Espancada por padre de internato há quase 40 anos, Hélène Perlant é uma dos cerca de 200 ex-alunos que vieram a público para prestar queixa. Escândalo respinga no François Bayrou, acusado de não ter reagido a indícios.A filha mais velha do primeiro-ministro francês, François Bayrou, revelou ter sido uma das diversas vítimas de abuso numa conceituada escola católica no sul da França, no centro de um escândalo que coloca pressão sobre o próprio chefe de governo.

Hélène Perlant, hoje com 53 anos, relatou em entrevista publicada pela revista Paris Match nesta terça-feira (22/04), que sofreu abuso físico severo há quase 40 anos, quando era aluna da escola Notre Dame de Bétharram.

Num episódio que nunca contara aos pais, durante um acampamento de verão, um clérigo da escola a agrediu brutalmente: “Uma noite, quando estávamos abrindo nossos sacos de dormir, [o padre] repentinamente me agarrou pelos cabelos, me arrastou pelo chão por vários metros, e então me desferiu socos e chutes por todo o corpo, principalmente no estômago”, afirmou Perlant. “Urinei nas calças e fiquei a noite inteira assim, molhada e em posição fetal no meu saco de dormir.”

No dia seguinte, ela participou “toda machucada” de uma trilha com o resto do grupo, determinada a mostrar ao padre, que a acusara de ser “mal educada como seu pai”, que não era sua vítima.

Escândalo respinga em premiê

As declarações de Perlant causaram celeuma na França. Bayrou, da sigla democrata-cristã e liberal Movimento Democrático (MoDem), está sendo criticado por supostamente não ter reagido a indícios de má conduta na escola, que fica em seu distrito eleitoral, durante o período em que foi ministro da Educação, de 1993 a 1997.

Diversos outros relatos de abuso na Notre Dame de Bétharram estão vindo à tona. Cerca de 200 ex-alunos registraram queixas, alegando terem sido abusados fisicamente e também agredidos sexualmente na escola, de 1957 a 2004, segundo uma associação que representa as vítimas.

Dessas queixas, 90 tratam de abuso sexual, inclusive uma que cita um estupro coletivo por dois padres. Mas até o momento apenas duas resultaram em denúncia: contra um supervisor acusado de abuso sexual e do estupro de menores de idade.

Um ex-policial relatou em inquérito ter ouvido falar que Bayrou, quando era uma autoridade local, teria feito uma intervenção em 1998 no caso de um padre e ex-diretor da escola acusado de estuprar um menino de dez anos uma década antes. Colocado em liberdade, dois anos depois o homem foi encontrado morto no rio Tibre, em Roma. Bayrou negou ter interferido no caso.

Em 1996, quando ele era ministro da Educação, os pais de um aluno acusaram um inspetor da escola de dar um tapa tão forte no garoto que ele perdeu a audição de um dos lados. Esse homem foi mais tarde condenado.

A esposa do premiê também trabalhou como professora de estudos religiosos na escola, e outros filhos do casal a frequentaram. Bayrou afirma que não tinha conhecimento de nenhuma má conduta na época. Em 14 de maio, ele deverá ser interrogado por um comitê de inquérito.

“Era como uma seita ou um regime totalitário”

Perlant disse à Paris Match que, em sua época como aluna, “as vítimas de espancamentos e agressões sexuais não se manifestaram”: “A Bétharram era organizada como uma seita ou um regime totalitário, exercendo pressão psicológica sobre alunos e professores para mantê-los em silêncio.”

Ela acrescentou que a escola tinha estratégias para garantir que as vítimas se sentissem envergonhadas e que silenciou sobre o abuso por quase 30 anos porque “talvez inconscientemente eu quisesse proteger meu pai de crises políticas que ele estava enfrentando na região”.

O democrata-cristão Bayrou afirma que sua filha nunca havia relatado o ocorrido a ele: “Como pai, é uma facada no coração. Mas, como um servidor público, estou pensando em todas as vítimas […] Não quero abandoná-las”.

Nesta quinta-feira, foi lançado na França um livro das vítimas da escola, que inclui uma contribuição de Perlant. Ela acredita que seu pai, como muitos outros ao redor da escola, não entendia o que estava acontecendo lá.

bl/av (AFP,DPA)