03/10/2025 - 13:57
Ampla cobertura vacinal de meninas e meninos contra o vírus do HPV, o maior causador de câncer no colo do útero, pode proteger mulheres vacinadas e até as não vacinadas contra a doença, sugere pesquisa.A vacinação contra o HPV nos Estados Unidos tem sido tão bem-sucedida que a imunidade coletiva contra o vírus – o principal causador do câncer no colo do útero – pode estar próxima de ser alcançada em algumas áreas do país.
Uma pesquisa publicada na revista científica JAMA Pediatrics descobriu que o extenso programa de vacinação contra o HPV nos EUA levou a reduções significativas nos diagnósticos da doença, também chamada de câncer cervical, inclusive entre mulheres não vacinadas.
No entanto, a imunidade dessas comunidades ao papilomavírus humano (HPV) só continuará se os EUA tiver a capacidade de manter as altas taxas de vacinação, ponderam os pesquisadores.
O HPV é a infeccção sexualmente transmissível mais comum do mundo. Vacinas contra certas cepas do HPV existem há quase duas décadas, e os resultados apontam para uma consequente redução dos casos de câncer cervical em todo o mundo.
Atualmente, os EUA aplicam uma vacina nonavalente, que protege contra nove cepas do HPV que, juntas, são responsáveis por 90% dos casos de câncer cervical. Outros países utilizam vacinas adaptadas a duas ou quatro variantes – a última é o tipo adotado do Brasil.
“Nosso estudo demonstra evidências de imunidade coletiva contra o HPV causador do câncer cervical em uma comunidade e em um contexto de altas taxas de vacinação e uma estratégia de vacinação neutra em termos de gênero, ou seja, vacinação de meninos e meninas”, disse uma das autoras do estudo, a pediatra Jessica Kahn, do Albert Einstein College of Medicine, em Nova York.
A comunidade à qual Kahn se refere é um grupo específico de mulheres com maior risco de infecção pelo HPV, com quase 80% tendo tido dois ou mais parceiros sexuais do sexo masculino e mais da metade tendo sido diagnosticada com uma doença sexualmente transmissível (DST).
A análise de quase 20 anos de dados do grupo mostra que as infecções por HPV diminuíram substancialmente com o imunizante. No caso das mulheres que tomaram vacinas bivalentes, que têm como alvo duas cepas, houve uma redução de 98% na infecção.
Como os comportamentos sexuais do grupo de estudo tiveram pouca alteração, isso significa que as vacinas contra o HPV são as prováveis responsáveis pela redução das taxas de infecção, inclusive entre mulheres não vacinadas. Mesmo sem proteção imunológica, esse grupo observou uma redução de 75% na infecção pelas cepas cobertas pela vacina bivalente.
Tal fenômeno sugere que a imunidade coletiva contra a doença nos EUA está ao alcance, embora Kahn tenha alertado que nunca seria possível ter certeza disso.
“Não há um ponto fixo específico em que possamos dizer que o HPV foi eliminado”, disse Kahn. “A proteção coletiva é dinâmica e pode diminuir se a adesão à vacina diminuir, os indivíduos se tornarem mais suscetíveis ao HPV ou a dinâmica de transmissão mudar.”
HPV: Frequentemente benigno, potencialmente mortal
O câncer de colo do útero é uma doença evitável, mas ainda é o quarto câncer mais comum em mulheres, com a maioria das mortes ocorrendo em países de baixa e média renda.
Os vírus HPV foram relatados pela primeira vez como causa do câncer cervical pelo cientista alemão Harald zur Hausen, em 1983. Ele foi co-ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2008 pela descoberta.
Estudos indicam que cerca de 80% da população sexualmente ativa deve ser infectada pelo vírus em algum momento de sua vida, mas geralmente não apresenta sintomas. Esses vírus podem causar o crescimento de verrugas geralmente benignas na pele de seres humanos, principalmente no pé, mãos, garganta e genitais.
Às vezes, certos vírus HPV se incorporam a células saudáveis, interrompendo seus processos celulares normais. Nas células que revestem o colo do útero, isso pode levar ao desenvolvimento de câncer ou a sérias lesões.
