Na Alemanha, cada vez mais origem dos pais determina sucesso escolar e futuro profissional dos filhos. Ao mesmo tempo, país necessita de mão de obra qualificada.Sobram vagas de trabalho na Alemanha. No outono de 2023 (primavera no Hemisfério Sul), o número de postos abertos superava os 1,7 milhão. Em 200 profissões há mais demanda por mão de obra do que oferta. O déficit é especialmente acentuado em áreas como medicina, enfermagem, construção, tecnologia da informação, transporte e logística, educação, e ainda nas profissões manuais que exigem um ensino técnico – um amplo espectro de atividades que abrange da hidráulica e elétrica à marcenaria e a panificação.

Fosse a falta de mão de obra uma questão meramente numérica, ela não existiria. Isso porque, no início de 2024, a Alemanha pagava seguro-desemprego ou uma renda básica de subsistência, o chamado Bürgergeld, a 4,8 milhões de pessoas aptas a trabalhar. Destas, mais da metade, porém, não tinha uma formação técnica, e as chances de conquistarem uma vaga no mercado de trabalho eram baixas, segundo a Agência Federal de Emprego.

E um outro número das estatísticas mensais da agência chama a atenção: um de cada quatro desempregados de longa data não tem sequer uma formação escolar.

Alemanha mal posicionada no ranking internacional

Entidades internacionais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontam há anos que a Alemanha faz pouco para diminuir o número de pessoas com baixa qualificação. Embora o sistema educacional alemão tenha avançado ao formar mais jovens nos ensinos médio e superior, o número dos que não têm uma formação básica se manteve constante.

Todos os anos, o órgão de estatísticas da União Europeia, o Eurostat, registra a quantidade de jovens europeus com idade entre 18 e 24 anos sem um diploma de ensino secundário ou profissionalizante. Entre 2013 e 2020, eles eram cerca de 10% na Alemanha. Em 2022, passaram a 12,2%.

Em toda a Europa, a situação só é pior na Hungria, Noruega, Espanha, Romênia e Islândia. Se considerados apenas os 27 países da União Europeia, a Alemanha tem o quarto pior desempenho.

Sistema educacional alemão tem suas especificidades

Porém, cabe a ressalva de que as estatísticas do Eurostat incluem nesse índice de evasão jovens que concluem o mais básico nível de escolaridade obrigatória na Alemanha – até o 10º ano, frequentado por jovens entre 15 e 16 anos.

Na Alemanha, todas as crianças recebem a mesma formação nas séries iniciais, que podem variar, de um estado para o outro, de quatro a seis anos. Passado este período, os professores decidem, com base no desempenho delas, a que tipo de escola elas serão encaminhadas, e a depender disso elas terão métodos de ensino e conteúdos diferentes, com o direcionamento para uma profissão técnica ou para o ensino superior.

Cada um dos 16 estados alemães pode regulamentar os ensinos médio e fundamental em seu território, por isso há diferenças regionais entre os sistemas.

Na Baviera, por exemplo, as crianças frequentam o ensino fundamental por quatro anos juntas. Dali em diante, são encaminhadas pelos professores a uma Hauptschule (para as de menor desempenho acadêmico), a uma Realschule (para as de desempenho médio) ou, no caso das mais preparadas, ao Gymnasium.

Já em Berlim, o ensino infantil dura seis anos, e são os pais quem decidem se a criança depois segue para o Gymnasium ou para uma escola secundária, que oferece três tipos de diplomas de conclusão.

Evasão escolar é maior entre migrantes

A evasão escolar é um problema que afeta todos os estados alemães. O índice era de quase 10% em 2001, caiu para pouco mais de 5% em 2013 e voltou a crescer desde então. Em 2022, era de cerca de 7%, ou aproximadamente 52 mil pessoas.

Segundo o Instituto Federal para Pesquisa Demográfica (BiB), o fenômeno afeta principalmente jovens de origem migratória – uma expressão que, no jargão alemão, designa pessoas com ao menos um dos pais nascidos sem a cidadania alemã.

