“Sou um caçador profissional de agulhas no palheiro”, responde o geneticista Thijn Brummelkamp quando perguntado sobre por que ele se destaca em rastrear proteínas e genes que outras pessoas não encontraram, apesar do fato de alguns terem conseguido permanecer indescritíveis por até 40 anos. Seu grupo de pesquisa no Instituto do Câncer da Holanda mais uma vez conseguiu rastrear um desses “genes misteriosos” – o gene que garante que a forma final da proteína actina seja criada, um componente principal do nosso esqueleto celular. Essas descobertas foram publicadas na revista Science.

Os biólogos celulares estão muito interessados ​​na actina, porque essa proteína da qual produzimos mais de 100 quilos em nossa vida é um componente de destaque do esqueleto celular e uma das moléculas mais abundantes em uma célula. Grandes quantidades dela podem ser encontradas em cada tipo de célula. Ela tem muitos propósitos: dá forma à célula e a torna mais firme, desempenha um papel importante na divisão celular, pode impulsionar as células para a frente e fornece força aos nossos músculos. Pessoas com proteínas de actina defeituosas geralmente sofrem de doenças musculares.

Muito se sabe sobre a função da actina, mas como é feita a forma final dessa importante proteína e qual gene está por trás dela? “Não sabíamos”, disse Brummelkamp, ​​cuja missão é descobrir a função de nossos genes.

Métodos únicos

Brummelkamp desenvolveu uma série de métodos únicos para esse fim ao longo de sua carreira, o que lhe permitiu ser o primeiro a inativar genes em larga escala para sua pesquisa genética em células humanas há 20 anos. “Você não pode cruzar pessoas como moscas-das-frutas e ver o que acontece.”

Desde 2009, Brummelkamp e sua equipe usam células haploides – células contendo apenas uma cópia de cada gene em vez de duas (uma de seu pai e outra de sua mãe). Embora essa combinação de dois genes forme a base de toda a nossa existência, ela também cria ruídos indesejados ao realizar um experimento genético porque as mutações geralmente ocorrem em apenas uma versão de um gene (a do seu pai, por exemplo) e não na outra.

Juntamente com outros pesquisadores, Brummelkamp usa esse método multifuncional para encontrar as causas genéticas de condições particulares. Ele já mostrou como o vírus ebola e vários outros vírus, assim como certas formas de quimioterapia, conseguem entrar em uma célula. Também investigou por que as células cancerosas são resistentes a certos tipos de terapia e descobriu uma proteína encontrada nas células cancerígenas que atua como um freio no sistema imunológico. Desta vez, ele foi à procura de um gene que amadurece a actina – e, como resultado, o esqueleto da célula.

Em busca da tesoura

Antes que uma proteína esteja completamente “acabada” – ou madura, como os pesquisadores a descrevem na Science – e possa desempenhar plenamente sua função na célula, ela geralmente tem que ser despojada de um aminoácido específico primeiro. Esse aminoácido é então cortado de uma proteína por uma tesoura molecular. Isso também ocorre com a actina. Já se sabia de que lado da actina o aminoácido relevante é cortado. No entanto, ninguém conseguia encontrar a enzima que atua como tesoura nesse processo.

Peter Haahr, pós-doutorando no grupo de Brummelkamp, ​​trabalhou no seguinte experimento: primeiro ele causou mutações aleatórias (erros) em células haploides aleatórias. Em seguida, selecionou as células contendo a actina imatura, adicionando um anticorpo marcado com fluorescência às suas células que se encaixam no local exato onde o aminoácido é cortado. Como terceiro e último passo, ele investigou qual gene sofreu mutação após esse processo.

Então veio o momento “eureca”: Haahr havia rastreado a tesoura molecular que cortava o aminoácido essencial da actina. Essas tesouras eram controladas por um gene com uma função até então desconhecida, com a qual nenhum pesquisador jamais havia trabalhado. Isso significa que os pesquisadores conseguiram nomear o gene por conta própria e decidiram usar ACTMAP (ACTin Maturation Protease, ou protease de maturação de actina).

Para testar se a falta de ACTMAP leva a problemas nos seres vivos, eles desligaram o gene em camundongos. Eles observaram que a actina no esqueleto celular desses camundongos permaneceu inacabada, como esperado. E ficaram surpresos ao descobrir que os camundongos permaneceram vivos, mas sofriam de fraqueza muscular. Os pesquisadores conduziram esta pesquisa junto com cientistas da Universidade Livre de Amsterdã (Holanda).

Novas tesouras

O ACTMAP não é o primeiro gene misterioso descoberto por Brummelkamp que desempenha um papel na função do nosso esqueleto celular. Usando o mesmo método, seu grupo conseguiu detectar três tesouras moleculares desconhecidas nos últimos anos que cortam um aminoácido da tubulina, o outro componente principal do esqueleto celular. Essas tesouras permitem que a tubulina desempenhe suas funções dinâmicas adequadamente dentro da célula. As últimas tesouras (MATCAP) foram descobertas e descritas na Science este ano. Através deste trabalho anterior sobre o esqueleto celular, Brummelkamp conseguiu chegar à actina.

“Infelizmente, nossa nova descoberta sobre a actina não nos diz como curar certas doenças musculares”, disse Thijn Brummelkamp. “Mas fornecemos novos conhecimentos fundamentais sobre o esqueleto celular que podem ser úteis para outras pessoas mais tarde.” Além disso, Brummelkamp, ​​cuja missão é mapear a função de todos os nossos 23 mil genes um dia, pode marcar outro novo gene de sua lista gigantesca. Afinal, não sabemos o que metade de nossos genes faz, o que significa que não podemos intervir quando algo dá errado.