As taxas de câncer cervical diminuíram desde a introdução de uma vacina chamada Gardasil, desenvolvida por pesquisadores australianos na década de 1990 e lançada na década de 2000. Foi a primeira de uma família de vacinas capazes de prevenir infecções por HPV.
As vacinas atuais contra o vírus são geralmente administradas a meninas de 9 a 14 anos. Meninos nessa faixa etária também podem receber a vacina, como é o caso nos Estados Unidos e no Brasil, para proporcionar uma proteção mais ampla à comunidade.
Desafios para vacinação
A Organização Mundial da Saúde (OMS) quer eliminar o câncer cervical. Sua estratégia prevê que 90% das meninas sejam vacinadas até os 15 anos em todo o mundo, pelo menos 70% das mulheres sejam submetidas a exames de rastreamento do câncer cervical aos 35 e novamente aos 45 anos, e 90% das mulheres diagnosticadas com o câncer recebam tratamento.
Pelos cálculos da organização, o cumprimento dessas metas poderia prevenir 300 mil casos de câncer no colo do útero até o final desta década. Todos os anos, cerca de 660 mil pacientes são diagnosticadas, mais de 17 mil no Brasil.
O país atingiu mais de 82% de cobertura vacinal contra o HPV entre meninas de 9 a 14 anos em 2024, superando a média global de 12%, segundo dados da OMS. Entre os meninos da mesma faixa etária, a cobertura chega a 67%. A vacina protege contra diversos tipos de câncer associados ao HPV, incluindo colo do útero, ânus, pênis, garganta e pescoço, além de verrugas genitais.
Na Escócia, após o início do programa de vacinação, em 2008, nenhum caso de câncer cervical foi detectado em mulheres que foram totalmente vacinadas.
Os médicos, contudo, estão preocupados com a queda no número de jovens escoceses que tomam a vacina, sobretudo em comunidades mais carentes.
Um estudo realizado com mais de 1,6 milhão de meninas e mulheres na Suécia descobriu que havia quase metade dos casos de câncer cervical entre aquelas que foram vacinadas do que entre aquelas que nunca receberam a vacina.
A principal autora do estudo, Jiayao Lei, epidemiologista do Instituto Karolinska, disse que as conclusões de uma possível imunidade de rebanho feitas pelo estudo americano não foram surpreendentes, tendo em vista o que sua investigação tinha revelado.
“É uma evidência realmente boa, porque demonstra a proteção indireta da vacinação, particularmente para as [mulheres] não vacinadas”, disse.
Lei defende que receber a vacina durante a adolescência também proporcionava uma melhor proteção contra a infecção pelo HPV, mesmo com apenas uma dose da vacina.
“Aqueles que foram vacinados mais cedo terão uma proteção mais forte”, disse à DW. “Há uma eficácia comparável alcançada para aqueles que se vacinam mais cedo [com qualquer dosagem], enquanto para aqueles que se vacinam após os 20 anos, parece que é preciso uma dose mais alta para oferecer melhor proteção.”
Isso é particularmente importante para países que estão apenas começando a distribuir a vacina para grupos de adolescentes. O Paquistão iniciou recentemente seu programa de HPV para meninas de 9 a 14 anos, enquanto Gana começará a distribuir vacinas para essa faixa etária em outubro.
Ainda assim, há desafios.
O Paquistão está enfrentando campanhas intensas de desinformação, com a circulação de alegações falsas de que a vacina causa infertilidade. Apesar disso, nove milhões de meninas já foram vacinadas, de acordo com o Ministério da Saúde do Paquistão. O objetivo é vacinar cerca de 13 milhões de meninas.
O aumento do ceticismo em relação às vacinas e a diminuição da aceitação das vacinas em todo o mundo representam um desafio único para o controle e, potencialmente, a erradicação de doenças como o câncer cervical causado pelo HPV. A interrupção dos programas de vacinação e as crises do sistema de saúde, a disparidade no acesso às vacinas e a hesitação causada por campanhas de desinformação e informações falsas representam um grande obstáculo para conter o câncer cervical.
“A vacina é extremamente eficaz, mas somente se for aplicada”, disse Kahn.