País é citado por fundação alemã entre exemplos globais de Estados onde perigo de erosão da democracia foi afastado por eleições. Levantamento aponta alta no número de autocracias no mundo nos últimos anos.Os números são preocupantes: de acordo com um novo estudo, a qualidade da democracia se deteriorou nos últimos 20 anos em 137 países que podem ser classificados como economias emergentes ou em desenvolvimento.

Segundo o Índice de Transformação Bertelsmann (BTI) 2024, que avalia a consolidação da democracia e da economia de mercado em países em desenvolvimento, existem atualmente 63 democracias em comparação com 74 autocracias – em outras palavras, países que tendem a não ter eleições livres ou um Estado constitucional em funcionamento. A tendência nos últimos anos foi de piora: no último BTI, de 2022, 67 países eram considerados democracias e 70, autocracias.

De acordo com o levantamento, publicado há 10 anos e a cada dois anos pela Fundação Bertelsmann, sediada na Alemanha, somente nos últimos dois anos, caracterizados por uma nova situação geopolítica, a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e a pandemia de covid-19, as eleições em 25 países foram menos livres e justas do que anteriormente. E em 39 países, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa foram cada vez mais restritas.

“A pandemia foi uma oportunidade para restringir ainda mais os direitos e concentrar o poder ainda mais fortemente nos governos. Mas, fundamentalmente, a pandemia não criou nenhum problema que já não existisse”, diz à DW Sabine Donner, uma das autoras do estudo.

De acordo com a Fundação Bertelsmann, o estudo é o maior e mais abrangente de seu tipo. Ele se baseia em 5 mil páginas de relatórios compilados pela fundação com a ajuda de 300 especialistas, universidades e instituições de pesquisa em cerca de 120 países. O levantamento analisa a situação da democracia, do desenvolvimento econômico e da ação governamental. Todas as três categorias estão atualmente no nível mais baixo de todos os tempos.

“Democracias estão mais conscientes”

Mas Sabine Donner observa que, apesar disso, há uma consciência crescente nas democracias estabelecidas de que o mundo está se tornando cada vez menos livre. “Nos últimos dois a quatro anos, as pessoas e os governos, os Estados democráticos, incluindo nós aqui na Alemanha, se tornaram mais conscientes de que há desafios autoritários. Eles estão muito mais autoconfiantes do que estavam há dez anos. Mas acho que também permitimos que isso acontecesse.”

Os governantes autoritários costumam justificar suas ações alegando que as democracias são muito lentas, não são suficientemente flexíveis e não conseguem mais acompanhar a concorrência global. O estudo contraria essa afirmação.

Levando em consideração o gerenciamento de crise como durante a pandemia, os regimes mal organizados e corruptos, como o Camboja, a Venezuela e o Zimbábue, obtiveram a pior pontuação. Os 45 países com a menor eficácia estão todos entre os regimes não democráticos.

De acordo com Sabine Donner, o comportamento da China durante a pandemia é um dos exemplos de como as autocracias não agem com mais prudência do que as democracias em tempos de crise. “Vimos isso durante a pandemia, quando ficou claro que os lockdowns rigorosos não estavam funcionando e que houve grandes protestos, apesar de toda a repressão. Há dificuldade não apenas em reconhecer quando as coisas estão dando errado, mas também é mais difícil corrigi-las. As autocracias também podem ficar sob pressão porque a população não está satisfeita com os resultados.”

Tendência autoritária pode ser invertida, como no Brasil

A chave para um desenvolvimento menos autocrático continua sendo o compromisso civil das pessoas que se engajam a favor de eleições livres, liberdade de imprensa e separação de poderes. Se houver uma pressão contínua nesse sentido, a defesa contra as tendências autocráticas poderá ser bem-sucedida.

O estudo cita o Brasil como um dos exemplos globais em que tendências autocratas foram vencidas pela força das urnas. “Há razões para se ter esperança, uma vez que é possível inverter a tendência. É o que demonstram atualmente os exemplos dos países em transição, Brasil e Polônia, onde a população votou contra as forças autoritárias”, afirma a Fundação Bertelsmann no comunicado que acompanha do lançamento do estudo.

Mesmo assim, o Brasil, que até poucos anos atrás era considerado pelo estudo uma “democracia estável” continua sendo classificado no BTI 2024, como ocorreu na edição de 2022, entre as “democracias defeituosas”, observando que, no período analisado, “a tendência negativa de governança esteve associada” ao populista Jair Bolsonaro.

“No Brasil, Lula está enfrentando a bagunça deixada pela era Bolsonaro. Até que ponto ele pode se desvencilhar dessa dinâmica ‘amigo-inimigo’ e oferecer soluções transversais confiáveis será fundamental para despolarizar o Brasil”, afirma a Bertelsmann, se referindo à polarização política que ainda existe no país.

Órgãos de controle e eleições livres

“Para combater a erosão da democracia, são necessários órgãos de controle, como o Judiciário, o Parlamento e a imprensa. Eleições livres, embora muitas vezes apenas parcialmente justas, também deram início a um ponto de inflexão em alguns países do leste da Europa Central e do Sudeste Europeu, como a República da Moldávia, a Macedônia do Norte, a Polônia, a Eslovênia e a República Tcheca, ou na América Latina, como o Brasil, a Guatemala e Honduras”, continua o texto.

“Tendências autoritárias podem ser interrompidas nas urnas”, diz Hauke Hartmann, especialista da Fundação Bertelsmann. “Isso requer a mobilização da sociedade civil antes das eleições e um retorno ao Estado de direito após as eleições.”

Já as influências culturais ou religiosas desempenham um papel menor. Em outras palavras, será que os países muçulmanos, como os da região do Golfo, conseguem reverter tendências autocráticas? “Não vejo por que isso não funcionaria. Tomemos como exemplo Taiwan ou a Coreia do Sul, que foram governados de forma autocrática por um longo período e inicialmente foram modernizados economicamente. E agora são democracias muito estáveis e bem-sucedidas. Não há nenhum automatismo que impeça isso”, diz Sabine Donner à DW.

Bons exemplos: Coreia do Sul, Costa Rica, Chile, Uruguai

Portanto, a conclusão do estudo é que todos os países ainda se saem melhor com a democracia e o Estado de direito. O comunicado de imprensa que acompanha a publicação do Índice de Transformação 2024 afirma o seguinte sobre países como Coreia do Sul, Costa Rica, Chile, Uruguai e Taiwan: “Ancorados no Estado de direito e estrategicamente alinhados, sua governança não apenas garante bons resultados em educação e saúde e na melhoria dos padrões de vida, mas também no fortalecimento da democracia.”

E, de acordo com o estudo, onde a democracia já está funcionando, os governos precisam buscar o consenso dos setores mais amplos possíveis da população mais do que nos anos anteriores. Mesmo que isso esteja se tornando cada vez mais difícil em um clima cada vez mais polarizado.