18/12/2019 - 9:39
Concentrações de ferro, cádmio e cobre acima dos valores de referência estabelecidos pelos padrões de saúde no Brasil foram detectadas na poeira coletada dentro das casas em comunidades dos municípios mineiros de Mariana e Barra Longa. As duas cidades são as mais afetadas pela lama que vazou da barragem da mineradora Samarco, após a ruptura ocorrida em novembro de 2015. A análise foi realizada pelas empresas Ambios e Technohidro, e os resultados incluídos no Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH).
Além da poeira, foram encontrados níveis acima dos padrões nacionais em sedimentos e no solo para ferro, manganês, cádmio, alumínio e cobalto. Também foram analisados alimentos produzidos na região. Em frutas e tubérculos, foi encontrado arsênio em concentrações que extrapolam o recomendado. Já no ovo, constatou-se excesso de selênio. Os metais com maior número de amostras acima dos valores de referência foram o ferro, em 41 análises, e o manganês, em 8.
A pesquisa foi divulgada em 17 de dezembro pela Fundação Renova, entidade criada conforme acordo firmado em março de 2016 entre a mineradora, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Cabe à fundação reparar todos os prejuízos causados em decorrência da tragédia, na qual 19 pessoas morreram, comunidades ficaram destruídas e dezenas de municípios mineiros e capixabas situados na bacia do Rio Doce foram impactados pela poluição.
De acordo com a Fundação Renova, a presença de metais no ambiente é natural na região, conhecida como Quadrilátero Ferrífero. A entidade afirma que apenas o ferro e o manganês teriam correlação com o rompimento. Segundo ela, com exceção desses dois, os demais metais foram encontrados em níveis acima dos parâmetros recomendados apenas em amostras pontuais e, na maioria das vezes, fora da área atingida pelo rejeito.
LEIA TAMBÉM: Recomeçar em Mariana
“O relatório não recomenda limitação de atividades agropecuárias, do consumo de água tratada, nem a remoção de moradores”, diz a fundação. A entidade afirma ainda que nas águas superficiais e nas águas utilizadas para consumo humano não foram identificadas concentrações acima dos valores de referência de saúde. Ainda de acordo com a fundação, os metais identificados são elementos de baixa absorção pela pele.
Para avaliar o estudo, a Fundação Renova convidou o médico Anthony Wong, que atua no Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, não há perigo para a população. “Do ponto de vista toxicológico, a quantidade e a concentração encontradas, em relação à vida humana e até animal, são praticamente insignificantes.”
Ele destaca que muitos desses metais são essenciais para a saúde humana em determinadas quantidades e cita, por exemplo, o manganês, que está presente em diversos alimentos. Segundo Wong, não existem casos de intoxicação por manganês decorrente de exposição ambiental. O médico explica ainda que o ferro é necessário ao organismo humano.
“Mais de 80% da população do mundo é carente de ferro, mesmo comendo bem. A concentração no solo dessa região, como indica a própria atividade minerária, necessariamente vai ser alta. Mas essa concentração no solo não representa risco. Só para se ter uma ideia, locais no estado de São Paulo têm o nível de ferro duas vezes maior do que o encontrado aqui. E não se pode dizer que a população paulista está intoxicada por ferro”, diz.
Para melhorar as condições de saúde nas áreas atingidas, a Fundação Renova informa que iniciativas estão em discussão com o governo de Minas Gerais como a melhoria dos laboratórios públicos regionais, a capacitação dos profissionais de saúde dos municípios atingidos, a revisão do protocolo de avaliação toxicológica para metais e a ampliação dos estudos para outras áreas. A entidade afirma que já vem adotando uma série de medidas, entre elas, a reconstrução de Unidades Básicas de Saúde e o repasse para que municípios reforcem infraestrutura e as equipes médicas.
