O governo dos EUA procurou estimular sexualmente e depois frustrar seus soldados a fim de prepará-los para um conflito impopular na Europa, argumenta um historiador da Universidade de Cambridge (Reino Unido) em estudo publicado na revista Journal of the History of Sexuality.

Recrutar pessoal de cantina atraente; convidar civis do sexo feminino para danças supervisionadas de perto; disseminar propaganda atraente; pressionar as tropas para escrever para as mulheres em casa; e deter mulheres supostamente promíscuas para evitar que os soldados desperdiçassem energia. Essas são apenas algumas das maneiras pelas quais o Departamento de Guerra dos Estados Unidos procurou aproveitar a energia sexual reprimida para motivar as tropas em 1918.

No centro dessa experiência estava a Comissão de Atividades do Campo de Treinamento (CTCA, na sigla em inglês), uma agência-guarda-chuva dirigida pelo Departamento de Guerra. Estudos anteriores demonstraram que a CTCA procurava controlar a vida sexual de soldados e mulheres para prevenir infecções venéreas e proteger a moralidade social nos EUA.

A CTCA foi retratada como uma das últimas posições de uma geração mais velha de reformadores morais contra a investida de uma cultura sexual liberalizante. Mas o historiador da Universidade de Cambridge Eric Wycoff Rogers mostra que a agência estava muito mais interessada na sexualidade como uma arma para motivar os soldados a lutar.

Motivação

Quase 53 mil soldados americanos foram mortos na Primeira Guerra Mundial e mais de 202 mil ficaram feridos.

Inicialmente neutros, os EUA começaram a mudar de posição depois que um submarino alemão afundou o navio de passageiros britânico Lusitania em 1915, e quando foi revelado que a Alemanha procurou incitar o México a atacar os Estados Unidos. Mas mesmo quando suas primeiras tropas desembarcaram na França, em junho de 1917, poucos americanos entendiam completamente e muito menos apoiavam esse conflito distante.

Rogers argumenta em seu artigo que o governo e os militares dos EUA tomaram medidas drásticas para usar a sexualidade a fim de motivar seus soldados recrutados a abraçar seus papéis na guerra.

“A guerra não parecia relevante para os jovens americanos da mesma forma que para os europeus”, diz Rogers. “Particularmente após a repentina reviravolta do presidente (Woodrow) Wilson na beligerância americana, o governo teve de trabalhar duro para convencer os civis a apoiar a guerra, e isso foi duplamente verdadeiro para os soldados, muitos dos quais foram convocados contra sua vontade. Nesse contexto, o Departamento de Guerra explorou ativamente a sexualidade para manipular psicologicamente os soldados americanos para lutar.”

Abstinência e estimulação sexual

Isso envolvia impor a abstinência sexual enquanto expunha ao mesmo tempo os soldados a formas cuidadosamente controladas de estimulação sexual. Partindo da premissa de que homens sexualmente satisfeitos não poderiam ser facilmente motivados, o objetivo dessa provocação era gerar desejo sexual não satisfeito, que o Departamento de Guerra poderia alavancar como motivação para lutar, especialmente por meio de apelos ao cavalheirismo e ao heroísmo.

Enquanto historiadores anteriores cobriram aspectos da CTCA, Rogers mostrou que ela era parte de uma máquina mais ampla de construção de moral que tinha sua lógica própria. A CTCA foi estabelecida em abril de 1917 para controlar os comportamentos sexuais dos soldados enquanto treinavam para o combate. A Seção de Moral Militar (MMS), que se tornou o Ramo de Moral (Morale Branch) no final da guerra, foi fundada um ano depois, quando as Forças Expedicionárias Americanas estavam sendo enviadas para a Europa.

Liderados por Edward Lyman Munson, um oficial médico de alto escalão, o Ramo de Moral e seu antecessor assumiram um controle crescente sobre a CTCA.

Com base nos registros relativamente negligenciados da agência moral e nos escritos dos acadêmicos e reformadores que a lideraram, Rogers mostra que essas figuras poderosas acreditavam que o clímax sexual desperdiçava a energia que alimentava a motivação de um homem. Eles também acreditavam, no entanto, que estimular e depois desviar o desejo sexual de um soldado poderia aumentar sua motivação.

Com base nessa “lógica parassexual”, como Rogers a chama, esses teóricos do moral projetaram uma série de políticas e atividades manipuladoras que regulavam e estimulavam os soldados.

