“Back to black” mostra algumas das dores da cantora, como a perseguição de paparazzi e o relacionamento tóxico com Blake Fielder-Civil. Winehouse foi parar várias vezes no fundo do poço. E não tem nada de bonito nisso.”Não é justo que ela tenha morrido. Que raiva!”. Assisti duas vezes ao filme Back to Black, a cinebiografia sobre a vida da cantora Amy Winehouse que estreou no Brasil em 10 de maio. Nas duas, saí do cinema com os olhos vermelhos de tanto chorar e revoltada com o fato da cantora ter morrido em julho de 2011, aos 27 anos, tão jovem, de intoxicação alcoólica. Nada justifica que uma pessoa morra com essa idade.

Quando eu era adolescente, tinha uma amiga que usava uma camiseta que dizia: “viva rápido, morra jovem e vire um cadáver bonito”. Sim, quando a gente é muito jovem, a gente acredita em bobagens como essa. Acho que muitos adolescentes e jovens são parecidos com quem a gente era. A glamourização da dor continua, só mudou de nome. Hoje, em vez de achar chique alguém usar heroína (socorro, como éramos idiotas!), o chique é ter síndromes e transtornos diagnosticados. Não estou falando, claro, que toda a preocupação com saúde mental não seja algo positivo, claro que é. E eu mesma tenho Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Só que isso não é bom e nem bonito. Para ser sincera, isso é bem chato. E ter depressão severa, distúrbios alimentares, ou transtorno de personalidade borderline deve ser mais chato ainda (para dizer o mínimo). Todo respeito às pessoas que sofrem desses distúrbios. E tudo contra achar que isso é glamouroso ou bonito.

Back to Black, o filme, tem sido muito criticado pelos especialistas em cinema. Mas recomendo fortemente para quem é fã de Amy. Os números musicais geniais dela estão lá. E também algumas de suas dores, como a perseguição de paparazzi e o relacionamento tóxico com Blake Fielder-Civil, com quem casou, brigou e se drogou. Amy foi parar várias vezes no fundo do poço. E, repito, não tem nada de bonito nisso.

No caso da cantora, tudo foi agravado por paparazzi, jornalistas sem ética e toda uma multidão de “admiradores sádicos” que vibravam ao ver Amy “muito louca, bêbada, drogada, caindo”. Ela literalmente agonizou em praça pública. E com tudo isso sendo noticiado em tabloides. Essas fotos deviam servir como um manual do que fotógrafos e “jornalistas” não deveriam fazer nunca mais.

O filme, como muitos criticam, ameniza o papel que alguns personagens da história de Amy tiveram em seu fim dramático. Seu pai, o taxista Mitch Winehouse, por exemplo, no filme é um homem fofo e carinhoso. Outros biógrafos e o premiado documentário Amy (dirigido por Asif Kapadia) mostram que ele era bem diferente. O pai virou empresário da cantora e teria marcado shows e empurrado a filha para continuar trabalhando quando ela precisava de cuidados urgentes.

Mas outras partes importantes estão lá, como o relacionamento tóxico e o papel da mídia no sofrimento e na morte da cantora. Imagina você ser perseguida cada vez que sai de casa e briga com o namorado? Imagina ser fotografada bêbada na rua e isso ir parar em todas as capas de jornais? E imagina tudo isso acontecer quando você só tem 27 anos?

Amy no Rio e os urubus

Em janeiro de 2011, cobri o show e a visita de Amy Winehouse ao Rio de Janeiro para a Folha de S. Paulo. Minha missão era justamente ver como os paparazzi a perseguiram e torciam para que ela estivesse “muito louca”. Foi assustador. Um fotógrafo me descreveu como seria o flagra ideal, que renderia muito dinheiro: “sabe que foto seria demais, a Amy caindo na Lapa, cara. Uma sequência linda de tombos, que começa com ela tropeçando e acaba com ela bêbada caída no chão”. Dá para acreditar nisso?

E não eram só os paparazzi que queriam ver Amy “de cara no chão”, mas também parte do público.

Assisti ao show na ala VIP de um estádio no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, um bairro de classe média alta. Na plateia, vários playboys comentavam: “olha lá, ela está doidona!”. Se ela parava no meio do show para beber, cada gole era aplaudido, como se fosse um gol. Eles pareciam aquelas pessoas que param em frente a pessoas que pensam em se jogar de janelas ou pontes e gritam: “pula! pula!”.

Sim, muitos tinham prazer em ver Amy se autodestruindo e, de certa forma, torciam pela sua morte. Em sua breve carreira, muitos fãs-haters estavam muito mais interessados em ver a “Amy doidona” do que em ouvir suas músicas e sua voz, que eram (e são geniais).

Essa mistura toda: problemas pessoais, família desestruturada, romantismo junkie, relacionamento tóxico e abuso de drogas fizeram com que Amy acabasse como o que os seus algozes pareciam querer: com uma foto de seu corpo saindo da casa onde morava em Camden Town, em Londres.

Vale ver o filme para lembrar do talento de Amy. E também para não esquecer do que foi feito com ela e lembrar mais uma vez que não há NADA de bonito em se destruir e morrer jovem.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.