Pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) analisaram fósseis de toxodonte (Toxodon platensis) encontrados em cavernas no Vale do Ribeira, em São Paulo, e apontaram indícios de interação entre seres humanos e os animais extintos. O estudo feito a partir das observações foi publicado na “Revista Brasileira de Paleontologia”.

No artigo, foram analisados fósseis de dentes e de um osso que ligava a mandíbula ao crânio dos animais. Os restos de Toxodon platensis observados no estudo foram encontrados nas cavernas Abismo Ponta de Flecha, Abismo do Fóssil e Abismo do Juvenal, em expedições realizadas ao longo do século passado e no início deste.

O toxodonte era um mamífero endêmico da América que tinha um tamanho similar ao de um rinoceronte. O animal era herbívoro e seus dentes poderiam ter 20 centímetros. A espécie foi extinta há cerca de 11 mil anos em decorrência de mudanças climáticas que ocorreram na época do Pleistoceno, compreendida entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos atrás.

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Os fósseis encontrados no Vale do Ribeira eram mantidos no Instituto de Geociências da USP e no Museu de Zoologia da universidade, sendo necessário que fossem emprestados ao LEEH (Laboratório dos Estudos Evolutivos Humanos) para que o estudo fosse realizado.

A equipe de pesquisa que analisou os fósseis era composta por Paulo Ricardo de Oliveira Costa, na época aluno de iniciação científica do IB (Instituto de Biociências) da USP, e os orientadores Maria Mercedes Okumura, docente do LEEH, e Artur Chahud, pesquisador colaborador do LEEH.

Interação com humanos e paleopatologia

Durante a análise, os pesquisadores conseguiram determinar o primeiro registro de interação entre humanos e Toxodon platensis a partir de marcas na base de dois dentes de um exemplar que indicavam uma tentativa de extração das estruturas.

“Existiu a manipulação da parte dentária desse animal após a sua morte”, comenta Maria Mercedes Okumura. A pesquisadora ressalta que as marcas não poderiam ter sido feitas durante a extração do fóssil da caverna onde foi encontrado, e de fato são resultado da interação com humanos pré-históricos.

“Não sabemos como ele [Toxodonte] morreu, não necessariamente foi caçado, mas alguém tentou extrair esse dente”, explica Mercedes.

Além das marcas feitas por humanos, os dentes do exemplar também apresentam irregularidades que indicam sinais de uma doença conhecida como hipoplasia de esmalte, uma condição em que o esmalte, a camada mais externa dos dentes, não se desenvolve adequadamente.

De acordo com Paulo Costa, atualmente mestrando da UFABC (Universidade Federal do ABC), a alteração no esmalte deste exemplar é resultado de uma infecção ou má nutrição sofrida pelo animal durante o período de desenvolvimento.

“Quando analisei o dente e identifiquei essas irregularidades, isso foi um alerta”, aponta Costa, acrescentando que a presença da hipoplasia de esmalte “consegue inferir o momento que aquele animal estava vivendo” e ajuda a entender questões da própria biologia da espécie.

Apesar da doença, o espécime conseguiu chegar à idade adulta e outros indivíduos da mesma idade analisados no estudo não apresentavam a condição.

Importância do Vale do Ribeira

A pesquisa também constatou pela primeira vez a presença de Mixotoxodon larensis em uma região tão ao sul do continente como o Vale do Ribeira. Para Mercedes, a área parece “especial”. “Quando a gente olha com atenção pro registro paleontológico do lugar, a gente consegue ter boas surpresas, descrever ocorrências mais ao norte ou mais ao sul de determinadas espécies”, afirma a docente do LEEH da USP.

Segundo Costa, os Mixotoxodon larensis Toxodon platensis viviam em áreas de pasto, sendo que, atualmente, o Vale do Ribeira é uma região de mata fechada. O pesquisador explica que a presença dos animais no local pode indicar que há milhares de anos ocorria um momento de transição na vegetação com a diminuição de pastos e expansão das florestas.

Mercedes ressalta que a importância da análise dos fósseis vai além do entendimento de como era a distribuição dos animais, modo de vida e se eram presas ou predadores. “Quando se estuda essas espécies extintas, nos dá uma boa ideia de que a mudança climática é muito importante e pode causar a extinção de grandes grupos como o Toxodon”, explica.

**Estagiário sob supervisão