A ideia é simples, mas inusitada: criar pequenos bolsões de Mata Atlântica em áreas desocupadas ou degradadas da metrópole. Em pouco tempo, locais abandonados são tomados por ipês, jacarandás, perobas, jatobás, pitangueiras e outras espécies nativas. Insetos e aves são atraídos pela vegetação, pelos frutos e flores, e todo o ecossistema original de uma pequena floresta é resgatado.

A Floresta de Bolso é uma técnica natural de restauração da Mata Atlântica criada e desenvolvida pelo botânico e paisagista Ricardo Cardim. O espaçamento e a composição buscam respeitar a dinâmica original das florestas nativas, o que propicia crescimento mais rápido, menor índice de perdas, baixo consumo de água e manutenção mais simples. Essa mata pode ser implantada em espaços a partir de 15m2 ou em grandes áreas em projetos de restauração florestal.

Segundo Cardim, a Floresta de Bolso, devido à grande diversidade e densidade vegetal, contribui para melhorar a qualidade de vida e saúde da população ao baixar a temperatura, aumentar a umidade do ar, reter água das chuvas, filtrar gases tóxicos e abrandar a poluição sonora, entre outros benefícios.

São Paulo é um bom exemplo de como a floresta nativa original foi devastada. O município ainda tem reservas de Mata Atlântica nos extremos norte e sul (serras da Cantareira e do Mar), mas quase nada no seu miolo, dominado por concreto e asfalto. Originariamente, apenas os parques Trianon e Volpi tinham Mata Atlântica. Daí a ideia de se fazerem minibolsões semelhantes e recuperar parte da floresta perdida.

Fascinado por árvores desde criança, Cardim viu que nas praças e parques de São Paulo predominavam espécies exóticas. Seu interesse foi aumentando a ponto de, em 1992, começar a estudar a fundo as capoeiras (florestas em crescimento em áreas desmatadas), avaliando quantidade de árvores por metro quadrado, quais espécies ocorriam ao lado de quais, taxa de crescimento e outras variáveis importantes.

Replicação

A partir das observações, o botânico concluiu que, devido à competição por espaço, luz e água, as árvores da mata tropical crescem muito rapidamente, cerca de seis metros em dois anos, e quase sem manutenção. E percebeu que isso poderia ser replicado em várias escalas, desde que se seguissem algumas regras de plantio e manejo.

Mata na escola Castanheiras: laboratório de ensino sobre a biodiversidade brasileira (Foto: Divulgação)

Após 15 anos de estudos e pesquisas, ele pôs suas ideias em prática e surgiu a Cardim Arquitetura Paisagística, que começou fazendo telhados verdes e, com o tempo, passou a criar Florestas de Bolso, inclusive no quintal da sede. A partir de 2013 a ideia foi vendida a grandes empresas, como o Citibank e a Basf.

Outras conquistas foram oito Florestas de Bolso em espaços públicos. A primeira foi desenvolvida no bairro da Vila Olímpia, na capital paulista, com o plantio de 83 mudas de 40 espécies diferentes em um canteiro público degradado. Depois vieram os parques Ibirapuera, Cândido Portinari e Villa-Lobos. Em maio e dezembro de 2017, duas áreas verdes usadas como depósito de lixo atrás da igreja de Pinheiros se transformaram em Mata Atlântica e numa nova praça com 60 mudas de araucárias (o pinheiro nativo brasileiro), em homenagem ao nome do bairro.

“As empresas, as ONGs e o governo já entenderam a importância do nosso trabalho e hoje contamos com grande incentivo, inclusive da população de São Paulo, que nos apoia trabalhando em mutirão e comprando mudas, oriundas de viveiros especializados”, afirma Cardim. Ele ressalta a importância de um projeto na escola Castanheiras, em Alphaville (bairro de Barueri, na Grande São Paulo), que recebeu uma Floresta de Bolso com 100 árvores de 60 espécies e um pomar indígena com 20 espécies frutíferas nativas raras.

A ideia é tornar essa iniciativa um laboratório de ensino sobre a biodiversidade brasileira e sua importância. “Com essas ações, queremos aumentar o número de Florestas de Bolso e resgatar a Mata Atlântica no cotidiano da população, mostrando que todos podem conviver em harmonia com a natureza ancestral e ganhar com isso”, diz Cardim.

