02/07/2020 - 11:38
A missão Mars Perseverance, da Nasa, deverá partir entre julho e agosto deste ano com o objetivo de procurar sinais de vida no passado de Marte e coletar amostras para um futuro voo para a Terra. Atualmente, a Nasa e a Agência Espacial Europeia (ESA) estão trabalhando juntas em conceitos da missão para trazer essas amostras para a Terra até 2031.
Dois estudos baseados em dados de outra missão espacial – a Mars Express da ESA, que orbita o Planeta Vermelho desde 2003 – agora identificaram quais partes do local de pouso do rover mais provavelmente preservaram antigos sinais de vida, clima, água e vulcanismo. Ambos investigaram uma parte da superfície de Marte conhecida como Nili Fossae e, mais especificamente, uma cratera nessa área chamada Jezero. Os artigos foram publicados na revista “Icarus”.
A cratera Jezero contém um delta (evidência clara de que a água já fluiu lá na forma de um lago antigo) e grandes quantidades de minerais de olivina e carbonato. Os carbonatos se formam na presença de água e são conhecidos por capturar bioassinaturas, as assinaturas da vida. Já a olivina está presente em rochas magmáticas e pode ser usada para explorar e datar com precisão o passado vulcânico de Marte.
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“Sabemos há décadas que Nili Fossae é uma parte única de Marte, e a cratera Jezero foi escolhida como local de pouso do veículo Perseverance dada essa singularidade”, disse Lucia Mandon, do Laboratoire de Géologie de Lyon (Terre, Planètes, Environnement), na França, e principal autora de um estudo sobre mineralogia, idade e evolução da região de Nili Fossae.
Cenários diferentes
“No entanto, embora essa parte de Marte tenha sido bem estudada, os cientistas ainda não tinham certeza sobre como e quando ela se formou, ou como chegou a conter todo esse material rico em olivina e carbonato”, acrescentou a pesquisadora. De fato, pelo menos seis cenários diferentes de formação foram propostos nas últimas duas décadas.”
Para resolver essa incerteza, Mandon e seus colegas analisaram observações da região de Nili Fossae coletadas pela Mars Express e pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da Nasa: uma mistura de imagens de alta resolução, dados topográficos, mineralógicos e térmicos. Eles descobriram que a rocha rica em olivina na região ao redor da cratera Jezero se estende por pelo menos 18 mil quilômetros quadrados e se formou há cerca de 3,8 bilhões de anos.
“Uma das teorias de formação mais populares sugere que o material contendo olivina se formou como uma folha de rocha derretida, criada pelo impacto gigante que produziu a enorme bacia de Isidis nas proximidades”, prosseguiu Mandon. “Mas nossa linha do tempo revela que o leito de rocha rico em olivina se formou dezenas de milhões de anos ou mais após esse impacto.”
“No entanto, pensamos que esse impacto tornou a crosta frágil e mais propensa ao vulcanismo. Depois de revisar todos os cenários plausíveis, descobrimos que a região de Nili Fossae foi provavelmente esculpida por erupções maciças de cinzas e outros materiais expelidos por vulcões gigantes. O volume liberado nas erupções é colossal: mais de 1.000 vezes maior que o do evento vesuviano que destruiu Pompeia em 79 d.C.”
Isso sugere que a visão comum do vulcanismo marciano, na qual a atividade vulcânica ocorre amplamente através dos fluxos de lava, com apenas alguns exemplos de atividade explosiva, pode não ser totalmente precisa.
Bioassinaturas preservadas
Mandon e colegas também mapearam os carbonatos presentes em Nili Fossae, com algumas das detecções mais fortes ocorrendo perto do local de pouso da Perseverance. Sabe-se que esses minerais se formam em águas bastante neutras – ambientes amigáveis à maioria das formas de vida que conhecemos na Terra.
“Os carbonatos que se formam ao longo das margens de lagos na Terra são fantásticos para preservar as bioassinaturas”, afirmou Briony Horgan, da Universidade Purdue (EUA), principal autora de um artigo complementar sobre a distribuição e origem de rochas carbonáticas na cratera Jezero.
“Lagos alcalinos que produzem carbonatos na Terra são quase sempre habitados por estromatólitos – grandes cúpulas mineralizadas criadas por camadas de tapetes microbianos que são conhecidas por preservar algumas das mais claras bioassinaturas de bilhões de anos atrás em nosso planeta. Embora não saibamos se poderíamos encontrar estromatólitos em Marte, esse ambiente à beira do lago seria um ótimo lugar para procurar bioassinaturas e moléculas orgânicas dos primeiros dias de Marte.”
A cratera Jezero é o único local conhecido em Marte onde carbonatos foram claramente detectados nas proximidades de características que indicam a presença de um lago antigo. Horgan e colegas investigaram a cratera usando dados da Mars Express e da MRO, explorando se os carbonatos se formaram dentro desse lago ou como resultado de outros processos, como alterações pela chuva.
Alvos principais
Eles descobriram que, embora os carbonatos estejam presentes em toda a cratera, há um anel de fortes assinaturas de carbonatos em elevações onde a costa do antigo lago estaria. Isso sugere que esses carbonatos específicos provavelmente se precipitaram na margem do lago, tornando-os especialmente empolgantes para estudos de água e de possíveis vidas passadas em Marte.
“Esses carbonatos serão os principais alvos das missões Mars 2020 Perseverance e Mars Sample Return, devido ao seu alto potencial de preservar as bioassinaturas”, acrescentou Horgan. “Esperamos poder chegar à área costeira durante a missão principal da Mars 2020. Esse anel de carbonatos no nível antigo da água ao longo da orla ocidental de Jezero será uma parte particularmente emocionante da cratera a explorar.”
Uma das principais linhas de evidência para os possíveis carbonatos à beira do lago veio como resultado da topografia derivada da câmera estéreo de alta resolução (HRSC) da Mars Express. Horgan e colegas usaram os dados topográficos coletados pelo Mars Express da órbita para determinar a elevação desses minerais dentro da cratera – algo essencial para determinar como eles se formaram.
As pesquisas elucidam a história e a natureza de uma parte crucial da superfície marciana. Quando a Perseverance pousar na cratera Jezero, investigará tanto a rocha rica em olivina quanto o anel de carbonato estudado por Mandon, Horgan e colegas. A equipe do rover também planeja coletar amostras da rocha para futuro retorno à Terra.
“Com uma missão de retorno de amostras, poderíamos datá-las precisamente em laboratório e comparar essa idade à que deduzimos da órbita”, acrescentou Mandon. “Isso nos permitiria calibrar todo o sistema de cronologia marciana, e é um exemplo importante do motivo pelo qual o retorno de amostras de Marte é tão empolgante e valioso.”