08/09/2025 - 9:49
Preços cobrados para quartos têm aumentado constantemente nos últimos anos, impactando diretamente no orçamento de universitários.A estudante Edlanea Ferreira escolheu Porto, em Portugal, para fazer seu mestrado em Ciências Gastronômicas na Universidade de Porto há três anos. Na época, optou pela cidade por ser mais barata que a capital e pela facilidade da língua.
O cenário, porém, mudou. Se antes considerava o país acessível, nos últimos dois anos, ela percebeu o aumento das despesas, sobretudo com moradia. “Quando cheguei, consegui um quarto por 290 euros por mês. Hoje não se encontra por menos de 400. O aumento foi bem grande”, relata.
Esse é um desafio enfrentado por muitos estudantes brasileiros. Segundo dados do Inquérito ao Registo de Alunos Inscritos e Diplomados do Ensino Superior (Raides), da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), 18.771 brasileiros estão matriculados em universidades portuguesas, dos quais 11.074 residem no país.
Assim como Ferreira, Ayla Amaral percebeu o aumento expressivo dos preços dos quartos em Portugal. Com a ajuda de uma vaquinha, ela desembarcou em Coimbra em outubro de 2024 para cursar um mestrado em Alimentação, e viu uma mudança significativa no valor dos aluguéis. Quando chegou, pagava 250 euros por mês em um quarto e ainda dividia casa com mais quatro pessoas.
Atualmente, segundo ela, não há mais quartos por menos de 300 ou 350 euros. Depois de muito procurar e conseguir um emprego em sua universidade, ela optou por morar em um microapartamento, onde paga 400 euros por mês de aluguel. “Optei por não precisar dividir, mas isso compromete bastante a minha renda”, diz.
Aumento constante nos últimos anos
De acordo com o último relatório do Observatório do Alojamento Estudantil – plataforma que promove a transparência no mercado de aluguéis para estudantes universitários – , publicado no início do mês de julho, o preço médio do aluguel por um quarto em Portugal é 415 euros por mês (aproximadamente R$ 2.633). O valor é 5,5% maior em relação ao cobrado nos últimos 12 meses.
Em julho de 2024, o valor médio do aluguel de um quarto era de 397 euros mensais. Já no mesmo mês de 2022, ele ficava em 275 euros.
“O preço do alojamento para todo mundo, em particular para os estudantes do ensino superior, de fato aumentou. O preço médio de um aluguel está 500 euros, ou seja, mais da metade de um salário mínimo nacional”, destaca Pedro Neto Monteiro, presidente da Federação Acadêmica de Lisboa (FAL). Atualmente o salário mínimo no país é de 870 euros.
Na capital, o preço médio do aluguel de um quarto é de 500 euros, mas em alguns bairros pode chegar a até 714 euros por mês, segundo o Observatório do Alojamento Estudantil. Em Porto, os quartos custam em torno de 400 euros, em Braga, 323 euros, e em Coimbra, a média é de 280 euros.
Alojamento caro x poder de compra
O estudante Kaio Jesus, de 24 anos, escolheu a cidade de Coimbra para estudar enfermagem três anos atrás. Desde que chegou, notou um aumento expressivo no custo de vida, principalmente em relação à habitação.
À época foi selecionado para morar em uma residência estudantil, onde atualmente ele paga 100 euros por mês em um quarto duplo – quando chegou o valor era de 67 euros. “Acompanho a subida dos preços e hoje morar fora da residência da universidade já se tornou inviável”, ressalta. Segundo ele, essa diferença no valor da acomodação, mesmo que pequena, pesa no orçamento. Como não consegue trabalhar, devido ao curso ter horários variados, ele conta que qualquer valor faz diferença.
Mesmo tendo dormitório na universidade, ele ressalta que seu custo mensal ainda é alto, já que paga uma mensalidade de 550 euros, além de outras despesas. “Tenho ajuda dos meus pais e trabalho no final de semana como massagista em um centro de futebol para complementar a renda”, diz.
Ele ressalta ainda que, para alunos estrangeiros que vêm da França, Irlanda, Alemanha e tem mais poder aquisitivo, não é um problema pagar caro por um quarto. “Hoje em dia Coimbra se tornou muito multicultural. A cada dez estudantes têm pelo menos dois estudantes internacionais europeus”, diz.
O professor Pedro Simão, administrador dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa, explica que o aumento nos preços dos quartos está ligado à baixa oferta de imóveis. Segundo ele, Portugal virou um destino muito procurado. “São cidades com crescente demanda turística e de trabalhadores migrantes, o que encarece a habitação”, pontua.
Esse cenário impacta diretamente a estadia dos estudantes nas universidades do país. “Claro que para famílias em condições socioeconômicas mais vulneráveis, torna-se muito difícil, em algumas ocasiões impossível, suportar a frequência dos seus filhos no ensino superior”, reforça Monteiro.
Estudantes locais x estrangeiros
Esse aumento dos custos é sentido de perto por Lisandra Gonzaga, 30 anos, que chegou ao Porto há duas semanas para cursar mestrado em Ciências Gastronômicas. A estudante precisou adiar os planos de ir para Portugal devido à alta nos preços. “Eu comecei a pesquisar em 2020 e, desde essa época para cá, as coisas inflacionaram muito”, conta.
Para conseguir juntar o valor necessário, foi para a França trabalhar como babá e só agora conseguiu iniciar os estudos. Ainda sem um quarto permanente, alugou um espaço temporário. “O valor que estou pagando está na média [450 euros], mas gostaria de encontrar um espaço uns 100 euros mais barato pelo menos”, afirma.
Além da moradia, ela destaca as diferenças de custos entre alunos locais e estrangeiros, que tornam a permanência ainda mais cara. No seu curso, por exemplo, estudantes portugueses ou da União Europeia pagam 2.500 euros por ano, enquanto alunos internacionais desembolsam 4.550 euros. Para alunos de países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a taxa é de 3.835 euros. “O estudante internacional aqui tem uma vivência diferente justamente por existir um valor diferenciado entre o local e o estrangeiro. O custo mais alto pesa bastante”, explica.
Segundo Higor Cerqueira, criador do Centro de Formação Prepara Portugal, comunicador e especialista em educação internacional, a diferença no valor das mensalidades entre estudantes portugueses e estrangeiros está diretamente ligada à forma de ingresso à universidade.
Os portugueses fazem o Exame Nacional Português e, a partir da nota obtida, concorrem a vagas em universidades públicas, onde o governo define um teto anual de 697 euros para cursos de licenciatura e mestrados integrados. Brasileiros com dupla nacionalidade ou que obtenham o Estatuto de Igualdade de Direitos também podem usufruir desse valor, desde que ingressem por esse processo seletivo.
Já os estrangeiros que entram pelo chamado estatuto de estudante internacional ocupam vagas específicas, o que permite às universidades cobrar anuidades mais altas, calculadas de acordo com os custos do curso.