11/01/2023 - 11:17
De muitas maneiras, Madagascar é o sonho de um biólogo, um experimento da vida real de como o isolamento em uma ilha pode desencadear a evolução. Cerca de 90% das plantas e animais não são encontrados em nenhum outro lugar da Terra. Mas essas plantas e animais estão em apuros, graças à perda de habitat, caça excessiva e mudanças climáticas. Das 219 espécies de mamíferos conhecidas na ilha, incluindo 109 espécies de lêmures, mais de 120 estão ameaçadas de extinção.
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Um novo estudo publicado na revista Nature Communications examinou quanto tempo levou para o surgimento de espécies modernas únicas de mamíferos de Madagascar e estimou quanto tempo levaria para um conjunto igualmente complexo de novas espécies de mamíferos evoluir em seu lugar se os ameaçados de extinção fossem extintos. O resultado: 23 milhões de anos, muito mais do que os cientistas descobriram para qualquer outra ilha.
“É bastante claro que existem linhagens inteiras de mamíferos únicos que só ocorrem em Madagascar que foram extintos ou estão à beira da extinção e, se uma ação imediata não for tomada, Madagascar perderá 23 milhões de anos de história evolutiva de mamíferos, o que significa que linhagens inteiras únicas na face da Terra nunca mais existirão”, disse Steve Goodman, biólogo de campo no Field Museum de Chicago (EUA) e diretor científico da Association Vahatra em Antananarivo (Madagascar), e um dos autores do artigo.
Minicontinente
Madagascar é a quinta maior ilha do mundo, com aproximadamente o tamanho da França. Em termos de todos os diferentes ecossistemas presentes em seu território, porém, “é menos como uma ilha e mais como um minicontinente”, afirmou Goodman. Nos 150 milhões de anos desde que Madagascar se separou do continente africano e nos 80 milhões desde que se separou da Índia, as plantas e animais de lá seguiram seus próprios caminhos evolutivos, isolados do resto do mundo. Esse conjunto genético menor, juntamente com a riqueza de diferentes tipos de habitat de Madagascar – de florestas tropicais montanhosas a desertos de planície –, permitiu que os mamíferos se dividissem em diferentes espécies muito mais rapidamente do que seus parentes continentais.
Essa incrível biodiversidade, no entanto, tem um custo: a evolução acontece mais rapidamente nas ilhas, mas a extinção também. Populações menores que são especialmente adaptadas a trechos menores e únicos de habitat são mais vulneráveis a ser exterminadas e, uma vez que desaparecem, desaparecem de vez. Mais da metade dos mamíferos de Madagascar estão incluídos na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, também conhecida como Lista Vermelha da IUCN. Esses animais estão ameaçados sobretudo por causa das ações humanas nos últimos 200 anos, especialmente a destruição do habitat e a caça excessiva.
Uma equipe internacional de cientistas malgaxes, europeus e americanos, incluindo Goodman, colaborou para estudar a iminente extinção dos mamíferos ameaçados de Madagascar. Eles construíram um conjunto de dados de todas as espécies conhecidas de mamíferos que coexistiram com humanos em Madagascar nos últimos 2.500 anos. (Os humanos têm vivido na ilha, talvez de forma intermitente, nos últimos 10 mil anos, mas têm permanecido constantes lá nos últimos 2.500.) Os cientistas reuniram dados de 219 espécies conhecidas de mamíferos vivos hoje, além de mais 30 que foram extintas ao longo dos últimos dois milênios, incluindo um lêmure do tamanho de um gorila extinto entre 500 e 2 mil anos atrás.
Impossibilidade de recuperação
Armados com esse conjunto de informações sobre todos os mamíferos malgaxes conhecidos que interagiram com humanos, os pesquisadores construíram árvores genealógicas genéticas para estabelecer como todas essas espécies estão relacionadas entre si e quanto tempo levou para evoluir de seus vários ancestrais comuns. Então, os cientistas conseguiram extrapolar quanto tempo levou para essa quantidade de biodiversidade evoluir e, assim, estimar quanto tempo levaria para a evolução “substituir” todos os mamíferos ameaçados de extinção se eles desaparecessem.
Para reconstruir a diversidade de mamíferos terrestres extintos nos últimos 2.500 anos, seriam necessários cerca de 3 milhões de anos. Mas o mais alarmante é que os modelos sugeriram que, se todos os mamíferos atualmente ameaçados fossem extintos, levaria 23 milhões de anos para reconstruir esse nível de diversidade. Isso não significa que, se deixarmos todos os lêmures, tenreques, fossas e outros mamíferos malgaxes únicos serem extintos, a evolução os recriará se esperarmos cerca de 23 milhões de anos. “Seria simplesmente impossível recuperá-los”, afirmou Goodman. Em vez disso, o modelo significa que, para atingir um nível semelhante de complexidade evolutiva, qualquer que seja a aparência dessas novas espécies, seriam necessários 23 milhões de anos.
Luis Valente, biólogo do Naturalis Biodiversity Center e da Universidade de Groningen (ambos na Holanda) e autor correspondente do estudo, disse ter ficado surpreso com a descoberta. “É muito mais longo do que estudos anteriores encontraram em outras ilhas, como Nova Zelândia ou Caribe”, observou ele. “Já se sabia que Madagascar era um hotspot de biodiversidade, mas esta nova pesquisa contextualiza o quão valiosa é essa diversidade. Essas descobertas destacam os ganhos potenciais da conservação da natureza em Madagascar a partir de uma nova perspectiva evolutiva.”
Ponto crítico
De acordo com Goodman, Madagascar está em um ponto crítico para proteger sua biodiversidade. “Ainda existe uma chance de consertar as coisas, mas, basicamente, temos cerca de cinco anos para realmente avançar na conservação das florestas de Madagascar e dos organismos que essas florestas abrigam”, afirmou ele.
Esse trabalho urgente de conservação é dificultado pela desigualdade e pela corrupção política que mantém as decisões sobre o uso da terra fora do alcance da maioria dos malgaxes, avaliou Goodman: “A crise biológica de Madagascar não tem nada a ver com a biologia. Tem a ver com a socioeconomia”. Mas enquanto a situação é terrível, ele considera, “não podemos jogar a toalha. Somos obrigados a avançar nessa causa o máximo que pudermos e tentar fazer o mundo entender que é agora ou nunca.”