É possível explicar espiritualidade com ciência? Parte da resposta aparece em um estudo que em poucas semanas se tornou o mais lido do “Brazilian Journal of Psichiatry”, uma revista científica na qual os artigos são revisados por pares acadêmicos.

“O nosso intuito não era comprovar que existem espíritos. O nosso estudo era para ver se as pessoas que se declaram médiuns têm alguma característica genética que possa contribuir para isso”, afirma Wagner Gattaz, diretor do Laboratório de Neurociências do IPq-USP.

Para investigar essa hipótese, os pesquisadores reuniram um grupo de 54 médiuns, 53 parentes de primeiro grau sem dons mediúnicos e outros 12 médiuns sem parentes, que serviram como amostra de validação. A maioria deles era adepta da umbanda ou do espiritismo kardecista.

“Por que parentes de primeiro grau? Porque a genética é muito parecida, o ambiente cultural, social é muito parecido, né? A gente queria realmente o máximo de similitude com a diferença de um ser médium e o outro não”, diz Alexander Moreira-Almeida, diretor do NUPES-UFJF.

Após comparar o genoma dos voluntários, os pesquisadores descobriram um grande número de genes alterados que existia apenas nos médiuns – incluindo 33 que só constavam em um terço deles. E essa diferença se deu mesmo entre irmãos que dividiram a mesma barriga durante uma gestação inteira.

“No nosso estudo, nós tivemos três irmãos, ‘triplets’. Dois eram gêmeos [univitelinos]. Os dois tinham mediunidade e o terceiro não tinha mediunidade. E nesses dois nós encontramos também essa constelação de genes desses 33 que não estava presente no terceiro irmão”, frisa Wagner Gattaz.

Aliás, um dos genes que estava alterado em 90% dos médiuns e zero familiares é muito expressado justamente na glândula pineal, considerada por muitos espiritualistas e filósofos como a conexão entre o mundo físico e o espiritual.

“A maioria dos genes tem uma função ligada ao sistema imunológico ou à parte cutânea, de muco, ou seja, genes ligados ao nosso contato com o ambiente, com o mundo externo. E os médiuns referem estarem também no outro tipo de percepção desse mundo externo”, conta Alexander Moreira-Almeida.

Fruto de uma parceria entre a USP e as universidades federais de Juiz de Fora e do Rio Grande do Sul, esse artigo é o primeiro a estudar o componente genético da mediunidade. Mas não é o primeiro a usar o método científico para investigar fenômenos espirituais.

Para você ter uma ideia, já teve estudo avaliando a saúde mental de médiuns, quais áreas do cérebro são ativadas durante um transe mediúnico e até a veracidade de cartas psicografadas por Chico Xavier. Isso só para citar alguns exemplos.

“As principais universidades no mundo hoje, Harvard, Cambridge, Oxford têm centros de pesquisas de ciência e religião. Então, hoje em dia, é um assunto que faz parte da exploração científica rigorosa de alto nível. Quando a gente apresentava em congressos, às vezes se criticava o congresso por ter autorizado a apresentar um tipo de trabalho nessa área. Os próprios pareceristas de revistas tinham, às vezes, atitude muito mais hostil em relação a isso. Nos congressos, quando falávamos, às vezes o público levantava questões muito hostis”, explica Alexander Moreira-Almeida.

“A mediunidade sempre foi tida por algumas pessoas, alguns cientistas, com muito ceticismo. Ou então foi sempre declarado como doença mental. Ela não é doença mental. E ceticismo não é uma atitude do cientista”, cita Wagner Gattaz.

Aliás, se você acha que é preciso ser ateu para ser cientista ou religioso para se interessar por religião, é melhor pensar de novo.

“No nosso grupo, mesmo, aqui no NUPES, nós temos pessoas de todas as vertentes. Nós temos católico carismático, católico de libertação, evangélico pentecostal, evangélico mais tradicional, temos umbandistas, temos agnósticos, nós temos espiritualistas, espíritas, nós temos judeus, nós temos pessoas das mais diversas vertentes. E é assim também nos investigadores do Brasil e do mundo”, finaliza Alexander Moreira-Almeida.