Há meses que partido da ultradireita alemã tem estreitado contatos com movimento Maga e governo Trump, que agora vê com otimismo a “crescente influência de partidos patrióticos” na Europa.A publicação da nova estratégia de política externa e segurança nacional dos EUA, na sexta-feira passada (05/12), na qual o governo de Donald Trump alerta que a Europa enfrenta o risco de uma “extinção civilizacional” devido à imigração, levou água para o moinho do partido alemão de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD).

“A análise dos EUA é precisa”, saudou o porta-voz de política externa da AfD, Markus Frohnmaier. “A estratégia dos EUA coloca em primeiro plano os interesses nacionais. É exatamente isso que a Alemanha também necessita”, afirmou em comunicado no qual afirma que “os Estados Unidos estão falando abertamente sobre o que está acontecendo na Europa”.

Desde o início do segundo mandato de Trump, em janeiro, que a AfD vem mirando os Estados Unidos. Junto com a Rússia e o governo do premiê húngaro, Viktor Orbán, os EUA são uma prioridade na ofensiva da AfD para afinar suas posições na política externa e estreitar contatos com mandatários e partidos com quem o partido alemão de ultradireita compartilha ideias.

Viagens da AfD aos EUA

No caso dos EUA isso se traduziu numa enxurrada de visitas, sobretudo a Washington. Uma delas foi a da vice-líder da bancada da AfD no Bundestag, Beatrix von Storch, que, segundo ela mesma, reuniu-se com membros das equipes de Trump e do vice-presidente JD Vance, entre outros, em setembro passado.

Outra visita, a de um grupo de parlamentares da AfD no início de outubro, causou polêmica na Alemanha por causa de um vídeo. Nele, um tenor canta, numa recepção privada em Manhattan, o primeiro verso da canção nacionalista Das Lied der Deutschen (A canção dos alemães), composta em 1841 e que tem no início o verso Deutschland über alles auf der Welt (Alemanha acima de tudo no mundo).

O vídeo mostra o parlamentar da AfD Jan Wenzel Schmidt, que acabara de sair de uma reunião com um alto funcionário do Departamento de Estado dos EUA, cantando junto essa estrofe, que não é mais usada na Alemanha desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Resultados da ofensiva em Washington

A recepção privada em Manhattan foi organizada pelo Clube dos Jovens Republicanos de Nova York e é um exemplo dos esforços da AfD para estreitar contatos nos círculos políticos de Washington e se vender como um partido que estaria sendo, de forma antidemocrática, marginalizado em seu próprio país. “Não temos mais uma democracia”, enfatizou o parlamentar da AfD Kay Gottschalk em Manhattan. “Não se pode mais dizer o que se pensa” na Alemanha.

A ofensiva da AfD nos EUA tem dado resultados. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, chamou a classificação da AfD como uma organização “comprovadamente de extrema direita”, feita pelo serviço secreto interno da Alemanha em maio, de “tirania disfarçada”. Vance chamou a AfD de “o partido mais popular da Alemanha”.

Essa recente proximidade da AfD com o movimento trumpista Maga (Make America Great Again) e o Partido Republicano será novamente visível no próximo sábado, durante o baile anual do Clube dos Jovens Republicanos de Nova York. Ao lado de membros do Partido Republicano estará novamente uma delegação da AfD, incluindo o porta-voz de política externa Markus Frohnmaier. Segundo a revista Politico, ele será recebido como convidado de honra e homenageado no evento.

Ideias semelhantes

A aproximação reflete a convergência de ideias entre a AfD e o movimento trumpista Maga (Make America Great Again), particularmente em relação à imigração, às críticas contra a imprensa, o judiciário e o “establishment político” e à acusação de que sofrem repressão por parte de outras forças políticas. Trump, assim como a AfD, defende a “ruptura”.

Elon Musk, um aliado do Maga, fez campanha para a AfD antes da eleição nacional de fevereiro passado e declarou apoio a partidos da ultradireita em vários países europeus. Ele também foi criticado por um gesto que muitos observadores interpretaram como uma saudação nazista.

A AfD passou a ver no governo Trump um aliado depois da Conferência de Segurança de Munique, em fevereiro passado, quando Vance acusou os governos europeus de censurarem a liberdade de expressão e reprimirem rivais políticos.

Intromissão na política interna

A nova estratégia de segurança dos EUA reforça essas críticas: ela lamenta uma suposta perda de democracia e liberdade de expressão na Europa e pede uma mudança de rumo.

Trechos do documento ecoam claramente o discurso da AfD, por exemplo ao afirmar que, se as “tendências atuais continuarem, o continente estará irreconhecível em 20 anos ou menos”, dando como exemplo “atividades da UE e de outros organismos que minam a liberdade política e a soberania; políticas migratórias que estão transformando o continente e criando conflitos; censura da liberdade de expressão e supressão da oposição política; queda nas taxas de natalidade; e perda de identidades nacionais e de autoconfiança”.

Porém, a “crescente influência de partidos patrióticos europeus” dá “motivo para grande otimismo”, afirma o documento. É uma clara alusão à AfD e outros partidos de ultradireita da Europa.

O especialista em política externa Norbert Röttgen, do partido conservador alemão CDU, é taxativo: o governo Trump tem o claro objetivo de influenciar a política interna de países europeus e quer, “para isso, cooperar com os inimigos locais da democracia liberal na Europa – no caso da Alemanha, a AfD.”