O Brasil está perdendo a dianteira em sua luta para salvar o povo indígena Yanomami, que está morrendo de gripe, malária e desnutrição, levadas à sua vasta e isolada reserva na floresta amazônica pelo ressurgimento dos garimpeiros ilegais.

Um ano depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarar uma crise humanitária entre os Yanomami e prometer tolerância zero ao garimpo ilegal, agentes ambientais alertam que o Brasil está colocando em risco o progresso do ano passado quando 80% dos cerca de 20.000 garimpeiros foram expulsos da reserva do tamanho de Portugal.

Conforme as Forças Armadas recuam em seu apoio à operação do governo, os garimpeiros em busca de ouro retornam, dizem eles, fazendo novas incursões à terra Yanomami.

A presença de garimpeiros armados também tem deixado os Yanomami assustados para plantar mandioca, seu alimento básico junto dos peixes do rio, e reduziu os animais que eles podem caçar.

Durante uma visita da Reuters ao território Yanomami em dezembro e janeiro, agentes do Ibama disseram que agora estão sozinhos no combate aos garimpeiros após o apoio crucial dos militares ter sido reduzido.

As Forças Armadas diminuíram as operações em meados de 2023 e pararam de transportar combustível para helicópteros do Ibama em bases avançadas dentro da reserva, limitando o seu alcance dentro do gigante território. A Força Aérea não tem garantido uma zona de restrição aérea, apesar da ordem de Lula em abril para que o fizesse, e a Marinha não está fazendo o bastante para bloquear rios que são o principal acesso dos garimpeiros a máquinas e suprimentos, disseram três autoridades do Ibama.

Exército, Marinha e Força Aérea do Brasil não responderam a pedidos por comentários.

A falta de uma zona de restrição aérea efetiva levou a um número cada vez maior de pilotos não-registrados transportando garimpeiros pelo ar à terra Yanomami e depois cruzando a fronteira para a Venezuela quando são interceptados por helicópteros do Ibama, disse o piloto do Ibama Carlos Alberto Hoffmann. O governo da Venezuela não respondeu ao pedido por comentário.

“O Estado não está efetivamente presente hoje em dia em território Yanomami e estamos vendo o retorno do garimpo ilegal”, disse Hugo Loss, coordenador de operações do Ibama. Sem mais apoio militar, acrescentou, “vamos perder todo o trabalho deste ano”.

Um fotógrafo da Reuters passou uma semana em terra Yanomami integrado a uma unidade de elite do Ibama que desceu de helicóptero em campos de garimpo para destruir bombas de dragagem, aviões e outros suprimentos. Os garimpeiros fugiram quando ouviram os helicópteros e os agentes armados do Ibama correram atrás dos retardatários na floresta para prendê-los.

O fotógrafo também visitou a estação médica Auaris, perto da fronteira venezuelana, onde crianças Yanomami nuas com a barriga inchada pela desnutrição estavam sendo tratadas.

“A maioria dos garimpeiros foi embora, mas eles estão voltando”, disse à Reuters o xamã Yanomami Davi Kopenawa, cujo ativismo ajudou a criar o território Yanomami protegido pelo governo em 1992. “O garimpo ilegal é muito ruim para nós.”

Além de envenenar os rios e espalhar doenças, o retorno dos garimpeiros incentiva grupos criminosos que traficam drogas e madeira na Amazônia, prejudicando a promessa de Lula de restaurar a lei e a ordem naquele local e acabar com o desmatamento até 2030.

Garimpeiros presos e algemados pelas forças especiais do Ibama disseram que são pobres e precisam da renda da prospecção de ouro para alimentar suas famílias. A maioria foi retirada da reserva e libertada. A polícia disse que agora está investigando os financiadores que sustentam a procura pelo ouro.

A destruição da floresta ficou evidente em poços de até cinco metros de profundidade nos campos de garimpo sem árvores, ao lado de dezenas de lagoas onde a lama dragada era bombeada para os rios, transformando a cor de águas cristalinas em um brilhante laranja.

“Isso é guerra porque as pessoas estão morrendo. Centenas de Yanomami morreram na crise humanitária e eles são brasileiros também”, disse Felipe Finger, chefe da unidade de forças especiais do Ibama.

Segundo o Censo de 2022, há 30.000 pessoas do povo Yanomami e do povo Ye’kwana na reserva, incluindo grupos com pouco ou nenhum contato com pessoas de fora.

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse em um comunicado à Reuters que a agência ambiental não desistirá do combate ao garimpo ilegal em terra Yanomami, apesar dos desafios.

“Estamos cientes das adversidades existentes e reconhecemos a presença persistente de garimpeiros ilegais na região”, afirmou.

Lula realizou uma reunião ministerial em 22 de dezembro que incluiu comandantes das Forças Armadas, na qual ele enfatizou que a remoção de garimpeiros ilegais é uma prioridade do governo, segundo a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.

Semana passada, o governo Lula prometeu 1,2 bilhão de reais em recursos para segurança e auxílio para o povo Yanomami, e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disse que o governo brasileiro precisa colocar tudo que tem em nome da defesa do povo indígena.

Na quarta-feira, a PF anunciou o começo de uma nova operação contra o garimpo ilegal em território Yanomami e disse em um comunicado que teria apoio das Forças Armadas.

Sydney Possuelo, importante especialista em tribos indígenas isoladas, ajudou a criar a reserva Yanomami e expulsar aproximadamente 40.000 garimpeiros em 1992 quando chefiou a Funai. O governo precisa fazer mais, disse ele, em uma entrevista.

“O Ibama e a polícia simplesmente não têm pessoal suficiente para se livrar dos garimpeiros. O governo está dizendo isso apenas para mostrar que está fazendo alguma coisa”.

“A Força Aérea não está garantindo uma zona de restrição aérea. O Exército e a Marinha não estão fazendo nada”, afirmou.

Com Reuters