebulosas em todo o mundo conversavam entre si sobre o que poderia estar causando vários padrões, como espirais e saliências que aparecem dentro e perto da cavidade ionizada ao redor da estrela moribunda.

“A imagem do infravermelho médio mostrou a estrela moribunda – que é muito quente, com 130 mil graus Kelvin de temperatura – brilhando tanto quanto sua companheira, mas isso não fazia sentido porque o comprimento de onda do infravermelho médio mostra objetos frios”, disse ela. “Então pensamos: talvez seja porque a estrela quente moribunda está envolta em poeira – algo que é conhecido por acontecer ocasionalmente quando a estrela quente tem um disco empoeirado.”