19/11/2020 - 10:39
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Ilha Solteira desenvolveram um filme que poderá substituir o plástico nas embalagens alimentícias. O produto é feito a partir de hidroxipropil metilcelulose (HPMC) e resíduos industriais de celulose bacteriana, ambas matérias-primas sustentáveis. Dessa última, são extraídos materiais que formam compósitos, neste caso, formados por nanocristais de celulose bacteriana e HPMC, ambos já utilizados na fabricação de filmes biodegradáveis.
A conjugação dos dois materiais resultou em um filme superior aos fabricados apenas com HPMC. Os achados da pesquisa, realizada com apoio da Fapesp, foram publicados no periódico “Applied Material & Interfaces”.
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Propriedades melhoradas
“A ideia era incorporar os nanocristais de celulose bacteriana em matrizes de HPMC para melhorar suas propriedades e, além disso, criar protocolos mais verdes para o desenvolvimento de novos compósitos, do material em si à sua origem. Por isso incluímos o reaproveitamento de resíduos industriais no trabalho”, explica Márcia Regina de Moura Aouada, química da Unesp e coautora do trabalho. Aouada é pesquisadora do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp.
Desde o seu doutorado, Aouada estuda filmes de fontes renováveis, comestíveis e biodegradáveis, com o objetivo de reduzir a crescente geração de resíduos sólidos oriundos do descarte de embalagens alimentícias, em especial as de plástico.
“Uma das limitações de filmes de HPMC e de outros biopolímeros é a baixa resistência mecânica quando comparados aos tradicionais filmes obtidos do petróleo. Além disso, esses filmes apresentam altas taxas de permeabilidade a vapores de água, o que acaba limitando um pouco sua aplicação. Com a adição da celulose bacteriana, conseguimos melhorar essas propriedades”, conta Pamela Melo, aluna no Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Materiais (PPGCM) da Unesp e primeira autora do estudo, conduzido durante seu doutorado, sob orientação de Aouada.
Receita de bolo
A celulose bacteriana é fornecida pela Nexfil, empresa paranaense que fabrica curativos de biofilme. Como eles devem ser cortados em tamanhos exatos, há muita sobra de material que acaba sendo descartada depois do corte. Para transformar o resíduo em um novo filme, adequado para embalar alimentos, os pesquisadores trituram os retalhos em um moinho até obter um pó fino.
“Esse pó fino é então submetido a uma hidrólise ácida, processo já detalhado na literatura, com ácido sulfúrico”, explica Melo. A partir daí se obtém uma suspensão com os nanocristais, que é então adicionada ao HPMC diluído em água. Essa é a chamada solução filmogênica, outro alvo de interesse da indústria de bioplásticos.
“Não basta apenas criar bons compósitos. Precisamos entender qual é a melhor solução para obter boas propriedades do filme, verificando fatores como viscosidade e concentração das nanopartículas ideais”, aponta Aouada. “É como ajustar a receita de um bolo, e estudar essa receita é outra grande inovação do trabalho”, completa a química.
“A maneira como os nanocristais interagem e se distribuem na matriz de HPMC vai determinar a qualidade do filme. Então, fizemos testes e chegamos a uma distribuição melhor por meio de dispersão de alta energia feita com um dispersor Turrax”, conta Melo. A solução é vertida em um substrato, que atua como suporte, e os solventes evaporam entre 24 e 48 horas depois, dando origem ao produto final: um filme mais resistente do que aquele composto somente por HPMC, além de menos permeável. A quantidade de água que o material absorve atualmente é uma limitação para seu uso como embalagem.
Outro achado positivo é que os nanocristais não alteraram a transparência do HPMC.
Vantagens da celulose bacteriana
A celulose é o polímero mais abundante do mundo. Além da vegetal, mais conhecida e utilizada na fabricação de papel, bactérias e animais marinhos invertebrados também podem produzir celulose como parte de seu processo de captação de oxigênio. Seu uso já é difundido na indústria de curativos, e agora se expande para outras áreas, como o setor alimentício (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/celulose-na-pele/).
As principais vantagens são para o meio ambiente. “A celulose bacteriana pode ser produzida em laboratório 365 dias por ano, independentemente de condições climáticas, ambientais, e é uma molécula mais pura, o que reduz a emissão de poluentes durante a fabricação”, comenta Aouada. Para utilizar a celulose vegetal, é preciso eliminar impurezas como a lignina, o que exige o uso de compostos organoclorados, que são nocivos ao meio ambiente.
Outro trunfo da celulose bacteriana é a presença de fibras de dimensão nanométrica em sua estrutura. “Isso é muito interessante, pois dá a ela propriedades distintas, como a alta resistência, especialmente à tração, que é a capacidade de aguentar uma carga sem se romper”, pontua Aouada.
Próximos passos
As pesquisadoras pretendem seguir testando soluções filmogênicas até chegar a um produto competitivo. Outras técnicas de dispersão de polímeros serão estudadas pelo grupo e comparadas ao uso do HPMC, bem como a velocidade da biodegradação desses produtos em potencial.
Chegando a soluções filmogênicas melhores, é possível que a celulose bacteriana passe a ser utilizada em maior escala. “Nosso foco maior é substituir sempre que possível materiais não considerados ecologicamente corretos, como os derivados do petróleo, por compósitos naturais, de fontes renováveis, que se degradam quando expostos ao ambiente”, destaca Aouada.
O uso de resíduos como as sobras de curativo contribui ainda para baratear os custos do processo, uma vez que a decisão de compra pelo consumidor de filmes plásticos para embalagens é, na maioria das vezes, baseada no preço. E há outras fontes promissoras da celulose bacteriana, como a indústria da cana-de-açúcar e a da soja. “Estudos já mostraram que é possível obter celulose bacteriana usando o melaço da cana ou da soja como substrato”, completa Márcia Aouada.