10/11/2025 - 15:23
Imagem do monstro bruto com um parafuso no pescoço foi popularizada por Hollywood. Já novo filme de Guillermo del Toro está mais próximo do romance original de Mary Shelley, que não trata a criatura como uma abominação.Por mais de dois séculos, Frankenstein, da britânica Mary Shelley, é conhecido como o monstro que não morre – incessantemente revivido, remendado e enviado de volta, cambaleando, para dentro da cultura. A parábola básica é perene: um cientista talentoso, mas míope, brinca de Deus, criando vida a partir de partes de corpos reanimados. Horrorizado por sua própria criação, ele a abandona, e a “criatura” rejeitada torna-se o monstro que a sociedade teme que ela seja.
A roupagem monstruosa de Frankenstein se mostrou flexível o suficiente para sobreviver a todo tipo de lente, desde os filmes cult de monstros dos anos 1930 estrelados pelo britânico Boris Karloff até sitcoms e desenhos infantis. Essas produções moldaram o que a maior parte do que o público pensa saber sobre o personagem, que difere de suas características originais narrada no romance de Shelley em 1818.
Já Frankenstein, do diretor de Guillermo del Toro, estrelado por Oscar Isaac e Jacob Elordi, disponível na Netflix, é mais fiel a Shelley do que a maioria das versões cinematográficas de seu mito monstruoso: a simpatia pela criatura é colocada em primeiro plano e o alerta contra o homem se passar por Deus é o tema central. Mas ainda existem lacunas entre Frankenstein, o romance, e suas representações populares.
Como Hollywood reprogramou o monstro
Como os conhecedores da história sabem, Frankenstein não é o nome do monstro, mas sim do cientista que lhe dá vida – Victor Frankenstein. No romance original, Victor não é um “doutor” ou um barão em um castelo, mas um estudante obstinado de “filosofia natural”.
Na versão de Shelley, a criatura tampouco é o brutamontes resmungão reprogramado pelos filmes, mas um autodidata articulado que ensina a si mesmo inglês e filosofia moral após encontrar uma cópia do livro de poema épico Paraíso Perdido, de John Milton.
Os elementos mais icônicos da história de Frankenstein, quais sejam, a ressurreição com um raio (com Victor Frankenstein gritando “Está vivo!!!”), a pele verde, os parafusos no pescoço, o andar desajeitado, são invenções posteriores do palco e da tela.
A maioria deles pode ser rastreada a dois filmes de monstros da Universal dirigidos por James Whale, Frankenstein (1931) e A Noiva de Frankenstein (1935), estrelados pelo inimitável Boris Karloff, como o bruto trôpego, e Elsa Lanchester, como sua relutante companheira. Os filmes de Whale estabeleceram a aparência, o som e a teatralidade laboratorial que todos ainda esperam de um filme de Frankenstein.
As muitas vidas de Frankenstein
Ao longo dos séculos, desde o romance de Shelley publicado anonimamente como Frankenstein: ou O Prometeu Moderno, a criatura passou por infinitas reinterpretações.
A Hammer Films britânica nos deu uma série de remakes em Technicolor da história de Frankenstein, de A Maldição de Frankenstein (1957) até Frankenstein e o Monstro do Inferno (1974), que retratavam a criatura como mais trágica do que aterrorizante e o megalomaníaco Barão Frankenstein (geralmente interpretado por Peter Cushing) como o verdadeiro vilão.
Paralelamente aos filmes de terror, vieram as sátiras e paródias. Há a comédia pastelão Abbott e Costello encontram Frankenstein (1948); o extravagante
The Rocky Horror Picture Show (1975), com Tim Curry como Dr. Frank N. Furter, e O Jovem Frankenstein (1974), de Mel Brooks, uma sequência incessante de piadas que consegue ser ao mesmo tempo afetuosa e irreverente em seu tratamento do cânone de monstro.
Na TV, ganhou projeção nos anos 1960 a sitcom Os Monstros, da CBS, que transformou a criatura de Frankenstein em Herman Munster, um pai suburbano bondoso, embora atrapalhado.
Já na franquia de desenho animado Hotel Transilvânia, o monstro de Shelley já havia se tornado “Frank”, um ajudante fofinho, transformando a angústia existencial em entretenimento familiar.
Ironicamente, alguns dos filmes que mais se aproximam da obra original de Shelley não são anunciados como filmes de Frankenstein. A Mosca (1986), de David Cronenberg, em que um cientista torna-se ele próprio o monstro, é uma representação gráfica e sangrenta do alerta de Shelley contra os excessos científicos. Edward Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton, foca na criatura excluída, evocando os temas de empatia e abandono do romance. E Pobres Criaturas (2023), de Yorgos Lanthimos, reformula o mito sob uma lente feminista, com uma mulher reanimada (Emma Stone, em performance vencedora do Oscar) reivindicando agência, ecoando a influência da mãe de Shelley, a pioneira feminista Mary Wollstonecraft.
Recuperando a criatura de Shelley
O Frankenstein de Del Toro se insere diretamente na linhagem de cineastas que tentam restaurar a intenção original de Mary Shelley. Fiel em espírito, se não em cada detalhe, sua versão retorna às raízes da história: não um conto de horror, mas de criação, rejeição e responsabilidade moral.
Não surpreende que o diretor de Hellboy (2004) e A Forma da Água (2017) esteja do lado do monstro. Seu épico de duas horas e meia coloca em primeiro plano a simpatia essencial do romance pela criatura, tratando-a não como uma abominação, mas como um ser senciente nascido em um mundo que não pode aceitá-lo.
Tematicamente, Del Toro se alinha às preocupações de Shelley: o perigo da criação desenfreada, a arrogância do domínio humano e a profunda solidão do excluído. Como Shelley, ele lê a tragédia como uma história de abandono, de um pai que não consegue amar aquilo que criou. Não à toa, o Victor Frankenstein interpretado por Oscar Isaac tem seus próprios problemas com o pai, transmitindo esse trauma à sua criação profana.
Já Jacob Elordi entrega uma performance reveladora como uma criatura bondosa e inocente que passa a compreender o lado mais sombrio da humanidade. Del Toro não deixa de prestar homenagem às adaptações anteriores, com referências às explosões de loucura do cientista criador.
Na prática, o Frankenstein de Del Toro não reinventa o mito, mas revive seu núcleo moral em uma era tomada pela inteligência artificial, engenharia genética e decisões algoritmicas. Ao eliminar a narrativa exagerada da criação monstruosa, ele retorna à questão central de Shelley: o que acontece quando a ambição humana e o progresso técnico superam a empatia?
