Segundo estudos, essa é uma tendência mundial na geração Z. Enquanto as jovens se identificam com causas progressistas, os meninos tendem à direita, a se opor ao feminismo e a votar mais em conservadores.Elas são muito jovens, mas já leram autoras feministas. Falam sobre as ameaças do patriarcado e também sobre mudanças climáticas. Viram veganas e, juntas com outras amigas, vão para passeatas.

Eles gostam de videogame, compram tênis caros. E se sentem perdidos com as mudanças do papel masculino na sociedade. Sentem falta dos velhos tempos que não viveram, quando tinham prioridade total em trabalhos e na vida no geral. No meio de tanta confusão, acabam se tornando mais conservadores e se identificam com pessoas como o bilionário polêmico Elon Musk e, em alguns casos, até com extremistas de direita, como Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Os exemplos acima são fictícios. Mas baseados na realidade e em jovens que conheço de perto. E não é só impressão minha. Segundo estudos divulgados recentemente, essa é uma tendência mundial. Enquanto as jovens mulheres da geração Z (as nascidas entre 1995 e 2010) se identificam com causas progressistas, como a questão climática e o feminismo, os meninos da mesma geração tendem à direita, a se opor ao feminismo e a votar mais em conservadores.

De acordo com um levantamento feito pelo jornal americano Financial Times, as mulheres com menos de 30 anos são 25% mais progressistas do que os homens da mesma faixa etária. Na Alemanha e no Reino Unido, a diferença é ainda maior: as meninas votam 30% mais do que os meninos em partidos progressistas.

Outra pesquisa, feita nos Estados Unidos pelo Change Research no ano passado, mostrou que 41% das mulheres jovens se identificavam como progressistas, em comparação com 24% dos homens.

Obviamente, não estou falando de indivíduos, mas de uma tendência confirmada por cientistas e números. Claro que existem milhares de meninas conservadoras e meninos progressistas. Falo, repito, de uma realidade mostrada por dados.

O caso mais recente é o da eleição de Javier Milei, na Argentina. O direitista ultraliberal (na economia) e ultraconservador (nos costumes) teve uma votação expressiva de homens jovens, que fez diferença para que ele ganhasse. Já as mulheres, o viam como misógino. As redes sociais, principalmente o TikTok, a plataforma preferida da geração Z, fizeram muita diferença nas eleições.

E essas redes podem radicalizar meninos ainda mais para a direita. Explico: segundo pesquisadores, os algoritmos dessas plataformas podem colocar jovens homens em bolhas de direita de acordo com o que eles pesquisam.

Garotas de Berlim

Na Alemanha não é diferente. Nas últimas semanas, falamos o tempo todo por aqui sobre derrotar, ou até proibir, o partido de direita radical Alternativa para a Alemanha (AfD). Em janeiro, uma reportagem mostrou que eles tinham planos de expulsar em massa imigrantes do país, até aqueles com passaporte alemão. Desde então, uma onda de protestos com milhares de pessoas acontece em todo o país.

Já os eleitores “exemplos ” da AfD são homens jovens, que se sentem frustrados e sem perspectiva de futuro e acabam sendo atraídos pela extrema direita. Para que tentar entender o que está errado na sua vida se você pode simplesmente colocar a culpa em imigrantes?

Não estou falando que todos os meninos jovens são de extrema direita. Não é o caso. Muitos são apenas menos participativos do que as meninas, ou mais apegados, por exemplo, à ideia de ser um empreendedor e ganhar muito dinheiro. Enquanto as meninas estão mais preocupadas com o meio ambiente.

Um exemplo ilustrativo: em um levantamento de intenções de voto para as próximas eleições na Alemanha feito em 2022, 8% dos eleitores homens de 18 a 24 anos escolheram a AfD. Entre as mulheres da mesma idade, foram apenas 5%. Uma diferença que me chamou muita a atenção é: o Partido Verde foi o preferido das jovens dessa idade, com 28%, enquanto 20% dos homens da mesma idade votaram nesse partido. Já entre os homens jovens, o favorito foi o FDP, o partido liberal, com 26%. Entre as mulheres, essa legenda teve apenas 15% dos votos.

“Sim, é verdade, nós somos mais progressistas e mais engajadas”, me disse minha enteada alemã de 17 anos, que desde os 13 frequenta manifestações climáticas. A explicação dela para isso mostrou que ela sabe muito bem sobre o que está falando. “A gente tem que lutar porque temos mais coisa para conquistar e direitos que podemos perder”, ela disse. Seu irmão, de 20 anos, assim como ela, apoia o Partido Verde. Mas nunca foi a uma manifestação na vida, e é fã do bilionário Elon Musk.

O que fazer com os meninos?

Se os meninos estão sendo tão seduzidos por ideias de extrema direita, acho que talvez eles estejam meio perdidos em uma sociedade em crise econômica e onde o feminismo fica cada vez mais forte (ainda bem) e os papéis de gênero mudam (para melhor). Dá para entender. Não deve ser bom mesmo ser jovem e ter todo mundo apontando o dedo para você e te chamando de “macho tóxico”.

Em entrevista à revista alemã Der Spiegel, o cientista político Wolfgang Merkel disse que o preocupante é que alguns jovens homens sentem simpatia por “para partidos simplistas e antiliberais, que homenageiam os valores de uma masculinidade em declínio e que perseguem objetivos antidemocráticos”. Alguém também lembrou de Jair Bolsonaro ao ler essa frase?

Mas como evitar isso? Com educação e conversa. Merkel acha que “a arrogância dos progressistas” pode ser um empecilho ao diálogo com esses jovens. Eu, que muitas vezes sou arrogante, concordo. A gente não vai trazer nenhum jovem para a conversa se apenas ficar apontando o dedo para eles e gritando: “macho tóxico! “, “Chernobyl”.

Além disso, claro, esses debates sobre gênero e feminismo devem acontecer também nas escolas e nas famílias. Afinal, essa radicalização dos meninos pode até ser perigosa. Os incels (grupo formado por homens que se denominam “celibatários involuntários” e pregam o ódio a mulheres, além de poderem ser extremamente perigosos) estão aí para provar. Conversem mais. E não precisa largar a mão dos meninos (só de alguns).

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.