01/11/2008 - 0:00
O estresse não é uma doença moderna e não há nada que possamos fazer para eliminá-lo. O estresse é inevitável. Mas podemos reduzi-lo e, me- Olhor ainda, transformá-lo numa oportunidade para mudar completamente as nossas vidas. Quem afirma é Pietro Trabucchi, professor de psicologia esportiva da Universidade de Verona (Itália), com a autoridade de quem já escalou a face norte do Everest para documentar suas teses e, hoje, é o responsável pela preparação psicológica da equipe italiana de esqui que vai disputar a Olimpíada de Inverno de Vancouver, em 2010.
Os fundamentos de sua tese remontam aos primórdios da história humana. A espécie sofre de estresse desde que começou a evoluir a partir de um frágil ramo de símios antropóides que aprenderam a andar em pé, liberando as mãos para fazer outras coisas que não simplesmente agarrar-se aos galhos das árvores. Com as mãos livres, puseram a cabeça para funcionar e o cérebro começou a crescer de uma forma espetacular. Bem, essa parte da história todo mundo conhece. O que poucos se dão conta é que o estresse começou aí também.
Macaquinhos de pernas finas e longas, éramos esquálidas criaturas diante de felinos e outros bichos, vorazes comedores de presas fáceis como nós. Estressados é dizer pouco: nossos ancestrais viviam em permanente estado de alarme, mas nem por isso desistiram de sair de cima das árvores e andar pelo chão. E conseguimos seguir adiante. O segredo? A resiliência psicológica.
O termo é utilizado na física para definir a propriedade que alguns corpos têm de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. Os psicólogos tomaram o termo emprestado para se referir à capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças. Traduzindo a expressão em termos de sabedoria popular: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.
Desenvolvida a duras penas em eras e mais eras de evolução, a resiliência psicológica é o que nos fez fortes o bastante para sobreviver ao estresse dos tempos das cavernas e enfrentar com sobras o dos tempos modernos. “É um dom que todos temos dentro de nós, um arsenal de recursos que herdamos do passado para resistir aos impactos da vida”, explica Trabucchi. Cada impacto causa um estresse, um esforço do nosso organismo no sentido contrário, para absorvê-lo. Mas o esforço exigido nunca é maior do que nossas próprias forças. Fomos feitos para resistir. Ainda que pareça demais, somos capazes de resistir. A evolução nos fez assim. Não se render nunca, lutar sempre – este é o significado humano de resiliência.
A RESILIÊNCIA psicológica pode ser moldada e aperfeiçoada. Ela é comum a toda a espécie humana, mas é plástica, pessoal, subjetiva. “O estresse não vem dos fatos da vida, mas do modo como os interpretamos”, diz o professor Trabucchi. O mesmo evento pode ser visto e sentido de formas diferentes por diferentes pessoas, conforme a resiliência pessoal de cada um. Isto é, conforme cada um trabalhou o “dom” legado pela evolução.
O estresse – que compete com a depressão na conquista do troféu “mal do século” –, quem diria, depende de como cada um trabalha suas próprias forças. Para uns, tudo é muito fácil de superar. Para outros, o impacto dos obstáculos e das dificuldades é quase insuportável. O trabalho repetitivo, por exemplo, é o mesmo para todos, mas nem todos suportam fazer a mesma coisa anos a fio. Enquanto para uns o estresse desse tipo de trabalho é enorme, para outros é zero ou quase zero. E, assim como podemos moldar nossa resiliência, temos também a capacidade de gerir tudo o que provoca desgaste e estresse. Esses males têm cura, e ela está dentro de nós.
Trabucchi afirma: “A pessoa resiliente é otimista, tem sempre a tendência de ler os fatos negativos como limitados no tempo e circunscritos a determinada situação. Pensa ter sempre uma ampla margem de controle sobre sua vida. Está sempre lutando por seus objetivos. Vê a mudança mais como oportunidade do que como ameaça. E, sobretudo, diante da derrota ou da frustração, nunca perde a esperança.”
Uma nota ruim numa prova pode ser interpretada de duas maneiras pelo aluno: ou ele julga que não está à altura da matéria, ou que não estudou o bastante. No primeiro caso, a resignação mitiga ou reduz de alguma forma o estresse. No segundo, a luta supera o estresse. Para não se sentir um derrotado, o aluno coloca a culpa num fator externo: o professor “foi duro demais”, “a matéria é detestável”. Quando se põe a culpa em algo externo, não se combate, não se assume a responsabilidade pelo negativo. No entanto, ao assumirmos a responsabilidade, a atitude é outra: estudar mais da próxima vez. É a atitude do combatente.
