A humanidade transita há um bom tempo por fronteiras que mexem profundamente com a vida neste planeta. Organismos geneticamente modificados, clonagens, fissão nuclear e nanotecnologia são apenas algumas amostras desse poder nunca antes desfrutado por nós. Mas será que temos o discernimento para usá-lo bem? A maioria dos exemplos colhidos nos últimos tempos mostra que, embora a ciência tenha atingido o estágio de manipular muitos dos padrões naturais da vida, falta-lhe ainda compreendê-los de forma integrada para conduzir essas manipulações com a devida responsabilidade.

Um ramo antigo do conhecimento pode dar aos pesquisadores essa perspectiva holística tão necessária: a geometria sagrada. Conhecida literalmente como “a sagrada medida da Terra”, a expressão designa os fundamentos arquetípicos espirituais por trás de obras-primas da arquitetura, mas ela vai muito além disso: suas aplicações chegam, por exemplo, à física e à medicina. Como lembra um de seus maiores estudiosos atuais, o médico norte-americano Robert J. Gilbert, todas elas se baseiam num único princípio: “Tudo tem um padrão, e esse padrão é a chave para criar um efeito específico.”

Pirâmide de Quéops: seus construtores conheciam a geometria sagrada. Crédito: Jorge Láscar/Wikimedia Commons
Expressão da natureza

Esses padrões – entre os quais figuram formatos, modelos, ritmos e proporções – integram o repertório que permite à natureza expressar-se e, se necessário, mudar. Ela utiliza, por exemplo, o círculo e a esfera como o invólucro fundamental para a energia e a consciência, e a forma de vórtice para espalhar e transmitir energia e consciência de um ponto para outro. Outras formas frequentes na geometria sagrada são a curva senoidal, a espiral áurea (obtida pela união de vários semicírculos e presente, por exemplo, no caramujo e na flor do girassol), os cinco sólidos platônicos, a vesica piscis (“bexiga do peixe” ou “Olho de Deus”, resultante do encontro de dois círculos e perceptível no DNA e nas células) e o hipercubo (o cubo quadridimensional).

Segundo Robert Gilbert, a geometria sagrada oferece uma base sólida não só para o conhecimento tradicional, mas também para o científico – o que a torna uma ciência indiscutivelmente holística

São incontáveis os exemplos dessas formas na arquitetura e na arte de diversas culturas. O círculo megalítico de Stonehenge, na Grã-Bretanha, as pirâmides egípcias, a ciência pitagórica das energias vibracionais, os labirintos em mosaicos dos romanos, a catedral de Chartres, na França, as mandalas e yantras asiáticas, as pinturas na areia dos índios norte-americanos – todas essas obras demonstram que seus criadores conheciam os princípios da geometria sagrada.

Segundo Gilbert, ao estudar padrões e suas interconexões, a geometria sagrada fornece uma base sólida tanto para o conhecimento científico como para o tradicional. É, portanto, uma ciência indiscutivelmente holística, capaz de elevar o saber humano a níveis ainda não alcançados.

Esfera, o ponto de partida

Nesse ramo do conhecimento, o ponto de partida é a figura mais simples da criação: a esfera, o sólido cujos pontos de sua superfície estão todos à mesma distância de um ponto interior central. Sua representação bidimensional é o símbolo espiritual clássico do círculo com um ponto no centro. Gilbert observa que a natureza utiliza a forma da esfera, desde as células do corpo até os planetas, como o recipiente básico da energia e da consciência. Os mestres construtores antigos consideravam a rotação do compasso ao redor de um ponto central como uma recriação ritual da origem do mundo, que estabelecia a primeira fronteira entre dentro e fora, e a usavam para erguer templos e outros exemplos de arquitetura sagrada.

A esfera marca a origem de diversos outros padrões importantes. Entre eles estão cinco maneiras “perfeitas” de dividir uma esfera em formas tridimensionais totalmente simétricas (ver quadro abaixo). Com isso, todas as faces desses sólidos geométricos (ou poliedros) são formadas por polígonos iguais entre si e o mesmo número de faces encontra-se em todos os vértices. São os sólidos platônicos, segundo a descrição dos antigos gregos (mas sabe-se que esse conhecimento é ainda mais remoto – escavações na Escócia mostraram que os povos que ali habitavam trabalhavam o conceito pelo menos mil anos antes dos conterrâneos de Platão).

Para Platão, esses sólidos correspondiam aos padrões essenciais da criação física. Quatro deles – o tetraedro, o cubo, o octaedro e o icosaedro – eram considerados os padrões arquetípicos por trás dos quatro elementos primordiais (respectivamente, fogo, terra, ar e água); o quinto, o dodecaedro, era visto como o padrão por trás do éter, a energia vital dos gregos. Essa importância do dodecaedro levou Pitágoras e seus discípulos a mantê-lo em segredo, por temer o poder destrutivo de tal padrão se ele fosse mal utilizado.

