Você compraria uma banana por milhões de dólares?

Foi o que Justin Sun, colecionador chinês e fundador da plataforma de criptomoedas Tron, acabou de fazer. Na quarta-feira (20/11), ele arrematou uma obra de arte do italiano Maurizio Cattelan intitulada “Comedian” (“Comediante”), em um leilão da Sotheby’s, por 6,2 milhões de dólares (R$ 35,9 milhões) — excedendo em muito a estimativa inicial máxima da casa de leilões, que previa um valor máximo de 1,5 milhão de dólares.

Não, não se trata de uma banana feita de ouro maciço. A obra conceitual consiste meramente em uma banana comestível comum, fixada numa parede com um pedaço de fita adesiva.

Logo após o leilão, Justin Sun disse que pretendia comer a banana “como parte dessa experiência artística única”.

“Ideia conceitual essencial”

Cattelan, um artista conceitual conhecido por seu trabalho satírico e provocativo, causou espanto com a obra na feira de arte Art Basel Miami Beach de 2019. A galeria Perrotin vendeu três edições da Comedian a preços que variaram de 120 mil dólares (R$ 694,8 mil) a 150 mil dólares (R$ 868,5 mil).

Em uma entrevista concedida em 2021 ao The Art Newspaper, Cattelan disse: “Para mim, ‘Comedian’ não era uma piada; era um comentário sincero e uma reflexão sobre o que valorizamos. Em feiras de arte, velocidade e negócios reinam, então eu vi assim: se eu tivesse que estar em uma feira, eu poderia vender uma banana como outros vendem suas pinturas. Eu poderia jogar dentro do sistema, mas com minhas regras”.

A peça foi o assunto no mundo da arte por um tempo e dividiu opiniões: uns elogiaram a abordagem sobre consumismo e a arte em si, outros a taxaram como uma das piores obras daquela edição da feira.

Mas o que o vencedor realmente comprou no leilão? Justin Sun não receberá uma fruta mofada, nem mesmo uma em conserva, mas sim uma banana fresca, um rolo de fita adesiva e instruções detalhadas sobre como exibir a obra –
e substituir a peça de fruta sempre que esta apodreça -, juntamente com um certificado de autenticidade.

Assim como os NFTs, o que você está comprando não é a obra física real criada pelas mãos do artista, mas a ideia da obra de arte — que, afinal, é do que se trata arte conceitual.

“Se, em sua essência, ‘Comedian’ questiona a própria noção do valor da arte, então colocar a obra em leilão em novembro será a realização final de sua ideia conceitual essencial — o público finalmente terá uma palavra a dizer para decidir seu verdadeiro valor”, disse o chefe de arte contemporânea da casa de leilões para as Américas, David Galperin, em um comunicado.

Banana em um novo patamar

Um dos colegas de Cattelan, o artista performático georgiano David Datuna, encontrou valor nutricional na obra: na Art Basel Miami Beach, ele tirou a banana da fita e a comeu, em uma intervenção artística que intitulou “Artista Faminto”.

Em uma entrevista em 2019 ao jornal britânico The Guardian após o ato, Datuna criticou a venda da obra por tanto dinheiro, mas disse sobre Cattelan: “Eu acho que ele é um gênio. A arte é sobre comédia, sobre diversão, sobre tragédia, sobre emoções. Ele interpretou isso muito bem. Eu amo a banana de Andy Warhol, mas acho que Cattelan colocou a banana em um patamar diferente.”

O artista pop americano Andy Warhol, que tinha formação em publicidade, fez objetos quase fetichistas com itens domésticos comuns, incluindo bananas.

Warhol usou esse motivo para a capa icônica do álbum The Velvet Underground & Nico, criando um adesivo de uma casca de banana amarela que descascava para revelar uma fruta estranhamente rosa por baixo.

Mas, diferentemente da banana de Cattelan, onde o alto preço de venda é determinado por sua escassez, Warhol pretendia que seu trabalho fosse infinitamente reproduzível e adequado para um mercado de massa.

No verdadeiro estilo warholiano, ele nunca registrou direitos autorais sobre a imagem icônica da banana, deixando a porta aberta para outros artistas a usarem.

Um deles é o artista alemão Thomas Baumgärtel, que pintou com spray sua versão da banana de Warhol nas fachadas de mais de 4.000 museus e galerias em todo o mundo desde 1986.

Às vezes, uma banana não é apenas uma banana

A banana tem sido frequentemente usada para efeito simbólico na arte. Sua forma fálica a tornou um ícone da sexualidade masculina — como sugerido pelo trabalho de Warhol — mas também em obras de pintores como Frida Kahlo, enquanto suas origens tropicais a tornam um elemento recorrente do exótico para artistas europeus.

Ambos os elementos estão em jogo em “Consumer Art”, um trabalho em vídeo e foto da década de 1970 da pioneira artista feminista polonesa Natalia LL, que retratou uma modelo comendo lenta e sugestivamente vários alimentos, incluindo uma banana. Esse trabalho é provocativo não apenas por seu elemento sensual — o que levou o Museu Nacional da Polônia a removê-lo de uma exposição em 2019, provocando chacota generalizada — mas também porque, na época em que foi feito, as bananas eram um item de luxo na Polônia, então parte do bloco soviético.

Com as mudanças climáticas e a ameaça de um fungo a algumas plantações de banana, o que tem elevado os preços, é possível que a fruta volte a se tornar um luxo exótico.

E então a banana de 6 milhões de dólares de Maurizio Cattelan pode não parecer mais tão absurda.