13/11/2025 - 11:49
Em entrevista à DW, Sonia Guajajara destaca participação indígena na COP30, critica baderna e diz que povos originários são solução contra crise climática.Quando pisou pela primeira vez numa Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), Sonia Guajajara pouco entendia o que diplomatas de todo o mundo passavam duas semanas negociando. O ano era 2009, as expectativas de um acordo global iam por água abaixo em Copenhague , marcada na história como a COP do fracasso.
Mas o incômodo de Sonia tinha outro motivo: a ausência dos povos indígenas nesse tipo de fórum. Foi ali que a então ativista, recém-eleita entre os diretores da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), entendeu que precisava abrir esse espaço.
Em 2015, na COP21, após os líderes superarem o trauma de Copenhague e fecharem o Acordo de Paris, os indígenas estavam lá. “Naquele momento, éramos cerca de 300 do Brasil e do mundo. Conseguimos incluir no texto final o reconhecimento do conhecimento indígena como científico. Foi uma vitória muito importante”, conta Sonia em entrevista à DW.
A primeira a ocupar a posição máxima no Ministério dos Povos Indígenas (MPI), criado no terceiro mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Sonia está em casa na COP30 , em Belém. Ela diz que a cidade hospeda cerca de 5 mil indígenas vindos de todo o Brasil e de outros países para os dias de discussões diplomáticas e de eventos paralelos.
“Estamos com a maior e melhor participação indígena da história das COPs”, afirma a ministra sobre a edição da conferência que, para ela, será um marco da presença dos povos originários na agenda global do clima. “Maior, porque é a mais numerosa; e melhor, porque estamos presentes também nos lugares de negociação, influenciando decisões e acompanhando os debates técnicos”, argumenta.
Nascida no Maranhão e filha de pais analfabetos, a ministra estudou Letras e Enfermagem e é pós-graduada em Educação Especial. “Nada foi dado para a gente. Cada espaço ocupado, cada cargo estratégico, foi conquistado passo a passo, com toda a coletividade junta”, ressalta.
Participação sim, baderna não
A ministra recebeu a DW no ambiente reservado para os representantes máximos dos Estados presentes na COP. O controle da entrada ao local ficou mais rígido depois da invasão de pessoas não credenciadas à área oficial de negociações, a zona azul, na noite desta terça-feira. Guardas da ONU não queriam liberar a entrada da nossa equipe mesmo na companhia de representantes do ministério.
“A gente se manifesta sempre que precisa, mas acho que não podemos concordar com baderna, com quebra-quebra, com destruição de patrimônio público. Porque aqui nós estamos no espaço das Nações Unidas, tem suas regras próprias, não é regra do governo federal ou estadual”, critica a confusão do dia anterior.
Segundo a ministra, cerca de 400 indígenas têm acesso à zona azul. “Temos também outros convidados que completam esse número, além da presença de representantes indígenas de outros países. Somando tudo, são cerca de 800 indígenas participando da zona azul”, informa à DW, detalhando que os nomes foram indicados pelo próprio movimento de base em conjunto com o MPI ao longo de um ano de discussões preparatórias.
Os povos indígenas também ocupam com força o espaço paralelo conhecido como Aldeia COP, que hospeda cerca de 3.400 pessoas. “Garantir a participação significa também garantir o acolhimento. E é ali que as agendas da aldeia dialogam diretamente com os temas que estão sendo debatidos na zona azul”, detalha a ministra.
O antes e o depois
Sonia diz que a atuação nas negociações não se resume aos dias de conferência. Segundo ela, o que chega à COP “é o acúmulo dos debates, os temas tratados e os posicionamentos consolidados dentro dos ministérios e organizações indígenas” ao longo dos anos que antecederam a rodada de Belém.
“O importante não é uma participação agora que vai orientar decisões. O que chega na COP é o processo de participação. É o resultado de seminários, diálogos nos territórios e debates com o movimento indígena”, explica a ministra.
Ela destaca ainda que foram promovidos encontros e seminários que reuniram lideranças e ministérios para definir as prioridades brasileiras nas negociações climáticas. Um dos temas centrais discutidos foi o reconhecimento da demarcação das terras indígenas como uma política climática essencial.
“O presidente Lula já afirmou aqui, tanto na reunião de líderes quanto em seu discurso, que o Brasil reconhece a importância dos territórios indígenas e das comunidades tradicionais como medida de mitigação climática”, lembra.
A ministra ressaltou ainda o papel da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Aliança Global de Territórios Comunitários na construção do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), uma iniciativa desenvolvida em parceria com o Banco Mundial para garantir financiamento direto às comunidades que protegem as florestas. “Aqui [na COP] não é o momento de apresentar propostas para decisão, e sim de colher o que foi construído nesse processo coletivo”, afirma.
Dinheiro na mão
Sonia Guajajara participou ativamente da criação dessa ferramenta bastante elogiada até aqui nesta COP30. Estruturado pelo governo brasileiro , o TFFF vai garantir que 20% dos recursos arrecadados cheguem diretamente para os povos indígenas. “De tudo que é anunciado no âmbito da conferência, apenas 1% chega aos países, e desse 1%, só 1% chega aos territórios indígenas”, explica a ministra, mencionando que boa parte do dinheiro se perde nas estruturas intermediárias.
A ministra afirma que o novo mecanismo foi desenhado para evitar que os recursos fiquem reféns de decisões políticas ou mudanças de governo – como aconteceu com a paralisação do Fundo Amazônia durante a administração de Jair Bolsonaro. “Já vivemos isso no Brasil: governos que não apenas deixaram de repassar recursos, mas chegaram a atuar contra os povos indígenas e o meio ambiente”, lembra.
Ainda não se sabe como cada povo vai receber, administrar e prestar conta desse dinheiro. O desenho detalhado da governança ainda está em fase de elaboração.
A COP da verdade
Questionada sobre o legado que espera deixar após a COP em Belém, Sonia reforçou que o evento deve ser visto como parte de um processo contínuo, e não apenas como um encontro pontual.
Segundo a ministra, o governo brasileiro tem insistido na necessidade de transformar compromissos em ações concretas. “A ministra Marina Silva tem dito que esta deve ser a COP da implementação, e o presidente Lula fala que deve ser a COP da verdade. Isso significa que tudo o que foi acordado precisa, de fato, sair do papel”, declara.
O mundo presente em Belém tem ainda alguns dias para entender que a região abriga não apenas a maior floresta tropical do planeta, mas também uma enorme diversidade de povos, culturas e territórios que precisam ser protegidos, afirma a ministra. “Proteger a Amazônia significa proteger as pessoas que vivem nela. São essas pessoas que garantem a existência da floresta, da biodiversidade e do equilíbrio climático”, finaliza.