Se em 2013 a origem, migratória ou não, não era perceptível nas estatísticas, em 2022 o quadro era outro: entre os alemães sem histórico de migração na família e com idade de 25 anos, apenas 3% dos homens e 2% das mulheres não tinham um diploma de conclusão do ensino básico, enquanto entre pessoas com raízes estrangeiras esses índices eram de 12% e 10%, respectivamente.

Isso tem profundas consequências para o futuro profissional, como mostram análises do Instituto Federal para Formação Profissional (BIBB). Entre os adultos com idade entre 20 e 34 anos, mais de 10% dos alemães sem origem migratória não tinham uma formação profissional. Já entre os filhos de migrantes nascidos e criados na Alemanha, essa taxa era de quase 20%.

Sucesso na escola depende da origem

Há anos, especialistas em educação criticam o sistema escolar alemão por deixar muitos jovens para trás.

O mais recente relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), encomendado pela OCDE, mostra que os estudantes alemães nunca estiveram tão mal em matemática, ciências e competências de leitura.

A queda no desempenho é atribuída, em parte, à interrupção das aulas durante a pandemia. No entanto, muito mais significativa é a desigualdade de oportunidades persistente ao longo dos anos. “Na Alemanha, o sucesso educacional ainda depende da origem social”, critica Anja Bensinger-Stolze, do Sindicato de Educação e Ciência.

Os mais afetados são aqueles que “não têm um bom ambiente de aprendizado em casa”: “Devido à interrupção das aulas, à falta de pessoal qualificado e de sistemas de apoio, as oportunidades educacionais deles estão se tornando cada vez menores.”

Barreiras linguísticas

Os problemas começam ainda na pré-escola. Atualmente, uma em cada cinco crianças com idade entre 3 e 6 anos não fala alemão em casa. Em Hessen, Berlim ou Bremen, essa é a situação de até um terço das crianças. Frequentar uma creche seria ainda mais importante para elas, mas, segundo um relatório do governo federal, apenas 81% de todas as crianças com origem migratória o fazem.

Isso se deve principalmente à falta de vagas nessas instituições, que a nível nacional chega a cerca de 350 mil.

Se as crianças não dominarem o alemão o suficiente quando forem escolarizadas, estarão em desvantagem desde o início. Isso as desmotiva. Elas precisam de apoio individual, de assistentes sociais e profissionais de educação. Mas tudo isso, assim como os professores, está em falta.

Crescente escassez de mão de obra qualificada na escola

Faltam atualmente 14 mil professores em todo o país, e a tendência é de esse número aumentar. A sindicalista Bensinger-Stolze projeta que esse déficit chegue a 56 mil vagas em tempo integral até 2035. “Os responsáveis políticos infelizmente não levaram a situação a sério por muito tempo. Por isso, é muito difícil aliviar ou melhorar a situação no curto prazo.”

A situação ameaça até mesmo programas que visam reduzir a evasão escolar.

Para os jovens que precisam do apoio desses profissionais, essas são más notícias.

Potencial a ser explorado

Aqueles que têm dificuldade para interpretar poemas e fazer cálculos avançados podem ter talentos e habilidades práticas. Eles são o público-alvo de empresas que buscam estagiários dispostos a trabalhar e aprender três dias por semana para, assim, encontrarem um caminho para uma profissão adequada.

A diretora da Agência Federal de Emprego, Andrea Nahles, defendeu começar a orientação profissional na escola já no quinto ano, ao qual as crianças costumam chegar aos 10 anos. Estágios regulares deveriam se tornar obrigatórios em todas as formas de escola, a fim de descobrir e promover mais talentos.

Além disso, a partir de 1º de abril de 2024, os jovens alemães terão garantido, por lei, o direito a uma formação profissional – mesmo aqueles que tenham desistido da escola.