12/12/2020 - 8:48
Cinco anos depois de desempenhar papel-chave na assinatura do histórico pacto global para combater as mudanças climáticas, país vê sua imagem arranhada por desmatamento recorde e alta de emissões sob Bolsonaro.Quando o histórico Acordo de Paris foi assinado por mais de 190 países para reverter a crise climática, em 12 de dezembro de 2015, o Brasil chegava ao fim das longas semanas de reuniões com um papel de destaque. Nomeado pela presidência da Conferência do Clima sediada na capital francesa para destravar pontos essenciais das negociações, o Ministério do Meio Ambiente conseguiu o feito. O pacto alcançado foi celebrado como o maior esforço global para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, assim, frear as mudanças climáticas.
Cinco anos depois, com um desmatamento recorde e emissões em alta, o Brasil, isolado, vê sua imagem cada vez mais arranhada no cenário internacional e se distancia dos compromissos que assumiu em Paris.
Desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, a política ambiental desandou num ritmo acelerado. A taxa oficial de desmatamento da maior floresta tropical do mundo em 2020, de 11.088 km², é 70% maior que a média da década anterior (6.500 km² por ano). Junto com as queimadas, essa fonte foi responsável por 72% das emissões do Brasil em 2019, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
Sob Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, recursos internacionais que apoiavam projetos para manter a floresta em pé, por meio do Fundo Amazônia, foram paralisados. O aumento das queimadas, das invasões de terras indígenas e áreas protegidas, além da intenção flagrada em vídeo de aproveitar a pandemia para flexibilizar normas e “passar a boiada”, completam o cenário.
“Hoje a gente vê um Brasil que perdeu totalmente sua liderança internacional, que vai a qualquer reunião com o chapéu na mão para pegar dinheiro – que não virá”, lamenta Thelma Krug, pesquisadora aposentada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-diretora de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.
Com o desmonte generalizado e falas do governo que estimulam crimes ambientais, segundo a análise de Krug, o país vive um desastre. “Nós estamos totalmente na contramão da história, na contramão de olhar para essa questão climática e ambiental de forma séria, responsável e crível”, critica.
Longe de metas nacionais e internacionais
Essa desorganização interna faz com que o país se afaste das metas que prometeu no Acordo de Paris e o torna incapaz de cumprir suas próprias leis, como a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
Regulamentada em 2010, essa política fixou que, em 2020, o corte do desmatamento da Amazônia deveria ser de 80% em relação à média verificada entre 1996 e 2005. Na prática, a destruição deveria atingir uma área máxima de 3.925 km².
“Os números do desmatamento revelam que o Brasil não vai cumprir a Política Nacional sobre Mudança do Clima já que, atualmente, a taxa está três vezes acima da meta de 2020”, ressalta Izabella Teixeira, que chefiou o ministério do Meio Ambiente de 2010 a 2016 e liderou a comitiva brasileira na conferência de Paris em 2015.
Isso faz com que a desconfiança aumente, analisa Carlos Rittl, pesquisador visitante do Instituto de Estudo Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha. “Se aquilo que é uma obrigação legal dentro do arcabouço nacional, como é a PNMC, não será cumprido, quem pode confiar que o Brasil vai cumprir uma meta internacional?”, questiona.
Os compromissos do Acordo de Paris
No Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a chegar a 2025 liberando 37% a menos de gases estufa na atmosfera em relação aos índices de 2005. Para 2030, o plano seria de redução de 43%. Além disso, o país afirmou que zeraria o desmatamento ilegal até 2030, compensaria as emissões de gases vindos da supressão legal da vegetação, e restauraria e reflorestaria 12 milhões de hectares de florestas até o fim da atual década.
Essas obrigações estão no documento chamado de Contribuição Nacionalmente Determinada, ou NDC, na sigla em inglês. Ele é a base para que o objetivo maior do pacto mundial seja alcançado: limitar o aquecimento do planeta a no máximo 2 ºC em relação ao nível pré-industrial até 2100. No entanto, o acordo diz que “vai perseguir esforços para limitar o aumento a 1,5 ºC”, e reconhece que, assim, os riscos e impactos das mudanças climáticas seriam reduzidos.
Para que essa conta feche, as emissões de gases do efeito estufa, que aquecem o planeta e aceleram as mudanças climáticas, teriam que ser reduzidas drasticamente. Os 196 países que assinaram o acordo estipularam em suas NDCs metas internas de corte – mas elas são insuficientes para segurar a subida do termômetro.
Por isso é preciso aumentar a ambição, rever as promessas e submeter novos números ao órgão da ONU que gerencia o Acordo de Paris, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCC).
Postura “vergonhosa”
Mas não foi o que o Brasil fez. Numa apresentação feita na última quarta-feira (09/12), considerada “vergonhosa” por especialistas, Salles manteve os números apresentados na NDC de 2015, do governo Dilma Rousseff. O ministrou anunciou ainda a intenção de atingir a neutralidade em carbono em 2060 – dez anos mais tarde do que o prometido pela maioria dos países.
Essa última meta, no entanto, poderia ser antecipada caso nações ricas doassem ao Brasil 10 bilhões de dólares por ano já a partir de 2021, argumentou o ministro. Essa condição causou embaraço a quem participou das negociações de Paris.
“O Brasil sempre mostrou primeiro a redução das emissões pelo desmatamento para depois receber recursos de fora, principalmente através do Fundo Amazônia”, critica Thelma Krug. “É preciso, antes disso, de pedir dinheiro, implementar as políticas necessárias que mostrem, primeiro para a gente e depois para o mundo, que o Brasil é um país sério.”
Dias antes do anúncio de Salles, o Observatório do Clima, rede de 56 organizações da sociedade civil, propôs que o país submetesse uma nova NDC com corte de emissões líquidas de 81% até 2030 em relação aos níveis de 2005. Isso significaria uma carga máxima de 400 milhões de toneladas de gases emitidas por ano – a taxa atual é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas.
Tempo se esgotando
Pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam há anos que o tempo está se esgotando para conter as mudanças climáticas. O aumento registrado da temperatura média global em 1 ºC em comparação ao período antes da Revolução Industrial já provoca impactos perceptíveis em todo mundo, como secas mais severas e tempestades mais intensas.
“A questão está realmente em limitar as emissões. Não caiu a ficha dos países ainda. Se tivesse caído, os países iriam ver que os impactos da mudança do clima, do aquecimento, são péssimos para a economia, para a saúde, a agricultura, ecossistemas, e o dinheiro que será gasto com tudo isso”, afirma Krug.
Com a prometida volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris após a eleição de Joe Biden, Rittl espera que o novo arranjo geopolítico traga alguma notícia boa vinda do Brasil. “O governo Bolsonaro está jogando fora todas as oportunidades. Acha que pode desmatar, desmatar e desmatar para produzir porque o mundo vai comprar. Mas há sinais de que isso não vai funcionar por muito tempo”, comenta sobre acordos comerciais que consideram a sustentabilidade.
Para a ex-ministra Izabella Teixeira, o Brasil seria mais competitivo e inclusivo com uma economia de baixo carbono. “Eu torço para que o país dê certo porque o mundo precisa das soluções do Brasil. Na agricultura, por exemplo, o país pode influenciar tremendamente novos caminhos, com uma economia que mantém as florestes de pé, que consegue avançar com matriz energética renovável. O Brasil tem soluções, essa é a diferença. Mas as decisões precisam ser tomadas o mais rápido possível”, pontua.
Procurados pela DW Brasil, o Ministério do Meio Ambiente e o Itamaraty não se manifestaram até o fechamento desta reportagem.