Paládio, metal que serve como catalisador: presença do dodecaedro. Crédito: Wikimedia Commons
Tijolos na construção do mundo físico

Cerca de 25 séculos depois dos gregos, a ciência moderna revelou que os sólidos platônicos correspondem aos “tijolos” usados na construção do mundo físico. Segundo Gilbert, isso pode ser constatado em livros que abordam a Tabela Periódica dos Elementos. Ele destaca sobretudo um modelo da Tabela Periódica desenvolvido na década de 1980 por Robert Moon, professor emérito de física da Universidade de Chicago, no qual todos os elementos – ou seja, tudo existente no mundo físico – são apresentados nas formas desses sólidos. A conclusão vem naturalmente, assinala o estudioso: “(…) a essência da criação é a geometria: mude o número das partes do átomo e o formato configurado resultante muda, enquanto, alquimicamente, um elemento diferente emerge.”

O dodecaedro faz algumas aparições intrigantes nos estudos científicos modernos. Gilbert lembra, por exemplo, a conclusão de pesquisadores russos (descrita no artigo “Is the Earth a Large Crystal?”, publicado na revista Khimiya i Zhizn, ou Química e Vida, de dezembro de 1973) de que a crosta terrestre possui um padrão dodecaédrico – algo que Platão já sugeria em seu tempo, ao afirmar que a Terra, vista de cima, lembrava uma “bola de couro com 12 lados”.

Outro detalhe chamativo: na Tabela Periódica de Moon, a forma que contém todas as outras dentro de si é o dodecaedro, presente no paládio, o elemento 46. Esse metal branco prateado, pertencente ao grupo da platina, é conhecido na engenharia química como um catalisador, uma substância cuja presença provoca determinadas transformações que não a alteram quimicamente no final do processo.

Enigma do paládio

Em 2006, a revista inglesa New Scientist publicou um artigo sobre um método criado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia para decompor compostos químicos letais (por exemplo, o gás nervoso). A novidade estava exatamente na participação do paládio no processo químico: com ele, as substâncias químicas letais deixavam de ser perigosas.

Os descobridores do método não sabiam explicar a razão de seu sucesso. Mas os estudiosos de geometria sagrada não teriam dúvida em afirmar que ele se deve ao padrão dodecaédrico de energia vital pura.

Gilbert retira da Tabela Periódica de Moon outro exemplo rico em ensinamentos. O urânio, último elemento natural (de número 92), é representado como dois dodecaedros conectados que estão se destruindo, um processo que origina radiação nuclear tóxica. (A propósito, todos os elementos acima dele na Tabela Periódica são artificiais e liberam radiação potencialmente letal.) “Se Moon está certo”, observa Gilbert, “as modernas armas nucleares e o lixo radiativo estão diretamente relacionados às manipulações que afetam o padrão central do dodecaedro – mesmo se os cientistas não estiverem conscientes da conexão”. O potencial destrutivo de tais manipulações é uma justificativa mais do que razoável para o segredo com que as escolas espirituais do passado envolviam esse sólido.

Campo vastíssimo

No entanto, se a ciência contemporânea conquistou a capacidade de promover mudanças nesses padrões sem demonstrar a responsabilidade necessária para tanto, já é hora de os ensinamentos da geometria sagrada deixarem as sombras. Afinal, lembra Gilbert, “todos nós seremos tocados em nossas vidas pelo sucesso ou fracasso global da humanidade em entender a geometria sagrada da matéria e do espírito”.

E o campo de estudos é vastíssimo. Padrões de consciência, por exemplo, podem nos ajudar a entender melhor a natureza, a “alma do mundo”, a própria sociedade e seus integrantes incomuns, como xamãs e pessoas dotadas de poderes paranormais – além, certamente, de nos mostrarem um caminho de evolução interior. Padrões temporais, ou ritmos, estão por trás tanto dos processos circadianos que influenciam nosso corpo diariamente quanto das grandes eras astronômicas e astrológicas.

“A geometria sagrada nos dá insights vitais sobre as bases tanto do espírito como da matéria, insights que podem ser aplicados em propósitos científicos e espirituais”, afirma Gilbert. “Ela também nos permite curar a dolorosa divisão entre a espiritualidade e o entendimento científico, racional que tanto aflige nossa sociedade moderna e nossa própria alma.” É, enfim, uma poderosa ferramenta, capaz de unificar o conhecimento fragmentário e disperso que caracteriza a atual ciência e a impele, de certo modo, a dar tantos passos nebulosos.

Dodecaedro: padrão por trás do éter. Crédito: Piotr Siedlecki/CC0 Public Domain

Divisões da esfera

Os cinco sólidos platônicos dos gregos e o elemento ao qual estão relacionados

TETRAEDRO (Fogo)

Quatro faces triangulares, 6 arestas e 4 vértices.

CUBO ou HEXAEDRO (Terra)

Seis faces quadradas, 12 arestas e 8 vértices.

OCTAEDRO (Ar)

Oito faces triangulares, 12 arestas e 6 vértices.

DODECAEDRO (Éter)

Doze faces pentagonais, 30 arestas e 20 vértices.

ICOSAEDRO (Água)

Vinte faces triangulares, 30 arestas e 12 vértices.

PARA SABER MAIS

Nigel Pennick, Geometria sagrada – Simbolismo e intenção nas estruturas religiosas (Pensamento). Site: Vesica Institute for Holistic Studies, dirigido por Robert J. Gilbert (www.vesica.org).