Plantador missionário

O Parque Linear Tiquatira, na zona leste paulistana, é um corredor verde com 4km de extensão, formado por mais de 23 mil árvores de 150 espécies, na maior parte de Mata Atlântica. Desse total, a maioria foi plantada por um único homem ao longo de 15 anos: o empresário Hélio Silva.

Parque Tiquatira: mais de 23 mil árvores e público superior a 2 mil pessoas nos fins de semana (Foto: Divulgação)

Nascido no interior paulista, Silva, hoje com 67 anos, veio para São Paulo em 1958, época em que as áreas verdes ainda eram comuns na cidade. Numa manhã de 2003, ao caminhar pela Avenida Governador Carvalho Pinto, ao longo do córrego Tiquatira, ele viu o local tão abandonado e degradado que decidiu torná-lo uma área verde.

Não foi fácil. De cada dez mudas que plantava, oito eram arrancadas por vândalos e comerciantes, temerosos de que as árvores ocultassem seus estabelecimentos. Mas Silva persistiu e, aos poucos, o verde tomou conta da paisagem e ganhou a simpatia dos moradores.

Em 2008, quando o local já contava com 5 mil árvores, o poder público criou ali o parque Tiquatira, o primeiro da capital com o título de linear, ao longo de cursos d’água. Silva hoje é membro do Conselho Gestor de Arborização da Cidade de São Paulo, ligado à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. Dá palestras sobre seu projeto em escolas e faculdades e prepara um livro sobre o tema.

Silva sempre pretendeu arborizar o local com espécies da Mata Atlântica. O parque conta com 90% de árvores nativas e outras plantadas para atrair pássaros, como a calabura, originária das Américas e com fruto muito doce. Uma de cada 12 árvores plantadas é de frutíferas silvestres, como pitangas, araçás, jatobás e acerolas. O mesmo procedimento foi adotado no Piscinão do Metrô Penha, também na zona leste, onde 3.200 árvores tornaram o terreno uma área agradável e frequentada pela população local.

“Hoje, as pessoas se maravilham com essas iniciativas e se oferecem para ajudar”, afirma Silva. “O Parque Tiquatira recebe mais de 2 mil visitantes por fim de semana. Há três anos conto com o auxílio de duas pessoas apaixonadas pelo tema. As crianças ficam motivadas; sempre as convido a plantar comigo e dou o nome de cada uma delas à muda que plantou. Elas se comprometem a cuidar e adotam a árvore para sempre, o que me dá muita alegria.”

Ele pretende plantar 50 mil árvores até seu último dia de vida. “Já estamos procurando novas áreas e ruas para arborização, com o auxílio das autoridades responsáveis”, ressalta. “Nossa prioridade sempre será a de recuperar áreas degradadas, trazendo o verde de volta para a população. A natureza é generosa e nos agracia com coisas belas que passam despercebidas no dia a dia”.


As cidades mais arborizadas do mundo

Parque em Singapura: cidade líder em arborização (Foto: Divulgação)

Uma árvore por habitante é a recomendação mínima da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as cidades. A quantidade mínima indicada é de 12m2 de área verde por habitante, e a ideal é de 36m2, cerca de três árvores por morador. Em Estocolmo, capital da Suécia, são 86m2 de área verde por habitante. Já Nova York plantou 1 milhão de árvores em oito anos. Com mais de 8 milhões de habitantes, a cidade americana cumpriu a meta dois anos antes do previsto pelo projeto MillionTreeNYC, lançado pelo ex-prefeito Michael Bloomberg.

Goiânia é a cidade mais arborizada do Brasil, segundo um censo de 2010 do IBGE, com 89,5% de arborização. A capital goiana é repleta de árvores como ipês, flamboyants, palmeiras-imperiais e mongubas, espécie típica do Cerrado. Goiânia conta com o projeto voluntário Plante a Vida, que já plantou mais de 1 milhão de mudas de espécies nativas da região. Atrás de Goiânia no quesito arborização vêm Campinas, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba.

Um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), divulgado este ano, apresentou um novo algoritmo que processa imagens do Google Street View. Intitulado Treepedia, o estudo gera mapas de vegetação que, combinados com outros dados, geram o Green View Index (GVI). Segundo o índice, a líder em arborização no mundo é Singapura, com GVI 29,3%. Confira na tabela quem ocupa as dez primeiras colocações.