Promotores teriam encontrado evidências de que o ex-presidente deposto Yoon Suk Yeol enviou drones sobre Pyongyang, na tentativa de provocar uma reação que justificasse decreto de lei marcial.Promotores sul-coreanos que investigam o ex-presidente Yoon Suk Yeol, deposto recentemente após um processo de impeachment, teriam encontrado evidências de que o ex-líder ordenou o envio de drones militares sobre a capital da Coreia do Norte, Pyongyang.

Segundo relatos surgidos esta semana na Coreia do Sul, investigadores obtiveram gravações de áudio de comunicações entre o então presidente e os militares sobre os supostos envios de drones.

Analistas avaliam que as incursões, que teriam ocorrido em outubro de 2024, provavelmente tinham a intenção de provocar uma reação da Coreia do Norte. Nesse cenário, Yoon poderia justificar declarar estado de emergência nacional e impor a lei marcial – algo que ele acabaria fazendo em dezembro.

O ex-presidente enfrenta acusações criminais por insurreição devido à sua breve declaração de lei marcial em 3 de dezembro, alegando que era necessário proteger a nação das forças “comunistas norte-coreanas” e “antiestatais”, mas não apresentou nenhuma evidência para suas alegações.

Yoon ainda usou os militares para tentar impedir que a medida fosse suspensa em uma sessão do Congresso. A disputa abriu a pior crise política em décadas no país.

Por que Yoon teria enviado os drones?

Choo Jae-woo, professor de política externa da Universidade Kyung Hee em Seul, explicou que há apenas dois motivos para um presidente declarar lei marcial, um dos quais é “agressão externa ou invasão”.

“Parece que, após provocar a Coreia do Norte, Yoon esperava uma retaliação que pudesse usar para justificar a declaração de lei marcial”, disse Choo à DW. “Mas o plano saiu pela culatra quando o Norte não respondeu militarmente.” Pyongyang protestou contra as incursões, mas não reagiu da forma esperada por Yoon.

Sua tentativa de usar os militares para tomar completamente o controle do governo em dezembro durou apenas algumas horas. Ele sofreu o impeachment e foi suspenso 10 dias depois, sendo preso em janeiro.

A acusação de insurreição do ex-líder é punível com prisão perpétua ou pena de morte, embora a Coreia do Sul não tenha realizado nenhuma execução em décadas.

Promotores pedem novo mandado de prisão

Yoon, que foi libertado sob fiança em março, negou as acusações, afirmando que “a lei marcial não é um golpe de Estado” e que sua declaração foi concebida como uma “mensagem de paz” à nação para jogar luz sobre as intenções da oposição contra o governo.

Ele foi interrogado novamente em Seul no sábado e, um dia depois, promotores especiais entraram com um pedido de um novo mandado de prisão por suposto abuso de poder, falsificação de documentos oficiais, violação da lei de segurança presidencial e obstrução de funções oficiais.

De acordo com a imprensa sul-coreana, uma audiência para confirmar o mandado de prisão foi marcada para esta quarta-feira. Yoon deverá comparecer pessoalmente para apresentar seus argumentos ao tribunal.

As autoridades afirmam que as alegações de traição, que incluem o envio de drones para a Coreia do Norte, não foram incluídas nas acusações, pois ainda estão sendo investigadas, mas poderão ser adicionadas posteriormente.

Como a situação chegou a esse ponto?

Em outubro de 2024, houve relatos de drones sobrevoando Pyongyang, localizada 210 quilômetros ao norte da Zona Desmilitarizada que divide a Península da Coreia, em três ocasiões.

A Coreia do Norte publicou supostas imagens dos drones e, posteriormente, afirmou ter encontrado os restos de um dos veículos aéreos não tripulados que havia sido abatido após o lançamento de panfletos de propaganda.

O Ministério da Defesa rejeitou rapidamente as alegações. A pasta, no entanto, voltou atrás horas depois, afirmando que não podia confirmar ou negar os relatos.

A Coreia do Norte ameaçou realizar ataques retaliatórios contra o Sul em resposta aos panfletos de propaganda repletos de “rumores inflamatórios e lixo”. Embora tenha condenado Seul e afirmado que o incidente “poderia ser considerado um ataque militar”, Pyongyang acabou não lançando uma retaliação do outro lado da fronteira.

A equipe especial de investigação criada para analisar as ações de Yoon no cargo obteve uma gravação na qual um oficial sênior do Comando de Operações de Drones afirmou que seu comandante havia recebido de “V” – denominação usada pelo Exército sul-coreano para o presidente em exercício – a ordem para realizar a operação, informou o Korea JoongAng Daily em 3 de julho.

Investigações posteriores revelaram que dois drones de reconhecimento foram dados como desaparecidos perto da fronteira em outubro. Um relatório do Ministério da Defesa afirmava que os motivos da perda dos veículos eram “desconhecidos”.

Aposta arriscada de Yoon

“É claro que a situação poderia ter sido muito grave”, disse Choo. “As trocas de farpas que se seguiram podiam ter sido não apenas escaramuças localizadas perto da fronteira, mas ter se intensificado. Tivemos muita sorte que o Norte decidiu não responder.”

Dan Pinkston, professor de relações internacionais no campus de Seul da Universidade Troy, destacou que o suposto envio de drones era parte de uma série de incidentes transfronteiriços de retaliação durante o governo de Yoon, o que ajudou a aumentar as tensões com Pyongyang.

Ele lembrou que a Coreia do Norte vinha enviando drones espiões para o Sul e bloqueando sinais de GPS perto da fronteira, o que afetou os voos que chegavam e partiam do aeroporto de Incheon.

“Também havia grupos no Sul enviando balões pela fronteira carregando panfletos de propaganda, pequenas quantidades de comida, dinheiro e remédios, com o Norte respondendo com balões carregados de lixo”, acrescentou Pinkston.

Mas a ordem de Yoon para que drones militares penetrassem no espaço aéreo da Coreia do Norte era mais grave, disse o professor, pois representava “uma clara violação do armistício que pôs fim às hostilidades na Guerra da Coreia” (1950-1953). Desde então, os dois países vizinhos ainda estão oficialmente em estado de guerra.

Além disso, “parece que foi feito sem informar os Estados Unidos ou o Comando das Nações Unidas na fronteira”, disse o professor.
Ameaça de uma “guerra devastadora”

A ordem de Yoon para as incursões poderia facilmente ter saído pela culatra, disse Pinkston.

“É difícil entender o raciocínio por trás dessa decisão, mas ela colocou o país sob risco de uma guerra devastadora”, observou.

“Foi uma medida extrema que colocou em risco o território da Coreia do Sul, o povo e os bens da nação, tudo para que Yoon pudesse assumir um regime autoritário mais rígido”, disse Pinkston.

“Não há explicação lógica para o que ele fez.”