Trabalhadoras de cantina e bailes

A YMCA, uma das principais organizações de bem-estar da CTCA, recrutou estrategicamente atraentes trabalhadoras de cantinas para servir as tropas em ambos os lados do Atlântico. As mulheres selecionadas, geralmente na casa dos 30 (e todas brancas), foram selecionadas porque eram consideradas jovens o suficiente para serem atraentes, mas velhas o suficiente para resistir à chamada “febre cáqui” e abster-se de relações sexuais com soldados.

Como Rogers aponta, os programas motivacionais das agências de moral explicam por que eles fizeram isso. Seu trabalho era fornecer uma presença feminina estimulante, mas não “dissipadora”.

Outra organização, War Camp Community Service (WCCS), contribuiu para o programa ao sediar bailes acompanhados em vilas e cidades próximas aos campos de treinamento nos EUA. Esses bailes foram replicados nas áreas de descanso designadas para soldados americanos na França.

O WCCS procurava prevenir “formas licenciosas de dança” e outros comportamentos abertamente sexuais. Também aconselhava que as mulheres e meninas presentes fossem do “tipo certo”, uma categoria que excluía quase todas as mulheres pobres e não brancas. “Os bailes de repente deixaram de ser uma grande preocupação moral para os investigadores do CTCA para se tornar uma maneira crucial de motivar os soldados”, observa Rogers.

Os soldados negros do sexo masculino também foram excluídos dessas e de outras atividades da agência de moral, pois os líderes militares brancos achavam que eles não podiam ser motivados pelo sexo, uma vez que eram – supostamente – inerentemente licenciosos em relação a sexo. Por essa razão, a maioria dos soldados negros foi designada para unidades não combatentes na Primeira Guerra Mundial.

Mulheres “boas” e “más”

Os efeitos dos programas de moral não foram sentidos apenas pelos soldados, mas tiveram um grande impacto na vida de milhares de mulheres civis.

Por meio da Associação Cristã de Jovens (YMCA), a CTCA treinou mulheres e meninas para apoiar seus objetivos. A CTCA enviou palestrantes para cidades e vilarejos próximos aos campos de treinamento a fim de aconselhar as meninas e suas mães a proteger sua sexualidade das tropas. Ao mesmo tempo, líderes militares e civis começaram a retirar mulheres e meninas sexualmente ativas de áreas frequentadas por soldados.

“Ao tornarem as oportunidades sexuais difíceis de encontrar, os militares procuravam preservar a força de luta dos homens”, diz Eric Wycoff Rogers.

Em janeiro de 1918, o administrador de saúde pública dos EUA instou as autoridades locais e estaduais a intensificar os esforços para prender civis que pudessem estar portando alguma doença venérea. Em abril, uma nova seção “Mulheres e Garotas” da CTCA estava policiando e “reformando” aquelas que considerava “agressores sexuais”, um termo reservado para mulheres suspeitas de fazer sexo fora do casamento, especialmente com soldados da ativa. Milhares de mulheres foram presas, examinadas sob coação e detidas durante o breve envolvimento do país na guerra.

“Uma das minhas principais descobertas é que as doenças venéreas eram principalmente uma desculpa para policiar as mulheres e reduzir as oportunidades sexuais para os soldados”, diz Rogers. “A moralidade também era um pretexto para esses programas. (…) O verdadeiro propósito dessas medidas horríveis, no entanto, era fundamentalmente manter a frustração sexual que mantinha os soldados motivados.”

Propaganda

O estudo revela que os planejadores de moral tornaram-se mestres da propaganda dirigida aos soldados e que, em jornais, palestras e filmes, faziam uso repetido de imagens e vozes femininas sedutoras.

Como chefe do Morale Branch, Edward Munson agia com a convicção de que “as mulheres têm uma influência poderosa na eficiência e no moral militares”. Ele escreveu sobre a importância da “garota por trás do homem por trás da arma” e argumentou que “quando as mulheres são incitadas ao sacrifício patriótico, os homens temem ser preguiçosos”.

Com base em cartas e memorandos internos, Rogers demonstra que o Morale Branch controlava secretamente o conteúdo sindicalizado em jornais de tropas, incluindo Trench and Camp e Going Over. Nos Arquivos Nacionais em Washington, Rogers também encontrou pastas cheias de rascunhos editados dos artigos que apareceram nos jornais.

“Eles também se envolveram em censura”, diz Rogers. “Em alguns casos, a equipe do Morale Branch se opôs à inclusão de cartuns e outros conteúdos que consideravam fora da mensagem.”