NÃO É FÁCIL mudar os hábitos de pensar e agir, pois a educação recebida e o tipo de cultura em que a pessoa cresceu têm seu peso, lembra o professor. “Uma pesquisa sobre a percepção da dor em crianças anglo-saxônicas e latinas mostrou que as primeiras são mais resistentes à dor, porque na cultura delas o choro não é premiado com o colo, como em geral acontece com as crianças latinas. Elas vivem numa sociedade onde a resistência é maior, seja a uma dor de cabeça ou à frustração causada por um insucesso”, diz ele.
Incrementar a resiliência às experiências estressantes da vida moderna é fundamental para a boa saúde. Sabese hoje, sem sombra de dúvida, que o primeiro a sofrer com situações de estresse e tensão nervosa é nosso sistema imunológico. Por motivos que os cientistas hoje buscam descobrir em profundidade, em nossos organismos a produção de anticorpos e de hormônios protetores começa a baixar rápida e assustadoramente sempre que perdemos nosso equilíbrio e harmonia internos. De outro lado, sabe-se também que nosso sistema imunológico atua melhor quando maior é a sensação de controle em situações que antes eram temidas. Essa sensação favorece o aumento de células T, que têm a missão de produzir anticorpos. Assim, estados mentais e psicoemocionais positivos tornam as pessoas mais resistentes a doenças.
Na vida diária, diante de uma ameaça, nosso organismo reage sempre com o mesmo mecanismo instintivo e primitivo: luta ou foge. “O mecanismo hormonal continua funcionando, mesmo quando não é mais utilizado na luta pela sobrevivência”, observa o psicólogo. “Se não se aprende a mudar o tipo de resposta, a inibição prolongada desse mecanismo fará a pessoa adoecer.” Para evitar doenças, é necessário estar sempre motivado a fazer coisas, correr riscos, exercitar o controle de situações adversas. “A reação fisiológica aos eventos está estreitamente ligada à avaliação que se faz deles. É preciso aprender a considerar que os elementos perturbadores são normais e necessários”, afirma.
Qual é o pior estresse? O do trabalho. Sua principal causa é a insegurança, seguida do desconforto, da monotonia e da falta de coleguismo. Nos Estados Unidos, o estresse no trabalho custa US$ 300 bilhões por ano em consultas médicas e tratamento. A falta de controle em relação ao que vai acontecer é o que mais pesa. Quanto menor o controle, maior o estresse; quanto maior o poder, menor o estresse. O poder, não necessariamente o hierárquico, faz bem à saúde.
Poder é ter o controle da situação, o que limita os danos do estresse. “Um executivo que dorme pouco na véspera de uma reunião importante está tendo uma reação normal a um motivo de tensão. Mas se tem insônia todas as noites, alguma coisa não vai bem. É como no esporte, em que o líder pode suportar cargas enormes de estresse, mas tem o apoio dos dirigentes, da família, dos amigos. Sem isso, sua resistência cairá drasticamente”, diz Trabucchi.
MUDAR O MODO de ver e avaliar os fatos afeta a bioquímica do cérebro. Os neurotransmissores influenciam o estado de ânimo e as emoções. Ver e avaliar as coisas com menos ansiedade reduz o estresse. Esse efeito também se consegue com uma dieta rica em carboidratos, como pães, massas, arroz e mel, que aumentam a quantidade de triptofano (um dos aminoácidos codificados pelo código genético; substância responsável pela promoção da sensação do bem-estar) no organismo. Essa substância, precursora da serotonina, a molécula do bom humor, reduz o nível de ansiedade nos processos mentais e melhora a capacidade cognitiva das pessoas sob estresse. Elas podem, então, modificar com mais facilidade sua maneira de ver as coisas.
Mas, cuidado. O excesso de açúcar no sangue inibe as funções mentais. E cria uma espécie de dependência psicológica: a pessoa come cada vez mais doces e carboidratos porque eles desencadeiam a liberação de beta-endorfina, substância que bloqueia a dor, e serotonina, que produz prazer. A sensação de energia e euforia dura pouco e requer doses adicionais de açúcar, criando-se um círculo vicioso que derruba a resistência ao estresse.
“Mudar o modo de ver e avaliar as coisas que nos acontecem é o suficiente. Pode não ser fácil, mas seu efeito é o mesmo em termos de concentração de serotonina e beta-endorfina no organismo. É esse tipo de açúcar que vai nos tornar mais resistentes ao estresse – o açúcar do conhecimento”, conclui o professor de Verona.