12/02/2022 - 6:33
Na noite desta quinta-feira (10/02), numa base de lançamento em Boca Chica, no Texas, o bilionário fundador da SpaceX, Elon Musk, deu uma atualização sobre o Starship, um poderoso foguete que alguns dizem que transformará a indústria espacial de maneira que muitos sequer podem imaginar. E essa falta de imaginação pode representar um problema para outros concorrentes do setor.
“Neste momento, sinto-me altamente confiante de que entraremos em órbita neste ano”, disse Musk, referindo-se ao Starship.
O foguete estava em exibição nas instalações de teste chamada Starbase durante o discurso de Musk. Localizado sobre o seu impulsionador gigante, chamado de Super Heavy, o Starship mede quase 120 metros de altura.
Isso o torna mais alto que o Saturn V, o foguete da Nasa, a agência espacial americana, de cerca de 110 metros de altura, usado para as missões lunares Apollo nas décadas de 1960 e 1970, atualmente o maior foguete operacional já usado. O Starship deve ser totalmente reutilizável e ter capacidade de transportar mais de 100 toneladas para Marte e a Lua.
“Espera-se que os sistemas totalmente reutilizáveis do Starship e Super Heavy permitam atividades espaciais que antes não eram possíveis”, escreve a SpaceX no guia de usuário do Starship.
O Starship seria um grande passo em direção ao objetivo da SpaceX de viabilizar a vida interplanetária. A enorme capacidade de carga útil do foguete, juntamente com sua reusabilidade, pode mudar drasticamente as questões financeiras referentes ao envio de seres humanos e objetos ao espaço.
O discurso de Musk focou nos desenvolvimentos técnicos do Starship, mas ele permaneceu vago quanto aos projetos que a empresa poderia estar preparando.
“Haverá alguns anúncios futuros que vão deixar as pessoas bem entusiasmadas”, disse o empresário. “Muitos clientes adicionais que vão querer usar o Starship. Eu não quero me antecipar, pois eles farão seus próprios anúncios.”
Explosões e acidentes
Em 2021, o projeto do foguete Starship recebeu um apoio importante, depois que a Nasa ofereceu à SpaceX um contrato de 2,9 bilhões de dólares para levar astronautas à Lua.
Isso ocorreu depois que, em 2020, a SpaceX se tornou a primeira corporação privada a enviar astronautas ao espaço ao transportar astronautas da Nasa para a Estação Espacial Internacional no Falcon 9, o primeiro foguete reutilizável de classe orbital do mundo.
A atualização desta quinta-feira sobre a Starship foi a primeira em mais de dois anos. O foguete havia sido programado para fazer seu primeiro voo de teste orbital em janeiro ou fevereiro, mas houve um adiamento devido a avaliações ambientais pela Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA, na sigla em inglês), além de alguns problemas de hardware.
Segundo Musk, ambos os problemas estarão resolvidos dentro de alguns meses. Porém esta não foi a primeira vez que o projeto sofre atrasos. “Vai soar totalmente louco, mas acho que queremos tentar alcançar a órbita em menos de seis meses”, contou Musk na última atualização sobre o Starship, em 2019.
E ele tinha meia razão: o objetivo era irreal. Nos dois anos que se passaram, os protótipos do Starship sofreram acidentes e explosões, e o voo orbital não foi possível.
Para piorar as coisas, uma tempestade solar no fim de semana destruiu dezenas de satélites que a SpaceX lançara na semana anterior, destinados a integrar a Starlink, uma ampla rede de comunicações pela internet.
“Elevador” para o espaço
Musk ganhou a fama de estabelecer cronogramas excessivamente ambiciosos, o que pode explicar por que grande parte do setor espacial ainda não espera um Starship funcional, e tudo mais o que ele representaria.
“Um Starship totalmente funcional tornaria todos os sistemas de lançamento tão obsoletos, que eles poderiam nunca ter existido”, opinou, em entrevista à DW, Casey Handmer, físico e fundador da startup de captura de carbono Terraform Industries, que escreve regularmente em seu blog sobre os avanços das viagens espaciais.
O Starship poderia “permitir uma capacidade logística de esteira rolante para a órbita baixa da Terra”, escreveu Handmer. Quem estiver em condições de explorar essa grande mudança prosperará, enquanto todos os demais desaparecerão rapidamente na obscuridade, acrescentou.
Especialistas em finanças parecem concordar. “Pensamos em foguetes reutilizáveis como um elevador para a órbita baixa da Terra”, declarou Adam Jonas, analista de ações do Morgan Stanley, em comunicado, usando outra metáfora. “Assim como era necessário mais inovação na construção de elevadores antes que os arranha-céus de hoje pudessem pontilhar a linha do horizonte, também as oportunidades no espaço amadurecerão por causa do acesso e da queda dos custos de lançamento.”
Investidores miram a Lua
O banco de investimento Morgan Stanley estima que a indústria espacial global possa gerar mais de 1 trilhão de dólares em receitas até 2040, acima dos 350 bilhões de dólares atuais. No curto e médio prazos, grande parte disso provavelmente virá do acesso à internet de banda larga via satélite, parte da assim chamada economia espaço-Terra.
Mas a consultoria McKinsey relata que tem aumentado constantemente o investimento em projetos “lunares e mais além”. Num comunicado publicado em janeiro, indicou que tais iniciativas estavam atraindo entre 10% e 15% de todo o investimento privado de empresas relacionadas ao espaço – ou cerca de 1 bilhão de dólares. Uma década atrás, essa percentagem era de menos de 5%. Assim, um foguete como o Starship desempenharia um papel importante nessa guinada econômica.
E, até agora, não há muitas alternativas comparáveis ao Starship e seus predecessores da SpaceX. Em dezembro, a empresa ganhou mais três voos para a Nasa, enquanto a gigante aeroespacial Boeing continuava lutando para resolver problemas com sua própria espaçonave Starliner. Ambas as empresas assinaram contratos com a agência espacial americana para transportar seus astronautas até a Estação Espacial Internacional.
A empresa espacial europeia ArianeGroup também tenta recuperar o atraso: seu sistema de lançamento Maïa está programado para se abrir ao mercado de lançamento de satélites em 2026 e está sendo projetado para ser reutilizável.
Em tamanho, no entanto, ele será ofuscado pelo Starship e poderá lançar apenas 1 tonelada métrica em modo reutilizável para a órbita baixa da Terra – contra as 100 toneladas métricas planejadas para o Starship.
Curiosamente, o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, chamou o sistema de lançamento Maïa de “nosso Falcon 9”, comparando-o a um produto da SpaceX que se tornará obsoleto em 2026, se os planos de Musk forem bem-sucedidos.
“Se não se tomar cuidado, a SpaceX será o único player”, disse Fatih Ozmen, cofundador da empresa aeroespacial americana privada Sierra Nevada Corp., ao periódico Financial Times, em outubro.
Esta é, porém, uma longa conversa sobre um foguete que ainda não completou um voo orbital de teste. E, se os contratempos da Tesla, a empresa de carros elétricos e autônomos de Musk, nos mostraram alguma coisa, é que grandes projetos podem levar tempo. Mas Musk e seus funcionários não querem esperar muito.
“A SpaceX tem uma equipe de engenheiros e técnicos qualificados, motivados e capazes em Boca Chica que trabalham 24 horas por dia para criar esse futuro”, relata Handmer. “Eles têm bons recursos e querem ter êxito.”