O Trench and Camp, ostensivamente administrado pela YMCA, apresentava cartas escritas por uma esposa fictícia para seu marido alistado. Em uma das Cartas da Esposa de um Soldado, a esposa diz: “Sei que você está na frente, avançando, firmemente, sombriamente… à noite, quando meus olhos estão fechados, tenho uma visão de você, alto e orgulhoso, correndo para a frente”.

Ao mesmo tempo, os soldados eram pressionados a escrever cartas para as mulheres em casa, apoiados pelo fornecimento de envelopes e papel gratuitos em cabanas e tendas da YMCA. Os funcionários da CTCA esperavam que, quando os soldados escrevessem suas cartas de amor, a presença de atraentes funcionárias da cantina atuasse como uma representação excitante para as mulheres a quem se dirigiam.

“Negação sexual, ansiedade por status e pressão percebida das mulheres – essa foi uma combinação poderosa”, diz Rogers. “Ao lutarem pela aprovação das mulheres, os planejadores de moral esperavam que os soldados cumprissem seus deveres sem reclamar, lutassem mais e estivessem dispostos a arriscar suas vidas.”

Planejadores de moral

O programa de moral foi conduzido por um grupo de elite de oficiais militares, psicólogos civis e reformadores sociais. Além de Munson, suas principais figuras foram o pioneiro psicólogo americano G. Stanley Hall, o professor de filosofia da Universidade Harvard e inspetor de cursos de campo de guerra William Ernest Hocking e o fundador da Associação de Parques e Recreação da América – além do inspetor de atividades de campo de guerra – Luther H. Gulick.

Cada um desses homens publicou livros argumentando que o controle sexual, combinado com a estimulação e o redirecionamento da energia sexual, era crucial para motivar os soldados. Ao contrário dos reformadores morais tradicionais, eles não buscavam suprimir o desejo sexual, mas procuravam aproveitar sua energia para impulsionar o esforço masculino.

Em seu livro de 1921, The Management of Men, Munson escreveu que soldados sexualmente satisfeitos não tinham “caráter” e eram menos resilientes sob pressão. Mas, ele argumentou, a energia por trás de seu desejo sexual pode e deve ser liberada por meio de atividades produtivas, incluindo treinamento militar e atividades de lazer “saudáveis”.

O reformador social Gulick argumentou que a eficiência militar dependia do controle sexual e se opunha fortemente à ejaculação, que ele comparou a “curto-circuitar uma corrente elétrica e, assim, privar o motor de seu poder”.

Rogers contrasta as ações dos Estados Unidos com a abordagem mais laissez-faire adotada pela Grã-Bretanha e pela França durante a guerra. Seus líderes estavam muito mais inclinados a tolerar – e talvez até encorajar – atividade sexual entre seus soldados.

Depois da guerra

O fim repentino da guerra não marcou o fim da moral ou da motivação sexualizada. Após a guerra, Munson e alguns de seus colegas planejadores de moral publicaram suas teorias como parte de um novo foco na gestão de recursos humanos que buscava aumentar o moral e a motivação nas indústrias comerciais.

As campanhas para policiar os comportamentos sexuais das mulheres – rotuladas de “Plano Americano” – continuaram por mais de duas décadas, com a polícia detendo milhares de mulheres acusadas de estarem infectadas com doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

De acordo com Rogers, o transbordamento dos programas de guerra atesta sua importância duradoura na sociedade moderna e complica a forma como periodizamos eras históricas.

“A ideia de que a era progressista dos Estados Unidos atingiu seu auge na Primeira Guerra Mundial e depois foi seguida por um período totalmente diferente de liberalismo sexual na década de 1920 é simplista demais”, diz Rogers. “Esses programas de moral revelam um híbrido impressionante entre controle e liberação, o que sugere muito mais continuidade entre os dois períodos, bem como entre experiências de restrição e busca de prazer.”

Rogers acha que esses conhecimentos são altamente relevantes hoje. “A mistura ‘parassexual’ de constrangimento e estimulação dos militares oferece um esboço claro de uma lógica cultural que é profunda na cultura americana: o uso do fascínio sexual para motivar e vender experiências e produtos não sexuais”, afirma ele. “Especialmente se vamos navegar pelas tensões da chamada ‘guerra de gênero’, precisamos entender urgentemente o papel que indivíduos e organizações poderosas continuam a desempenhar na manipulação da sexualidade e no fomento da frustração sexual, principalmente em publicidade, filmes e nas redes sociais.”