07/01/2021 - 7:46
Devido ao volume insuficiente dos lotes, o Reino Unido decidiu adiar a dose de reforço a fim de dar a mais britânicos a chance de receber logo a primeira vacinação. Decisão gera debate acalorado nos meios científicos.A rigor, a aplicação da segunda dose da vacina contra a covid-19 deve ocorrer num prazo de pelo menos três semanas. Devido à carência da droga, porém, no Reino Unido a segunda vacinação está sendo adiada, para que mais indivíduos possam receber a primeira. As autoridades nacionais defendem a noção de que um atraso de até 12 semanas não compromete a eficácia do imunizante.
A medida britânica gerou acalorados debates no continente europeu, e as opiniões dos especialistas diferem grandemente – o que não contribui necessariamente para aumentar a confiança nas substâncias recém-desenvolvidas. Claro está que uma dose de reforço é indispensável, pois desencadeia uma forte resposta imunológica.
Obedecer os estudos?
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês), não mais responsável pelo Reino Unido desde o Brexit, vê a decisão do país com ceticismo: embora um intervalo máximo entre as doses da vacina da Biontech-Pfizer não esteja explicitamente definido, o certificado de eficácia se baseia num estudo em que as doses foram ministradas com 19 a 42 dias de distância. Assim, uma dose de reforço após cerca de seis meses não estaria de acordo com as especificações, exigindo tanto uma modificação da licença quanto dados clínicos adicionais.
Também a fabricante Pfizer se baseia no estudo da fase 3, em que só se examinou a eficácia da vacinação após duas doses separadas por três semanas. Em parte já se registra um certo grau de proteção contra o novo coronavírus 12 dias após a primeira dose, mas não há dados para além de três semanas.
Também Klaus Cichutek, presidente do Instituto Paul Ehrlich (PEI), órgão federal alemão encarregado de vacinas e medicamentos biomédicos, pleiteia que se respeite o procedimento prescrito, pois só para ele são válidos os dados disponíveis sobre eficácia e segurança.
Ou flexibilização do intervalo?
Em contrapartida, Thomas Mertens, presidente da Comissão Permanente de Vacinação (Stiko) do Instituto Robert Koch, vê aspectos positivos na ideia britânica: “Uma vez que a distância entre as duas vacinações pode, muito provavelmente, ser amplamente variável, e a proteção após uma dose já é muito boa, é francamente cogitável, em caso de falta de imunizante, de preferência ministrar-se a primeira dose.”
O virologista Hendrik Streeck, sediado em Bonn, argumenta na mesma linha: os dados teriam mostrado que, já após a primeira vacinação, mais da metade dos medicados estava protegida da covid-19. Assim, adiar a segunda dose poderia duplicar as capacidades de imunização em massa.
Também o diretor do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de Tübingen, Peter Kremsner, acredita haver uma certa flexibilidade: “Em princípio, a abordagem britânica faz muito sentido. Como com outras vacinas, provavelmente também se pode dar a segunda dose dois a três meses mais tarde, já que, ao que tudo indica, a primeira dose já tem uma alta eficácia.”
“Se o efeito da primeira vacinação não decair rapidamente”, prossegue o médico, “a dose de reforço também poderia ser dada mais tarde, por exemplo, só após seis meses. É algo que ainda não sabemos. Com outras vacinas, é assim que se faz.”
O que diz a Organização Mundial da Saúde?
Os países europeus que estão iniciando a vacinação com o imunizante da Biontech-Pfizer contra a covid-19 devem ser flexíveis em termos de tempo entre a primeira e a segunda dose, disse o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Europa, Hans Kluge, nesta quinta-feira (07/01).
Kluge afirmou ser importante alcançar um equilíbrio entre tirar o máximo proveito da quantidade limitada de doses disponíveis e proteger o maior número possível de pessoas.
Nesta terça-feira, a OMS havia afirmado que, apesar de recomendar que ambas as doses sejam aplicadas dentro de um período de 21 a 28 dias, sob “circunstâncias excepcionais”, a segunda dose da vacina da Biontech-Pfizer pode ser aplicada até seis semanas após a primeira.
Assunto para a política
Leif Erik Sander, diretor do Grupo de Pesquisa de Infecto-Imunologia e Vacinas do Hospital Charité de Berlim, igualmente é a favor de uma “flexibilização do intervalo de inoculação”, segundo o Science Media Centre.
No caso da vacina da Biontech-Pfizer, as três semanas seriam, antes, um prazo mínimo: há uma certa margem, e a segunda pode ser adiada “sem que se conte com perda significativa de eficácia”. No entanto, trata-se apenas de uma estratégia provisória, frisa Sander: é importante todos os vacinados receberem uma segunda dose.
Falando ao jornal Die Zeit, ele lembrou que a segunda aplicação da vacina da AstraZeneca-Oxford transcorreu após seis semanas, e que os dados “mostram que um reforço adiado pode até intensificar a reação dos anticorpos”. “Esse fenômeno é conhecido de outros estudos, por exemplo das vacinas do ebola”, afirmou.
Diante da diversidade das opiniões cientificas, o ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, ordenou que se verifique a possibilidade de adiar a segunda vacinação contra a covid-19. A Stiko divulgará uma recomendação, após estudar os dados pertinentes.