25/03/2025 - 18:32
Conflito na Ucrânia obriga a uma mudança de paradigma. Europeus reforçam seus recursos militares, enquanto EUA renegam décadas de garantias de segurança transatlântica.Não existe uma definição oficial para “economia de guerra”, mas sim diversos atributos que confluem nesse sentido. Um deles é o país mobilizar seus recursos, capacidades industriais e mão de obra para sustentar preparativos e produção militares, antecipando ou durante tempos de guerra. A mudança mais óbvia é o desvio da produção industrial, afastando-se de bens de consumo para se concentrar em armamentos, munição e outros equipamentos bélicos.
“Além do material militar tradicional, armas modernas exigem investimentos em tecnologia e serviços digitais como software, análises de dados, sistemas de satélites e internet confiável”, explica Penny Naas, especialista em políticas públicas do Fundo Marshall Alemão sediando em Washington, Estados Unidos.
Para gerir tudo isso, acirra-se o controle governamental centralizado dos setores industriais necessários e da alocação de recursos. Assim, os governos ficam aptos a intervir, redirecionando matérias primas para setores e bens relacionados à guerra. Outros artigos, como combustível ou alimentos, ficam sujeitos a racionamento, a fim se priorizar a produção militar.
Quem se beneficia de uma economia de guerra?
“Numa verdadeira economia de guerra, todos os elementos de uma sociedade são reorientados no sentido de defender a pátria”, explica Naas. Essa reorientação é cara, e financiá-la costuma implicar um grande aumento dos gastos governamentais. O resultado pode ser mais endividamento e inflação, impostos mais altos e menos benefícios sociais.
Segundo o professor da escola de comércio HEC Paris Armin Steinbach, as grandes ganhadoras são as companhias especializadas em produtos militares, tecnologia digital, de informação e inteligência, farmacêutica e médica.
“Voltar-se para economias de guerra pode ser um catalizador para avanços científicos e tecnológicos. Novos sistemas de comunicação, motores de aviação, radar, informação se beneficiam. E essas tecnologias influenciam outros setores”, afirma o integrante do think tank econômico europeu Bruegel.
Transição da economia civil para a militar
A passagem de uma economia civil para uma de guerra pode ocorrer gradual ou rapidamente, dependendo da situação. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tinha a vantagem de saber quando ia atacar, e se preparava de antemão. Os EUA, Reino Unido e outros países aliados tinham menor controle sobre a situação, sendo forçados a reagir freneticamente.
Hoje, a Rússia e a Ucrânia se encontram em circunstâncias comparáveis. Moscou aumentou significativamente seus gastos militares, intensificou a produção de artefatos bélicos e impôs controles de capital para dificultar a saída de dinheiro do país. A inflação é alta, e o governo elevou seus gastos a fim de manter a economia civil funcionando.
A situação da Ucrânia, mais pobre, é muito mais desesperada. Como está sob ataque, ela luta pela própria sobrevivência, e investe muito mais nos esforços de guerra. “Atualmente Kiev aplica 58% de seu orçamento em gastos militares”, aponta Steinbach. Assim como o país agressor, ela mobilizou sua população para fins bélicos, retirando assim numerosos profissionais experientes da força de trabalho tradicional. A pedido do governo, diversas fábricas ucranianas foram remanejadas para a produção de armas e munição.
Outros países em esquema de economia de guerra
Devido aos conflitos em curso, outros países estão, até certo ponto, num esquema de economia de guerra. Entre eles, Mianmar, Sudão e Iêmen – todos os três em plena guerra civil. Os conflitos em Israel, Síria, Etiópia e Eritreia também causaram perturbações econômicas em nível nacional, com os governos se concentrando em iniciativas militares.
Israel elevou seus gastos com defesa e está fabricando mais artigos militares. Muitos trabalhadores foram recrutados para os combates, ficando de fora do mercado de trabalho civil. Para financiar essas medidas, Tel Aviv elevou o imposto sobre valor agregado (IVA), as taxas de eletricidade, água e outros serviços, assim como os impostos imobiliários.
Recentemente a União Europeia foi igualmente forçada a se mover, devido aos cortes do apoio americano à Ucrânia, Otan e à Europa em geral. Tal guinada após décadas de cooperação, assim como a aproximação entre Donald Trump e seu homólogo Vladimir Putin, são especialmente preocupantes para as garantias de segurança transatlântica.
Os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), 23 dos quais pertencem à UE, já vinham tendo dificuldades em dedicar 2% de seu PIB à defesa. Agora, nem mesmo essa percentagem parece bastar.
Em 4 de março de 2025, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou um plano de defesa no valor de 800 bilhões de euros (R$ 5 trilhões), incluindo 150 bilhões de euros em empréstimos para os países-membros da UE. Além disso, a liberalização das rigorosas regras de déficit orçamentário permitirá que os Estados gastem mais, podendo acrescentar outros 650 bilhões de euros em despesas militares nos próximos anos.
Alemanha se arma
Por sua vez, a Alemanha adentrou novo território em 21 de março, ao aprovar novas regras orçamentárias. Agora o governo estará mais livre para se armar, já que, em grande parte, os gastos com defesa não estarão mais sujeitos às regras de déficit fiscal. A iniciativa é tão monumental que exige uma emenda à Lei Fundamental, a Constituição alemã. E poderá abalar a política de segurança do continente.
Para Berlim e a Europa em geral, priorizar recursos financeiros será um primeiro passo importante. Penny Naas aponta que, no nível europeu, é também necessário melhor acesso à energia e mais coordenação para se orientar num labirinto de capacidades nacionais. Aquisição conjunta e pesquisa e desenvolvimento compartilhados deverão reduzir os custos.
“Num nível político, fala-se muito de aumentar as capacidades militares europeias, mas isso está num estágio muito preliminar. A Europa parte de uma posição forte, com recursos fiscais e capacidades industriais fortes”, assegura a especialista do Fundo Marshall Alemão.