O chá de ayahuasca é tão potente que os praticantes relatam não apenas alucinações poderosas, mas também experiências de quase morte, contato com seres de dimensões superiores e viagens que transformam a vida através de realidades alternativas.

Agora, os cientistas obtiveram suas próprias percepções profundas monitorando os efeitos no cérebro da dimetiltriptamina (DMT), o composto psicodélico encontrado na Psychotria viridis, o arbusto florido que é amassado e fervido para fazer a bebida ayahuasca.

O estudo, publicado recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, revelou um impacto profundo em todo o cérebro, particularmente em áreas altamente evoluídas em humanos e instrumentais no planejamento, linguagem, memória, tomada de decisões complexas e imaginação. As regiões de onde conjuramos a realidade tornam-se hiperconectadas, com a comunicação mais caótica, fluida e flexível.

“A dose que usamos é incrivelmente potente. As pessoas descrevem deixar este mundo e entrar em outro que é incrivelmente envolvente e ricamente complexo, às vezes sendo habitado por outros seres que eles sentem que podem ter um poder especial sobre eles, como deuses”, disse Robin Carhart-Harris, professor de neurologia e psiquiatria da Universidade da Califórnia, em São Francisco, ao The Guardian.

“O que vimos é que o DMT quebra as redes básicas do cérebro, fazendo com que elas se tornem menos distintas umas das outras. Também vemos os principais ritmos do cérebro – que servem a uma função amplamente inibitória e restritiva – quebrar e, em conjunto, a atividade cerebral se torna mais entrópica ou rica em informações”, acrescentou ele.

Os humanos buscam os estados alterados causados ​​pela ayahuasca há pelo menos 1.000 anos. Em 2019, uma escavação arqueológica em uma caverna boliviana desenterrou uma bolsa de couro feita de três focinhos de raposa.

A análise do interior da bolsa revelou vestígios de DMT, cocaína, provavelmente da folha de coca, e outras substâncias psicoativas. A bolsa, datada de 900 a 1170 DC, estava embrulhada em um pacote com pequenas espátulas de osso de lhama, tabuletas de madeira para rapé e uma faixa de cabeça colorida.

A bebida é normalmente feita fervendo Banisteriopsis caapi, uma videira gigante, com folhas do arbusto Psychotria viridis. Seu nome vem da língua quéchua falada por muitos grupos indígenas nos Andes, com aya significando alma, ancestrais ou pessoas mortas, e wasca significando cipó ou corda. As traduções variam desde a espiritualmente enigmática “videira da alma” até a um tanto menos convidativa “corda da morte”.

Para o estudo mais recente, Chris Timmermann, chefe do grupo de pesquisa DMT no Imperial College London, recrutou 20 voluntários saudáveis (que foram examinados para garantir que eram fisicamente e mentalmente adequados para o estudo) que receberam uma injeção de 20 mg de DMT e um placebo em visitas separadas ao laboratório.

Usando eletroencefalografia (EEG) e ressonância magnética funcional (fMRI), os cientistas registraram a atividade cerebral dos participantes antes, durante e depois que a droga fez efeito. Os voluntários deram atualizações sobre a intensidade da experiência.

As gravações mostram como a organização hierárquica normal do cérebro se decompõe, a atividade elétrica se torna anárquica e a conectividade entre as regiões dispara, particularmente aquelas que lidam com funções de “nível superior”, como a imaginação, que evoluiu mais recentemente nos humanos.

“Quanto mais forte a intensidade da experiência, mais hiperconectadas eram essas áreas do cérebro”, explicou Timmermann ao The Guardian.

Pensa-se que essa capacidade de tornar a atividade cerebral mais fluida e flexível sustenta não apenas a profunda experiência psicodélica, mas também os resultados promissores dos primeiros pacientes de ensaios clínicos que receberam DMT em combinação com psicoterapia para tratar a depressão.

“O DMT é de ação curta, por isso é uma ferramenta muito flexível em comparação com a psilocibina [o ingrediente ativo dos cogumelos] e o LSD, que pode durar de seis a 10 horas”, acrescentou Timmermann.

Mas enquanto as varreduras e EEGs fornecem uma visão sem precedentes do cérebro sob uso do DMT, os pesquisadores acreditam que há mais a aprender.

“Suspeitamos que, enquanto os aspectos mais novos e evoluídos do cérebro se desregulam sob o DMT, os sistemas mais antigos do cérebro podem ser desinibidos. Um tipo de coisa semelhante acontece no sonho. Este é apenas o começo para resolver a questão de como o DMT funciona para alterar a consciência de forma tão dramática”, ressaltou Carhart-Harris.