14/10/2023 - 15:17
Cerimônia para premiar romance de Adania Shibli na Feira do Livro de Frankfurt é cancelada “devido à guerra em Israel”, diz associação. Livro narra assassinato de menina palestina em 1949 por soldados israelenses.Uma cerimônia de premiação que homenagearia um romance de uma escritora palestina na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, foi cancelada “devido à guerra em Israel”, informou a LitProm, associação literária alemã que organiza o prêmio.
Em 20 de outubro, a autora Adania Shibli receberia o LiBeraturpreis, que homenageia escritoras do Sul Global por uma obra recém-publicada em alemão. O romance, intitulado Minor detail, conta a história real do estupro e assassinato de uma menina beduína palestina em 1949 por soldados israelenses.
Escrito originalmente em árabe, o livro foi publicado em alemão em 2022. Sua tradução em inglês foi indicada para o National Book Award em 2020 e para o International Booker Prize em 2021.
Mas o romance dividiu opiniões. Enquanto foi bastante elogiado por alguns críticos, outros o criticaram duramente por considerarem que o livro serve a narrativas antissemitas.
O jornal suíço Tagesanzeiger, por exemplo, questionou: “Nos tempos de hoje, pode um romance que retrata Israel como uma máquina de matar ser homenageado com prêmios?”
O artigo chega ao cerne do debate que se desenrola no período que antecede a maior feira comercial de livros do mundo: como deve ser tratada a literatura que “supostamente traz sentimentos anti-Israel e antissemitas para o cenário cultural”?
Após cenas de apoio ao grupo fundamentalista islâmico Hamas nas ruas de Berlim durante o fim de semana, o jornal alemão taz também criticou: “Em vez de baklava para os transeuntes que se alegram com a morte de civis israelenses”, escreve o jornal, “os prêmios também são concedidos a obras que retratam o Estado de Israel como uma máquina assassina, para o aplauso de doadores talvez bem-intencionados.”
Decisão do júri é anterior aos ataques do Hamas
Em sua declaração anunciando o prêmio, a associação LitProm afirmou que o romance de Shibli é uma “obra de arte rigorosamente composta que fala do poder das fronteiras e do que os conflitos violentos fazem das pessoas”.
O anúncio aconteceu muito antes de o Hamas – classificado como organização terrorista pela União Europeia, Estados Unidos, Alemanha e outros – atacar Israel no fim de semana passado, massacrando a população civil e levando a uma retaliação também brutal por parte das forças israelenses.
Mas mesmo quando a decisão sobre o prêmio foi tomada em meados de 2023, ela causou polêmica: na época, o jornalista Ulrich Noller, da emissora pública alemã WDR, deixou o júri em protesto.
Nascida em 1974, Adania Shibli vive e trabalha entre Berlim e Jerusalém. A autora palestina é atualmente escritora residente na Literaturhaus Zurich e, em 2021, foi professora convidada de Literatura Mundial na Universidade de Berna, na Suíça.
Por que alguns consideram o livro antissemita
O romance Minor detail é composto de duas partes. A primeira fala da garota palestina que é estuprada e assassinada no deserto de Negev durante a Guerra Árabe-Israelense de 1948.
Os soldados israelenses estacionados no deserto estão entediados; o comandante tem alucinações. Em uma patrulha, ele encontra um grupo de beduínos, que manda fuzilar, com exceção da garota e de um cachorro, que são levados para o acampamento militar.
A segunda parte do romance se passa décadas depois, quando um jornalista de Ramallah tenta entender o crime.
O crítico do taz considerou que a narrativa em primeira pessoa e o tom empático do livro mascaram um problema básico do texto: todos os soldados israelenses são retratados como estupradores e assassinos anônimos, enquanto os palestinos são vítimas de ocupantes atiradores.
A violência contra civis israelenses não é mencionada, talvez porque seja considerada um meio legítimo na luta pela libertação contra os invasores. Isso, de acordo com o taz, é a “base ideológica e desumana” do livro.
Autora concordou em cancelar cerimônia
A decisão sobre o cancelamento da cerimônia de premiação veio em reação aos últimos acontecimentos em Israel e na Faixa de Gaza. “Devido à guerra em Israel”, foi decidido “junto com a autora” cancelar o evento na Feira do Livro de Frankfurt, escreveu a LitProm em seu site. “Ninguém tem vontade de celebrar neste momento.”
A associação, contudo, acrescentou que ainda deseja conceder o prêmio ao romance de Shibli, apesar das críticas.
Antes do cancelamento, a associação de autores PEN Berlin já havia comentado sobre as críticas ao romance. “Nenhum livro se torna diferente, melhor, pior ou mais perigoso porque a situação das notícias muda”, disse a porta-voz da PEN Berlim, Eva Menasse.
“Ou um livro é digno de um prêmio, ou não é. A decisão do júri em relação a Shibli, que foi tomada semanas atrás, foi, em minha opinião, muito boa. Retirar o prêmio dela seria fundamentalmente errado, tanto do ponto de vista político quanto literário”, completou.
Feira quer promover vozes israelenses
Enquanto isso, o diretor da Feira do Livro de Frankfurt, Juergen Boos, se pronunciou sobre os ataques do fim de semana passado: “Condenamos o terror bárbaro do Hamas contra Israel da forma mais veemente possível.”
Ele acrescentou que o terrorismo contra a população israelense contradiz todos os valores da Feira do Livro de Frankfurt, que está em “total solidariedade ao lado de Israel”. Portanto, afirmou, a feira quer “tornar as vozes judaicas e israelenses particularmente visíveis”.
Para isso, a autora e ativista da paz Lizzie Doron, que vive em Tel Aviv e Berlim, falará sobre os eventos atuais em Israel durante o evento em 21 de outubro.
Haverá também “momentos adicionais no palco para vozes israelenses”, anunciou Boos, como o evento “Out of Concern for Israel”. Devido às restrições de viagem, no entanto, algumas atrações tiveram que ser canceladas, como dois concertos de cantores israelenses.