Humanos e chimpanzés diferem em apenas 1% de seu DNA. As regiões aceleradas humanas (HARs, na sigla em inglês) são partes do genoma com uma quantidade inesperada dessas diferenças. As HARs permaneceram estáveis ​​em mamíferos por milênios, mas mudaram rapidamente nos primeiros humanos. Os cientistas há muito se perguntam por que esses pedaços de DNA mudaram tanto e como as variações diferenciam os humanos de outros primatas.

Pesquisadores dos Institutos Gladstone (EUA) analisaram milhares de HARs humanos e de chimpanzés e descobriram que muitas das mudanças acumuladas durante a evolução humana tinham efeitos opostos entre si. Suas conclusões aparecem em artigo publicado na revista Neuron.

Pergunta de longa data

“Isso ajuda a responder a uma pergunta de longa data sobre por que as HARs evoluíram tão rapidamente depois de ficarem congeladas por milhões de anos”, disse a drª Katie Pollard, diretora do Instituto Gladstone de Informação de Ciência e Biotecnologia e principal autora do novo estudo. “Uma variação inicial em uma HAR pode ter aumentado demais sua atividade e, então, precisou ser diminuída.”

As descobertas, afirmou ela, têm implicações para a compreensão da evolução humana. Além disso – como ela e sua equipe descobriram que muitas HARs desempenham papéis no desenvolvimento do cérebro –, o estudo sugere que variações nas HARs humanas podem predispor as pessoas a doenças psiquiátricas.

“Esses resultados exigiram ferramentas de aprendizado de máquina de ponta para integrar dezenas de novos conjuntos de dados gerados por nossa equipe, fornecendo uma nova lente para examinar a evolução das variantes de HAR”, disse o dr. Sean Whalen, primeiro autor do estudo e cientista sênior de pesquisa no laboratório de Pollard.

Ativação por aprendizado de máquina

Pollard descobriu as HARs em 2006, ao comparar os genomas humanos e de chimpanzés. Embora esses trechos de DNA sejam quase idênticos entre todos os humanos, eles diferem entre humanos e outros mamíferos. O laboratório de Pollard mostrou que a grande maioria das HARs não são genes, mas intensificadores – regiões reguladoras do genoma que controlam a atividade dos genes.

Mais recentemente, o grupo de Pollard queria estudar como as HARs humanas diferem das HARs dos chimpanzés em sua função de intensificador. No passado, isso exigiria o teste de HARs um de cada vez em camundongos, usando um sistema que cora os tecidos quando uma HAR está ativa.

Em vez disso, Whalen inseriu centenas de intensificadores cerebrais humanos conhecidos e centenas de outras sequências não intensificadoras em um programa de computador para que ele pudesse identificar padrões que previssem se qualquer trecho de DNA era um intensificador. Então ele usou o modelo para prever que um terço das HARs controla o desenvolvimento do cérebro.

“Basicamente, o computador foi capaz de aprender as assinaturas dos estimuladores do cérebro”, observou Whalen.

Efeitos opostos

Sabendo que cada HAR tem múltiplas diferenças entre humanos e chimpanzés, Pollard e sua equipe questionaram como variantes individuais em uma HAR impactavam sua força intensificadora. Por exemplo, se oito nucleotídeos de DNA diferissem entre uma HAR de chimpanzé e uma humana, todos os oito teriam o mesmo efeito, tornando o intensificador mais forte ou mais fraco?

“Há muito tempo nos perguntamos se todas as variantes nas HARs eram necessárias para que funcionassem de maneira diferente em humanos, ou se algumas mudanças estavam apenas pegando carona com outras mais importantes”, disse Pollard, que também é chefe de da divisão de bioinformática no Departamento de Epidemiologia e Bioestatística da Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF), bem como investigadora do Chan Zuckerberg Biohub.

Para testar isso, Whalen aplicou um segundo modelo de aprendizado de máquina, projetado originariamente para determinar se as diferenças de DNA de pessoa para pessoa afetam a atividade do intensificador. O computador previu que 43% das HARs contêm duas ou mais variantes com grandes efeitos opostos: algumas variantes em uma determinada HAR a tornaram um intensificador mais forte, enquanto outras alterações tornaram a HAR um intensificador mais fraco.

Esse resultado surpreendeu a equipe, que esperava que todas as mudanças empurrassem o intensificador na mesma direção, ou que algumas mudanças “caronas” não tivessem nenhum impacto no intensificador.

Medindo a força da HAR

Para validar essa previsão, Pollard colaborou com os laboratórios dos doutores Nadav Ahituv e Alex Pollen na UCSF. Os pesquisadores fundiram cada HAR a um pequeno código de barras de DNA. Cada vez que uma HAR estava ativa, aumentando a expressão de um gene, o código de barras era transcrito em um pedaço de RNA. Em seguida, os pesquisadores usaram a tecnologia de sequenciamento de RNA para analisar quanto desse código de barras estava presente em qualquer célula – indicando o quão ativa a HAR estava naquela célula.

“Esse método é muito mais quantitativo porque temos contagens exatas de códigos de barras em vez de imagens de microscopia”, afirmou Ahituv. “Também dá um rendimento muito maior; podemos olhar para centenas de HARs em um único experimento.”

Quando o grupo realizou seus experimentos de laboratório em mais de 700 HARs em precursores de células cerebrais humanas e de chimpanzés, os dados imitaram o que os algoritmos de aprendizado de máquina haviam previsto.

“Poderíamos não ter descoberto variantes HAR humanas com efeitos opostos se o modelo de aprendizado de máquina não tivesse produzido essas previsões surpreendentes”, disse Pollard.

Implicações para doenças psiquiátricas

A ideia de que as variantes HAR jogaram cabo de guerra sobre os níveis intensificadores se encaixa bem com uma teoria já proposta sobre a evolução humana: que a cognição avançada em nossa espécie também é o que nos deu doenças psiquiátricas.

“O que esse tipo de padrão indica é algo chamado evolução compensatória”, disse Pollard. “Uma grande mudança foi feita em um intensificador, mas talvez tenha sido demais e levou a efeitos colaterais prejudiciais, então a mudança foi reduzida ao longo do tempo – é por isso que vemos efeitos opostos.”

Se as mudanças iniciais nas HARs levaram a um aumento da cognição, talvez as mudanças compensatórias subsequentes tenham ajudado a reduzir o risco de doenças psiquiátricas, especulou Pollard. Seus dados, ela acrescentou, não podem provar ou refutar diretamente essa ideia. Mas, no futuro, uma melhor compreensão de como as HARs contribuem para as doenças psiquiátricas pode não apenas lançar luz sobre a evolução, mas também sobre novos tratamentos para essas doenças.

“Nunca podemos voltar no tempo e saber exatamente o que aconteceu na evolução”, afirmou Pollard. “Mas podemos usar todas essas técnicas científicas para simular o que pode ter acontecido e identificar quais alterações no DNA têm maior probabilidade de explicar aspectos únicos do cérebro humano, incluindo sua propensão a doenças psiquiátricas.”