Veto ao benefício de presos aprovado pelo Senado dialoga com endurecimento penal em outros países. Políticos dizem buscar melhoria da segurança, mas efetividade a longo prazo enfrenta questionamentos.O fim da saída temporária de presos em datas comemorativas, conhecida como “saidinha”, foi aprovado no final de abril no Senado por ampla maioria – 62 votos a favor e apenas dois contrários. O projeto ainda precisa ser analisado pela Câmara, mas deve passar com folga. O texto é apoiado pela oposição e por grande parte da base governista, e dialoga com iniciativas de endurecimento penal que vêm sendo implementadas em diversos países da América Latina sob o argumento do combate à criminalidade.

O defensores do fim da “saidinha” afirmam que alguns presos aproveitam o benefício para não retornar à cadeia ou praticar outros crimes. O debate sobre o tema vinha ganhando corpo na última década, e foi impulsionado em janeiro deste ano após um preso beneficiado pela saidinha de Natal não retornar à cadeia e matar o policial militar Roger Dias em Belo Horizonte. O episódio levou o relator do projeto no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a incluir no texto que a norma, caso sancionada, leve o nome de Lei Sargento PM Dias.

A morte de Dias mobilizou inclusive o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em sua conta na rede social X, ele escreveu: “Embora o papel da segurança pública seja do Executivo, e o de se fazer justiça, do Judiciário, o Congresso promoverá mudanças nas leis, reformulando e até suprimindo direitos que, a pretexto de ressocializar, estão servindo como meio para a prática de mais e mais crimes.”

O beneficio hoje contempla os presos no regime semiaberto, que podem sair para estudar ou trabalhar. Os detentos precisam ter bom comportamento e ter cumprido um sexto da pena no caso de ser primário ou um quarto da pena se reincidente, e podem sair para visitas à família e atividades visando o retorno ao convívio social. Presos que cometeram crimes hediondos ou graves não têm direito.

No Natal de 2023, cerca de 52 mil presos tiveram direito à “saidinha”, e 95% deles voltaram à cadeia no prazo estipulado, segundo um levantamento do portal G1.

Segundo o texto aprovado no Senado, os detentos só poderão sair para compromissos de estudo. O senador Flávio Bolsonaro aproveitou a aprovação do projeto no Senado por larga maioria para defender também a redução da maioridade penal. “Se tem idade para pegar em uma arma, tem idade para responder pelo crime. Chega de impunidade”, escreveu em seu Instagram.

“Planos Bukele” se espalham pela região

Na América Latina, a repercussão das medidas de segurança pública implementadas pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, levaram a demanda por maiores penas em outros países. Com uma política que mais que triplicou o número de detentos no país entre 2022 e 2023, Bukele alega que tornou a nação mais violenta do continente no país mais seguro do Hemisfério Ocidental. Como efeito, políticos de outras nações da região passaram a propor planos semelhantes.

“As populações foram muito vitimadas, e estão cansadas de sofrer crimes, é compreensível este apoio”, afirma Gustavo Fondevila, professor do Centro de Ensino e Pesquisa Econômica (CIDE) do México. “É muito comum que em contextos assim haja apoio à mão dura. Na América Latina, nos últimos 20 anos, foram reduzidas medidas cautelares e alternativas às prisões. Mas, depois de tudo isso, a situação somente piorou”, argumenta. Ele lembra que estas ações tendem a não ser efetivas em longo prazo, mas que as medidas de curto prazo têm mais apelo político.

Um dos casos emblemáticos é o Peru, que vem registrando alta na violência. No ano passado, uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos (IEP) apontou que 60% dos peruanos estariam dispostos a reduzir a criminalidade mesmo que ao custo de não respeitar direitos.

No caso de roubos de celulares, o crime mais comum no país, em outubro do ano passado as penas para o delito foram elevadas para até 30 anos caso os criminosos recorram a veículos motorizados. O governo da presidente peruana Dina Boluarte pretende ainda construir um novo grande centro de detenção, contando com assessoria de uma “missão especial” do governo de Bukele.

Na Argentina, a ministra da Segurança, Patrícia Bullrich, afirmou no começo do ano que apresentaria uma reforma urgente no Código Penal, aproveitando a repercussão de um assassinato cometido por “motochorros”, como são conhecidos delinquentes que usam motos para cometer crimes no país. Durante a última campanha presidencial, o candidato a vice de Bullrich, Luis Petri, defendeu que o país “precisa de mais Bukeles” contra a violência.

“Populismo punitivo”

As medidas de “mão dura” contra o crime na região são parte do que críticos costumam definir como populismo punitivo, e apontam falta de eficácia das ações e piora da superlotação carcerária que já existe em muitos países da região. A violações de direitos em prisões lotadas, por sua vez, é considerada um fator que dificulta a ressocialização dos presos e favorece o avanço do crime organizado nesses estabelecimentos.

Fontevila lembra que a força de grupos de crime organizado presentes nas prisões acaba com frequência se voltando contra a população em geral. O professor cita o caso do México, onde 90% das cerca de 10 milhões de chamadas telefônicas envolvendo tentativas de extorsão por ano vêm de dentro das prisões.

No caso de El Salvador, após as medidas de Bukele, o país alcançou a marca de 605 presos por 100 mil habitantes, segundo a ONG Washington Office for Latin American Affairs (WOLA), tornando-se a nação com maior taxa de encarceramento do mundo. No Brasil, que detém a terceira maior população prisional do mundo, o número de detentos chegou a 832.295 pessoas no fim de 2022. O número representa um aumento de 257% desde 2000, e 230 mil presos a mais que o sistema comporta.

Em 2019, um estudo do Instituto Igarapé apontou que a maior do crescimento da população prisional na América Latina havia ocorrido na década anterior, quando avançou 60,5% enquanto a população em geral teve alta de 19,8%. Na época, a pesquisa concluiu que o número de presos na região tendia à estagnação. Fontevila, um dos autores desse estudo, afirma que houve mudanças de lá para cá nesse prognóstico. “Nos últimos anos, as populações carcerárias voltaram a subir em uma série de países, como no caso do Equador”, diz.

Para o professor, o cenário de reforço do crime organizado a partir das cadeias, por trás da recente disparada na violência equatoriana, pode se repetir em outros países, inclusive no Brasil, onde projeções apontam que a marca de um milhão de presos deverá ser rompida em breve.