Também está no plano a realização de estudos epidemiológicos e toxicológicos para avaliar, por exemplo, a ocorrência de problemas respiratórios, de distúrbios mentais e de presença de metais no corpo dos atingidos. Um chamamento público será aberto para convidar pesquisadores do Brasil para apresentação de propostas.
Divulgação
Avaliar riscos à saúde humana foi uma demanda apresentada pelo Comitê Interfederativo (CIF). Composto por órgãos públicos estaduais e federais e liderado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o comitê tem a função de fiscalizar e orientar os trabalhos da Fundação Renova.
Foram pesquisadas três áreas nas zonas rurais de Mariana e de Barra Longa. Ao todo, foram 316 pontos de coleta de amostras visitados entre julho de 2018 e agosto de 2019. Só agora dados do levantamento estão vindo a público. Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) já havia cobrado uma apresentação aos atingidos.
“Já deveria ter havido uma devolutiva para a população sobre os resultados deste estudo”, disse Helder Magno da Silva, procurador da República de Minas Gerais.
Ele também contestou procedimentos da Fundação Renova. Segundo o procurador, a Ambios foi aprovada pela Câmara Técnica de Saúde do Comitê Interfederativo, enquanto a Tecnohidro teve o aval da Câmara Técnica de Rejeitos. Assim, o escopo das análises de cada uma era diferente, o que tornaria estranha a apresentação conjunta dos dados.
“O estudo da Tecnohidro parece que tem sido aproveitado para contrapor os resultados da Ambios. A Technohidro fez um estudo que foi submetido a uma empresa de consultoria chamada Newfields, contratada pela Fundação Renova para validar os dados. Se vocês forem agora no site da Newfields, vão perceber que ela presta serviço para a Samarco e para a BHP Billiton. É muito estranho esse tipo de atuação”, avalia.
O gerente do programa de saúde da Fundação Renova, Wagner Tonon, afirma que as duas análises permitiram a construção de um conhecimento mais abrangente. “A Ambios só havia analisado a área onde o rejeito efetivamente passou. Mas se faz necessário ter um conhecimento mais amplo da área, considerando as concentrações dos elementos que já existiam no ambiente. Os locais não atingidos ajudam também a entender como o rejeito afetou o ambiente. Então, as análises da Technohidro foram usadas para ampliar o estudo da Ambios”, diz.
Atingidos fazem outra pesquisa
Na semana passada, uma pesquisa apresentada pela Cáritas e pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) – assessorias técnicas que prestam suporte aos atingidos de Mariana e Barra Longa, respectivamente – identificou alta presença de ferro no solo. Diferentemente do estudo divulgado agora pela Fundação Renova, a pesquisa revelou também níveis altos de cobre, zinco e níquel. Em amostras de água, chamaram atenção concentrações de ferro, manganês, níquel e, eventualmente, de chumbo. O estudo foi realizado por uma equipe multidisciplinar do Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para a Sustentabilidade (LEA-AUEPAS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Segundo Dulce Maria Pereira, coordenadora da pesquisa, o risco de contaminação pode crescer conforme a frequência a que o atingido está exposto aos metais. Ao longo do tempo, ela vê possibilidade de aumento de problemas respiratórios, além de ameaças ao equilíbrio mental, emocional e neurológico. A pesquisadora argumenta ainda em sentido oposto às colocações do médico Anthony Wong. “Posso citar, por exemplo, o manganês, que causa efeitos neurológicos e psiquiátricos. Nas quantidades em que ele se apresenta no território, pode causar instabilidades emocionais, além de distúrbios de comportamento e na fala.”
A pesquisa também avaliou a contaminação do ar. “Caminhões transportaram muitos resíduos de lugares que haviam sido atingidos para locais não afetados. Isso aumentou a contaminação e expandiu a presença de contaminantes. É preciso ter muita preocupação com a presença de metais tóxicos no ar, sobretudo do chumbo, do cobre, do ferro, do zinco, do manganês”, acrescenta a pesquisadora.