Nove profissionais da Deutsche Welle foram suspensos no país, que se prepara para uma nova eleição em 2026. Grupos de direitos humanos alertam para repressão crescente contra a imprensa no país.A Etiópia informou na última quinta-feira (23/10) que “suspendeu temporariamente” o serviço em amárico da Deutsche Welle, que transmite para o país desde 1965. A Autoridade de Mídia Etíope (EMA) alega que nove correspondentes da DW baseados na capital, Adis Abeba, e em cidades do interior teriam violado regulamentos de imprensa e divulgado reportagens desequilibradas, “sem fontes confiáveis”.

Em comunicado, a DW condenou a suspensão de sua equipe e pediu ao governo que disponibilizasse as transcrições das reportagens que considerou fora da ética profissional.

“Estamos muito preocupados com a restrição às nossas reportagens na Etiópia. Após a descontinuação dos serviços em língua local da Voice of America, a Deutsche Welle oferece o programa em amárico mais acessado por um veículo de mídia internacional no país. Milhões de etíopes continuam a depender de nós para ter acesso a informações independentes”, disse Barbara Massing, diretora-geral da DW.

Liberdade de imprensa sob pressão

A Etiópia tem registrado um aumento nas prisões de jornalistas nos últimos meses. Profissionais têm sido acusados de promover terrorismo, discurso de ódio, disseminar informações falsas ou conspirar contra o Estado ao reportar sobre conflitos. Em 2023, 15 canais de TV estrangeiros foram suspensos, segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF). O governo também introduziu gradualmente taxas que criam barreiras para a transmissão de conteúdo.

Para Sadibou Marong, da RSF, a situação dos jornalistas na Etiópia é “bastante ruim e problemática”.

“Prender jornalistas arbitrariamente e mantê-los incomunicáveis mostra até onde as autoridades etíopes podem ir na repressão contra a imprensa”, disse Marong à DW.

Angela Quintal, do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), afirmou que “leis de mídia e antiterror continuam sendo usadas como armas contra jornalistas, desligamentos de internet são usados para silenciar reportagens e prisões arbitrárias se tornaram rotina”.

“Censura generalizada”

No passado, as autoridades etíopes acusaram repetidamente a DW de divulgar informações falsas, especialmente após as eleições legislativas de 2005, quando dezenas de pessoas morreram e centenas ficaram feridas em protestos contra o governo. À época, uma comissão de investigação sobre as acusações não encontrou provas de reportagens incorretas.

Durante o governo da Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope (EPRDF), que durou até 2019, autoridades foram acusadas por organizações de mídia e pela DW de bloquear o sinal de rádio em ondas curtas do serviço em amárico da emissora.

Com cerca de 130 milhões de habitantes a Etiópia ocupa a 145ª posição entre 180 países no Índice de Liberdade de Imprensa 2025 da RSF, que cita “censura generalizada”.

O país também é conhecido por aprisionar jornalistas. Segundo o CPJ, 30 profissionais de comunicação foram presos desde 2018. Isso acontece apesar do otimismo inicial de que o primeiro-ministro Abiy Ahmed, que assumiu o poder naquele ano, reformaria o cenário midiático anteriormente rigidamente controlado.

Desde 2019, Ahmed compõe o Partido Prosperidade, uma continuação política do EPRDF.

Seu governo facilitou a obtenção de licenças de transmissão, descriminalizou a difamação e implementou medidas para proteger fontes jornalísticas. Também permitiu maior liberdade e voz para líderes de mídia privada.

Mesmo assim, as autoridades foram acusadas de contornar leis de liberdade de expressão, especialmente quando explodiu o conflito no Tigré, conflito civil que teve início em 2020.

Uma emenda à lei de mídia de 2021, em abril de 2025, gerou mais críticas de grupos de direitos humanos. A mudança aumentou o controle do governo sobre a Autoridade de Mídia Etíope (EMA), que aplica sanções contra veículos que violam a ética jornalística, incluindo a revogação de licenças.

Profissionais da mídia no exterior também são visados

Em meados de agosto, o Ethiopia Observer informou que uma delegação etíope pediu ajuda às autoridades francesas para a “extradição” de dois jornalistas da Etiópia baseados no país, acusados de criticar o governo.

Angela Quintal, do CPJ, disse à DW que Abebe Bayu e Yayesew Shimelis foram “submetidos a detenções repetidas na Etiópia antes de se exilarem”.

“Essa repressão transnacional mostra a extensão do controle do governo além das fronteiras, para silenciar vozes dissidentes, em violação direta às obrigações da Etiópia sob o direito internacional de direitos humanos”, acrescentou.

Há relatos de esforços semelhantes contra vozes críticas em outros países da União Europeia, além da África do Sul, Quênia e Uganda.

“Em países mais seguros, eles têm a possibilidade de se reinventar. A diáspora etíope é muito grande, e a maioria mantém sua independência e suas liberdades. Eles podem influenciar os etíopes a partir do exterior”, disse Marong, explicando como as autoridades justificam o monitoramento de profissionais de mídia etíopes em outros países.

“É algo que vimos recentemente, e é uma tendência extremamente ruim”, acrescentou.