Jogadora do KV Dinamo, Nayara Ferreira foi suspensa após denúncias de times rivais. Federação é acusada de discriminação contra atleta, que realizou o exame e se diz “destruída” pelas acusações.Uma decisão recente da Federação Albanesa de Voleibol (FSHV) de suspender a jogadora brasileira Nayara Ferreira e exigir que ela seja submetida a um teste de gênero tem gerado crescentes críticas no país dos Balcãs. O caso se tornou público no final de outubro e levou a fortes pressões contra a FSHV, acusada de discriminação contra a atleta.

Ferreira, que defende o KV Dinamo, time da principal divisão feminina da Albânia, acumula 15 anos de carreira internacional, segundo o clube. Sites especializados mostram que ela passou por clubes de países europeus como Portugal, Finlândia e Espanha, e atua no vôlei feminino desde as categorias de base. No Brasil, iniciou no esporte em times como São Bernardo e Pinheiros.

“Para maior transparência perante a opinião pública, confirmamos que as informações [de que uma investigação foi aberta] são verdadeiras”, disse o KV Dinamo em nota publicada em 25 de outubro. “A decisão da Federação […] surpreendeu completamente nosso clube, e não foi acompanhada de qualquer esclarecimento sobre os motivos concretos ou a base regulatória que justificasse um pedido tão incomum”, concluiu.

Em entrevista à DW, Ferreira diz não entender por que foi colocada nesta situação.

“Me sinto destruída, como se estivesse perdendo a cabeça, porque penso muito sobre por que isso aconteceu comigo, porque fizeram isso comigo. Todo dia, no meu quarto, me faço essa pergunta e até agora não sei”, disse ela. “Eles me pediram um teste de gênero. Eu já joguei em sete países, inclusive na Arábia Saudita. Nunca me fizeram essa pergunta antes, nunca.”

Ferreira fez o teste exigido pela FSHV voluntariamente, apenas porque não queria prejudicar o clube. “Não preciso provar a ninguém que sou mulher, porque eu sou mulher. 100%. […] Não tenho palavras para explicar exatamente o que sinto”, acrescentou Ferreira. “Por que vocês [a FSHV] estão fazendo isso comigo? Só por olharem para meu rosto, só por verem meu cabelo?”, continua.

Equipes rivais exigem investigação

Ferreira foi suspensa em outubro pela FSHV depois que duas equipes rivais, Vllaznia e Pogradec, solicitaram uma investigação. Em comunicado, a Federação afirmou que “análises pertinentes” seriam realizadas para “verificar o desempenho físico natural e determinar o gênero da jogadora”.

“A FSHV está agindo com cuidado e discrição, respeitando os princípios do fair play, da igualdade no jogo e da dignidade humana”, escreveu o órgão. Até o momento, a brasileira ficou fora de três partidas.

“Na ausência de quaisquer elementos concretos ou procedimentos definidos nos atos regulatórios, a exigência de submeter-se a tal teste, que afeta diretamente a dignidade e a integridade pessoal da jogadora, deixa margem para muitas incertezas sobre como esta questão foi conduzida e sobre os padrões que deveriam ser respeitados no esporte moderno”, continuou o Dinamo em sua nota.

A capitã do Dinamo, Elena Bego, disse que foi uma situação difícil para a equipe.

“Em parte, coube a mim comunicar a notícia às outras jogadoras. Ficamos todos chocados. Este caso é extremamente escandaloso”, disse Bego à DW. “Apoiamos Nayara durante todo o tempo.”

O treinador do Dinamo, Orlando Koja, acrescentou que a ausência de Nayara também teve um grande impacto esportivo, já que a equipe ficou desfalcada em partidas importantes.

“Suspensão por motivos discriminatórios”

Ao jornal Balkan Insight o Comissário da Albânia para a Proteção contra a Discriminação, Robert Gajda, diz que a suspensão de Ferreira foi discriminatória e “homofóbica”. Ele acredita que todo o caso está sendo alimentado pela mesma desinformação que tem alimentado ataques a um projeto de lei para a igualdade de gênero que está em discussão no país.

“Existem vários problemas à primeira vista. A situação começou inteiramente com base no preconceito, e uma suspensão foi imposta totalmente por motivos discriminatórios”, disse ele ao Balkan Insight. “A jogadora está registrada internacionalmente, tem uma experiência muito longa em muitos clubes ao redor do mundo e é legalmente documentada como mulher.”

Em declarações posteriores, a Federação se disse preocupada sobre como o caso, que afirmou ser “de natureza inteiramente esportiva” se tornou um pretexto para “violar os direitos de indivíduos ou de certas comunidades”. Também afirmou que encaminhará medidas disciplinares contra “insultos públicos e intimidação” supostamente praticados pela equipe do Dinamo.

A questão de gênero no esporte feminino tem se tornado um tema de maior controvérsia nos últimos anos, especialmente após a polêmica global envolvendo Imane Khelif, a atleta olímpica argelina que conquistou ouro no boxe em Paris. Neste ano, a federação de boxe passou a exigir testes obrigatórios de gênero para todos os atletas.