Segundo a Anistia Internacional, número saltou para mais de 1,5 mil em 2024 – o maior desde 2015. Mas estima-se que cifra real seja muito maior. China, Irã e Arábia Saudita lideram ranking.O mundo registrou um pico acentuado de execuções por pena de morte no último ano, afirmou nesta terça-feira (08/04) a organização de direitos humanos Anistia Internacional. Por trás destas estatísticas estão sobretudo três países: Irã, Arábia Saudita e Iraque, que juntos respondem por 90% dos casos registrados.

No topo da lista está o Irã, que executou pelo menos 972 pessoas em 2024, ante 853 no ano anterior.

Já na Arábia Saudita, os números dobraram para pelo menos 345 — o maior já registrado para o país pelo órgão de direitos humanos. No Iraque, a pena de morte foi implementada 63 vezes, quase quadruplicando os números em comparação a 2023.

A Anistia Internacional, no entanto, nomeou a China como o “principal carrasco do mundo” em seu relatório anual, dizendo que há indícios de que milhares de pessoas foram executadas lá. O país, porém, se recusa a divulgar dados. Coreia do Norte e Vietnã também são suspeitos de recorrerem extensivamente à pena de morte.

O silenciamento da dissidência

A Arábia Saudita viu uma escalada acentuada nas execuções, apesar da agenda de modernização do príncipe herdeiro Mohammad bin Salman e suas promessas de coibir sua aplicação. Segundo a Anistia Internacional, o esmagamento da dissidência política foi um dos principais motivos.

A ONG disse ainda que as autoridades sauditas continuaram a usar a pena de morte como arma para punir cidadãos da minoria xiita do país que apoiaram protestos “antigovernamentais” entre 2011 e 2013.

Em agosto, as autoridades executaram Abdulmajeed al-Nimr por crimes relacionados a terrorismo e a uma suposta adesão à Al-Qaeda, apesar dos documentos judiciais iniciais que claramente se referiam à sua participação em protestos.

“Na mídia, vimos como as autoridades usaram esse caso para criar uma narrativa relacionada ao terrorismo e a crimes relacionados ao terrorismo, o que mostra como o terrorismo pode ser usado como uma ferramenta para promover a percepção de que a pena de morte é necessária para reprimir a dissidência e proteger o público”, diz Chiara Sangiorgio, especialista em pena de morte da Anistia Internacional.

No Irã, houve mais duas execuções em conexão com os protestos nacionais desencadeados pela morte de Mahsa Amini sob custódia policial em 2022. Uma delas foi a de Mohammad Ghobadlou, de 23 anos, um manifestante com problemas de saúde mental.

“Aqueles que ousam desafiar as autoridades enfrentam as punições mais cruéis, especialmente no Irã e na Arábia Saudita, com a pena de morte sendo usada para silenciar aqueles corajosos o suficiente para falar”, afirma a diretora da Anistia Internacional, Agnès Callamard.

Crimes de drogas

Mais de 40% das execuções em 2024 foram relacionadas a drogas. A execução da pena de morte por crimes de drogas também é amplamente dominante em Singapura e na China, de acordo com o relatório da Anistia.

“Em muitos contextos, a condenação de pessoas à morte por delitos relacionados a drogas tem um impacto desproporcional sobre pessoas de origens desfavorecidas, embora não tenha efeito comprovado na redução do tráfico de drogas”, observa Callamard.

Callamard defende que nações que atualmente consideram introduzir a pena de morte para crimes relacionados a drogas, como Maldivas, Nigéria e Tonga, devem ser confrontadas e encorajadas a colocar os direitos humanos no centro de suas políticas sobre o tema.

Enquanto isso, na Malásia, cerca de mil pessoas que estavam no corredor da morte – muitas por acusações de tráfico de drogas – tiveram suas penas suspensas como resultado de reformas colocadas em prática em 2023. O país removeu a pena de morte obrigatória para crimes como tráfico.

Estados Unidos, um caso atípico

Entre as democracias ocidentais, os EUA continuam sendo a exceção em relação ao uso da pena de morte. Embora tenha havido apenas um ligeiro aumento nos números gerais em 2024, passando de 24 para 25 execuções, houve tendências preocupantes, avalia a Anistia Internacional.

“Os números falam de totais históricos muito baixos, tanto em termos de execuções quanto de sentenças, mas no ano passado também vimos quatro estados retomando as execuções: Carolina do Sul, Geórgia, Utah e Indiana. Isso foi profundamente preocupante, pois esses eram estados onde isso não acontecia há muitos anos”, diz Sangiorgio.

No Alabama, o número de execuções dobrou e passou a incluir entre seus métodos a morte por gás nitrogênio – algo que, segundo observadores da ONU, pode equivaler a tortura.

Uma luz no fim do túnel

Apesar do aumento alarmante nas execuções em 2024, o relatório da Anistia aponta que a pena de morte é praticada por cada vez menos países: foram 15 no ano passado, o segundo ano consecutivo em que o número foi tão baixo. “Isso sinaliza um afastamento dessa punição cruel, desumana e degradante”, avalia Callamard. “Fica claro que os países que mantêm a pena de morte são uma minoria isolada.”

Um total de 145 países já aboliram a pena de morte na lei ou na prática. E pela primeira vez, dois terços da Assembleia Geral da ONU votaram a favor de suspender temporariamente esse tipo de punição.

Em 2024, o Zimbábue sancionou uma lei que aboliu a pena de morte, mantendo o direito de restabelecê-la em caso de estado de emergência. Espera-se que cerca de 60 pessoas tenham suas sentenças de morte comutadas. Seis outros países africanos tomaram medidas semelhantes desde 2021.

Chiara Sangiorgio saudou as tendências que apontam para a abolição da pena de morte no continente africano. “No geral, a história na África tem sido uma história de sucesso, uma história de esperança, de liderança quando se trata de direitos humanos e de não comprar a narrativa da pena de morte como a solução mágica para o crime e os problemas”, avalia.