16/05/2025 - 16:33
Pesquisa rastreou migração humana pré-histórica da Ásia para América do Norte e do Sul. Descobertas fornecem nova compreensão genética e cultural dos atuais povos indígenas.Os primeiros povos que chegaram às Américas podem ter migrado da região onde hoje fica a Rússia de 20 mil a 30 mil anos atrás, segundo um estudo genético publicado em 15 de maio na revista Science. A descoberta lança nova luz sobre a ancestralidade dos povos indígenas sul-americanos e os caminhos de sua expansão pelo continente.
“Durante o final do Pleistoceno, os humanos se expandiram pela Eurásia e eventualmente migraram para as Américas”, afirma a pesquisa. “Aqueles que chegaram à Patagônia, no extremo sul da América do Sul, completaram a migração mais longa saída da África.”
O estudo, liderado pela pesquisadora Elena Gusareva, sequenciou os genomas de 1.537 indivíduos de 139 grupos étnicos no norte da Eurásia e nas Américas. A análise permitiu traçar rotas migratórias humanas ao longo de milhares de anos.
“[Ele preenche] lacunas importantes em nossa compreensão de como as diversas populações da atual América do Sul surgiram”, disse Gusareva, que trabalha na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura.
Gusareva afirmou que os participantes do estudo estavam “profundamente motivados” a desvendar a história de seu povo, revelando a importância do conhecimento ancestral para a identidade das pessoas.
Raízes eurasiáticas nos povos indígenas americanos
Ao comparar os conjuntos de dados genéticos, os pesquisadores afirmaram ter conseguido encontrar os parentes mais próximos dos indígenas norte-americanos nos grupos da Beríngia Ocidental – uma ponte de gelo entre a região da Rússia moderna e a América do Norte durante a última era glacial. Grupos da Beríngia como os koryaks e inuit, por exemplo, apresentam, respectivamente, cerca de 5% e 28% da ancestralidade nativa americana.
“Nossa análise genética de grupos indígenas é crucial porque seus genomas trazem insights únicos sobre a história humana mais antiga da região”, disse o colega de Gusareva, Hie Lim Kim, geneticista da Universidade Tecnológica de Nanyang.
A análise da pesquisa parece corroborar evidências arqueológicas existentes, mostrando que os primeiros povos nas Américas divergiram dos eurasianos do norte entre 19.300 e 26.800 anos atrás.
“As datas são consistentes com um grande conjunto de evidências arqueológicas”, disse Francisco Javier Aceituno, arqueólogo da Universidade de Antioquia, Colômbia, que não esteve envolvido no novo estudo.
Formação dos grupos indígenas da América do Sul
Após a chegada desses primeiros migrantes à América do Sul pelo estreito do Panamá, o estudo afirma que eles se dividiram em quatro grupos distintos – amazônicos, andinos, chaco-ameríndios e patagônios – e cada um deles se isolou em diferentes ambientes.
Em entrevista à DW, Aceituno explicou que esses grupos provavelmente se dividiram na região “para ocupar novos territórios, gerar novos grupos familiares e evitar o isolamento”.
Além disso, ao longo de 13.900 anos, a pesquisa revela que barreiras geográficas dentro do continente, como a Floresta Amazônica e a Cordilheira dos Andes, ajudaram a isolar ainda mais os grupos indígenas, reduzindo a diversidade genética.
“Isto fez com que sua composição genética fosse mais uniforme, semelhante ao que é visto em populações insulares”, explica Gusareva.
Mutações genéticas e impactos na saúde dos sul-americanos
O estudo também revelou que o isolamento e a adaptação a ambientes extremos moldaram características genéticas específicas entre os indígenas sul-americanos.
Por exemplo, um grupo de montanheses andinos carrega uma mutação genética que os ajuda a se adaptar a baixos níveis de oxigênio. Mutações no gene EPAS1 estimulam a formação de novos vasos sanguíneos e produzem mais glóbulos vermelhos.
“À medida que as pessoas se adaptaram a ambientes diversos e muitas vezes extremos, como grandes altitudes ou climas frios, seus genomas evoluíram de acordo”, disse Kim.
Já no Brasil, estudos anteriores descobriram que variações genéticas entre os grupos indígenas podem fazer com que eles respondam de forma diferente a medicamentos para coágulos sanguíneos ou colesterol alto.
Além disso, a nova pesquisa descobriu que o isolamento populacional devido a fronteiras geográficas e à redução de sua diversidade genética também afetaram particularmente os genes imunológicos, como os genes do antígeno leucocitário humano (HLA).
Nos últimos 10 mil anos, todas as quatro linhagens nativas sul-americanas sofreram declínios populacionais que variaram de 38% a 80%. Amazônicos e especialmente patagônios viram uma diminuição drástica no tamanho da população no período, com declínios de 66,59%.
“Embora os grupos indígenas tenham conseguido manter suas populações por mais de 13 milênios com interação mínima com outros grupos, sua sobrevivência enfrentou um desafio crítico com a chegada dos primeiros colonizadores no século 17”, completa o estudo.
A pesquisadora citou um “caso urgente” envolvendo o povo kawesqar, da Patagônia, cuja população e patrimônio cultural de 6 mil anos correm risco de desaparecer: “Este registro genético é uma das últimas chances de preservar seu legado”.
Kim disse que o estudo revelou mais de 70 variações genéticas que podem aumentar a vulnerabilidade das pessoas a doenças infecciosas emergentes: “Muitas dessas populações já são pequenas. É fundamental fornecer cuidados de saúde personalizados e esforços de prevenção de doenças para apoiar seu bem-estar.”