Um dia histórico na Alemanha. As últimas três usinas nucleares que ainda estavam em operação em território alemão foram desconectadas da rede na noite de sábado (15/05), marcando o fim da era nuclear no país, mais de seis décadas após a inauguração do primeiro reator.

As usinas nucleares Isar 2, na Baviera, Neckarwestheim, em Baden-Württemberg, e Emsland, na Baixa Saxônia, eram as últimas em funcionamento na Alemanha, após o país colocar em prática a partir dos anos 2000 um plano de abandono gradual da energia atômica, que foi reforçado após 2011, na esteira do desastre nuclear de Fukushima, no Japão.

O fechamento das usinas não só marca o fim da era nuclear na Alemanha, mas o coroamento de décadas de ativismo ambiental contra essa forma de produção de energia.

A primeira usina a ser desligada neste sábado foi Emsland, construída em 1988, pouco depois de 22h30 (horário local, 17h30 em Brasília), segundo a operadora RWE. Depois, foi a vez de Isar 2, desconectada às 23h52 depois de mais de 30 anos de operação, de acordo com a operadora Preussen Elektra. A última usina a confirmar o desligamento foi Neckarwestheim. A usina encerrou sua operação às 23h59, depois de 45 anos de funcionamento.

A autorização de funcionamento das usinas expirava às 0h.

O fechamento final, previsto inicialmente para o final de dezembro, chegou a ser adiado por pouco mais de três meses por causa dos efeitos da Guerra na Ucrânia, mas conforme o 15 de abril se aproximava, o governo alemão – formado por uma coalizão de social-democratas, verdes e liberais – não sinalizou a possibilidade de novos adiamentos.

Décadas de disputa

Dificilmente algum tema polarizou o público, especialmente na Alemanha Ocidental, por tantas décadas quanto a energia nuclear. O dia 17 de junho de 1961 marcou o início da era nuclear alemã, quando a usina de Kahl, na Baviera, forneceu eletricidade à rede pública pela primeira vez. Passaram-se 22.596 dias entre a inauguração da primeira usina e o fechamento das últimas – e foram muitos os debates acalorados.

Pouco mais de 20 anos atrás, 19 reatores de usinas nucleares alemãs forneciam até um terço da eletricidade do país. Especialmente na antiga Alemanha Ocidental, antes da Reunificação, a oposição à energia nuclear levou centenas de milhares de jovens às ruas nas décadas de 1970 e 1980.

Então, em 1986, a catástrofe do reator de Chernobyl, na então União Soviética, pareceu confirmar as advertências sobre os perigos da energia nuclear. Em 2002, na Alemanha, o então ministro do Meio Ambiente, Jürgen Trittin, do Partido Verde, aprovou o primeiro cronograma de abandono da energia nuclear. O plano foi inicialmente postergado e minimizado por governos posteriores, mas o desastre da usina em Fukushima, no Japão, em 2011, finalmente selou o destino das usinas nucleares alemãs. A então chanceler Angela Merkel (CDU) usou o episódio para decretar o fim da energia nuclear na Alemanha.

No final de 2022, as três últimas usinas nucleares forneciam apenas 6% do consumo total de eletricidade da Alemanha, mas foram consideradas temporariamente necessárias para a segurança do abastecimento.

Ao mesmo tempo que conclui a eliminação progressiva da energia nuclear, a Alemanha reativou várias usinas elétricas a carvão, embora ainda pretenda eliminar essa fonte de energia entre 2030 e 2038.

A decisão foi no sentido contrário de outros países, como Estados Unidos, China, França e Grã-Bretanha, que contam com a energia nuclear para substituir os combustíveis fósseis que aquecem o planeta. Até o Japão voltou atrás em seus planos de eliminar gradualmente a energia nuclear.

Reações no meio político

Horas antes do fechamento das usinas nucleares remanescentes da Alemanha, vários legisladores de esquerda e centro-esquerda e ativistas ambientais aplaudiram a medida, enquanto políticos pró-negócios e conservadores alertaram para o risco à segurança energética

Ricarda Lang, chefe da bancada parlamentar do Partido Verde, escreveu no Twitter que o fim da energia nuclear “marca uma entrada definitiva na era das energias renováveis” que permitirá às gerações atuais “em última análise, deixar para nossos filhos uma consciência limpa.”

Seu partido lembrou em mensagem no Twitter que a Alemanha já gera cerca de metade de sua eletricidade a partir de fontes renováveis e “queremos 80% até 2030”.

Os verdes disseram ainda que as energias renováveis acessíveis “garantem o fornecimento de energia, protegem o clima, tornam a Alemanha independente dos autocratas e lançam as bases para uma economia forte e bons empregos”.

A bancada parlamentar do Partido Social-Democrata (SPD), a legenda do chanceler federal Olaf Scholz, tuitou: “Adeus energia nuclear! Adeus política energética insegura, impura e antieconômica!” Outro tuite mostrou a imagem de uma torre de resfriamento de uma usina nuclear em colapso.

Por outro lado, a bancada do Partido Democrático Livre (FDP), de tendência pró-negócios, que faz parte da coligação com o SPD e os Verdes, deixou claro no Twitter que não está feliz com o fechamento.

O líder do partido, Christian Lindner, que é também ministro das finanças da Alemanha, escreveu no Twitter que, embora o futuro seja a energia renovável, “temos que garantir nosso abastecimento até termos capacidade suficiente”.

Lindner disse que, se dependesse dele, a Alemanha manteria as últimas três usinas de reserva.

Conservadores falam em “dia sombrio” para a Alemanha

Políticos conservadores da oposição também ficaram desapontados, incluindo Markus Söder, governador do estado da Baviera, no sul, que disse ao site Focus Online na quinta-feira que queria que as usinas fossem mantidas “em reserva”.

Söder acusou a decisão do governo de coalizão de ser “puramente ideológica”, acrescentando que foi um “erro grave abandonar a energia nuclear neste momento”.

Seu partido, a União Social Cristã (CSU), tuitou sobre um “dia sombrio para os cidadãos, a indústria e a proteção do clima na Alemanha” como resultado do fechamento.

O chefe do maior partido de oposição, a União Democrata-Cristã (CDU), Friederich Merz, insistiu na sexta-feira que as últimas três usinas nucleares “são as mais seguras do mundo”.

“Nenhum outro país está reagindo à guerra na Ucrânia e à situação agravada do abastecimento de energia como a Alemanha”, disse Merz à emissora pública NDR.

Líderes empresariais, incluindo Peter Adrian, presidente da Associação das Câmaras Alemãs de Comércio e Indústria (DIHK), pediram ao governo que “expanda o fornecimento de energia e não o restrinja mais” em vista da possível escassez e preços elevados.

Greenpeace busca respostas sobre descarte de lixo nuclear

Antes da paralisação, Martin Kaiser, diretor-gerente do Greenpeace na Alemanha, pediu ao governo que garanta o descarte seguro do lixo nuclear acumulado, que, segundo ele, ainda permanecerá radioativo por milhões de anos.

O Greenpeace organizou celebrações no Portão de Brandemburgo, em Berlim, e na cidade de Munique, no sul, para marcar o fim da era nuclear.

jps (ots)