Autora dos livros A Menina do Vale 1 e 2 e fundadora de uma escola de empreendedorismo, a empresária de 27 anos aposta na redução de conflitos e em novos vínculos entre as gerações X e Y para o futuro sustentável das empresas
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Com seu projeto de educação na escola FazInova, Bel Pesce ganhou na França o prêmio Cartier Women’s Iniciative Awards, que avalia projetos de mulheres empreendedoras no mundo

Bel Pesce aprendeu a amar matemática colecionando figurinhas. Tinha 3 anos quando o dono da banca de jornal onde ia com seu pai percebeu que ela adorava ordená-las, enquanto abria os pacotinhos. Sempre anotava os números de cada uma no caderninho antes de colá-las no álbum. Encantado com a precoce paixão numérica da pequena e graciosa nerd, o dono da banca passou a incentivá-la. Se ela acertasse o troco para R$ 1, ele lhe daria o dobro de pacotinhos de R$ 0,15.

Assim, motivada pela relação com o outro, Bel viu sentido para sua fascinação. Foi o mesmo fascínio que a levou, mais tarde, a cursar o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e a motivou a voltar ao Brasil para se tornar uma empreendedora. “Essa história com o jornaleiro ajudou a desenhar a minha vida. De repente, achei ali uma aplicação para a matemática”, diz Bel. “Eu gostava de estudar, amava números e alguém deu valor para aquilo, mesmo sendo uma coisa boba.

Era só pela vontade de ter mais pacotinhos de figurinha.” Aos 27 anos, a empresária é autora dos livros A Menina do Vale 1 e A Menina do Vale 2, sobre sua trajetória no Vale do Silício. Com 3 milhões de downloads e 100 mil cópias vendidas, os livros narram sua trajetória no Vale do Silício – o segundo tem prefácio de Jorge Paulo Lemann, sócio da Ambev, considerado o empresário mais rico do Brasil. Hoje, Bel roda o mundo contando suas histórias em palestras. Sua palestra no TED, gravada nos Estados Unidos, ultrapassou 1 milhão de acessos.

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“Existem maneiras muito ricas de agregar no trabalho os dois modelos de pensamento e as relações das gerações X e Y”

Há três anos, ela fundou a FazInova, escola de empreendedorismo e habilidades que oferece cursos virtuais e presenciais em São Paulo. Já tem mais de 150 mil alunos online e 200 presenciais. Com seu projeto para educação, ela venceu em 2014 o Women’s Initiative Awards, importante prêmio da marca de joias Cartier, que avalia projetos de mulheres empreendedoras de todo o mundo. Foi a primeira vez que uma brasileira ganhou a premiação, realizada em Deauville (França). O prêmio foi concedido a outras cinco mulheres, uma de cada continente. Bel concorreu com 1.900 candidatas, das quais 18 foram à final.

Histórias de aprendizados com pessoas mais experientes que passaram por sua vida talvez tenham dado a Bel um fio da meada para ajudar a tecer novos laços na revolução para onde caminha a humanidade. Ela enxerga no conflito entre a geração X (nascida, principalmente, nas décadas de 1960 e 1970) e a geração Y (nascidos de 1980 em diante), acirrado pelo avanço da tecnologia digital, um problema nas relações de trabalho que tem tirado o sono dos empresários. E também aposta na aproximação entre mais jovens e mais velhos e no equilíbrio dessas relações.

Bel acredita que uma nova calibragem dos vínculos entre as duas gerações pode revigorar as engrenagens nas empresas, prepará-las para uma renovação sustentável de quadros e para um futuro cada vez mais transformador e veloz. Uma de suas novas iniciativas da FazInova é a escola de mentoria, em parceria com o consultor empresarial Sidnei Oliveira, especializado em conflito de gerações. É na sua escola que ela hoje ajuda pessoas a descobrir sentido para suas habilidades, como assim fez o velho jornaleiro na sua infância.

PLANETA – Por que é preciso discutir conflito de gerações, se isso sempre existiu?
BEL – A maneira como as pessoas vivem hoje tem mudado muito rapidamente. Não falo apenas de diferenças entre alguém de 40 anos e pessoas de 25. Eu mesma, com 27 anos, tenho uma diferença gritante de pensamento com aquele que tem 18. Essa aceleração não está mudando apenas na questão da experiência. Hoje o que tem acontecido é um mindset diferente, é uma mentalidade intrinsecamente distinta na maneira de pensar.

PLANETA – Estamos falando de um modelo mental diferente?
BEL – É um novo modelo de pensamento do que é o mundo. A maneira como alguém de 14 anos vê o mundo é totalmente diferente hoje. Não estou falando de uma visão diferente. Essa pessoa nasceu num mundo diferente. Quando isso é colocado nas relações de trabalho, precisa de uma discussão.

PLANETA – Por que o tema conflito entre gerações X e Y é tão atual e importante para o equilíbrio nas relações de trabalho?
BEL – Desde que voltei para o Brasil, há dois anos, converso muito com empresários, executivos e diretores de mar­keting, e nesses papos sempre ficam nas entrelinhas alguns “surtos psicóticos” que eles têm. Fui descobrindo quais eram os assuntos que faziam com que eles não dormissem à noite. Quais são as reais preo­cupações? Qual é o futuro do trabalho, tanto em termos de modelos de tecnologia quanto pelos modelos de pensamento? O futuro das coisas é algo que constantemente aparece como um foco de preocupação. Há perguntas do tipo: Como eu consigo superposicionar minha marca num mundo digital? O que é branding no mundo digital de hoje? Onde eu tenho que estar? No Instagram, no Facebook? Como eu uso o conteúdo digital para deixar mais claro o que é minha marca e como quero deixá-la? Como inovar meu modelo de negócio? O choque de gerações é uma das questões pelas quais muitos diretores não dormem. Estudo isso nos últimos anos, então pensei: por que não trazer uma orientação, uma consultoria desse tipo da FazInova?

PLANETA – Por que não dormem?
BEL – O mundo tem mudado muito. As expectativas das pessoas mudaram. Há diferenças imensas entre jovens e gente mais madura. A tecnologia intensificou essa distância.

PLANETA – O que acontece quando você coloca gerações tão díspares no mesmo ambiente de trabalho?
BEL – As pessoas têm preconceitos. O jovem acha que o velho é travado, não vai inovar, é old school. O velho acha que o jovem é imaturo, não tem foco. Alguns profissionais apenas acham isso, outros não querem nem trabalhar com gente assim. A geração X diz: esse cara sabe falar inglês? Esse cara sabe mexer com tecnologia? Ele vai tomar meu lugar. É claro que não é todo mundo que pensa assim. Mas muita gente não percebe o quanto as duas gerações podem se complementar se houver uma honesta vontade de aprender com o outro. Eu trabalho com gente de 19 anos na minha empresa, FazInova, e eles pensam completamente diferente de mim. E eu acho o máximo saber como eles pensam. Existem maneiras muito ricas de agregar esses dois modelos de pensamento e essas relações.

PLANETA – O que se vê, no entanto, são empresas com muita dificuldade de lidar com a geração Y, inclusive por problemas de imaturidade dos jovens, falta de comprometimento. Isso pode ser visto de outro jeito?
BEL – É mais complexo. É claro que sempre vai haver a pessoa sem comprometimento. Mas estamos falando de um novo modelo mental dos mais jovens. Muita gente jovem não difere vida pessoal de vida profissional, por exemplo. Quando esse pensamento é bem aproveitado, é um sucesso. Mal aproveitado, é ruim. São modelos mentais diferentes, mas eu acho que as pessoas podem aprender umas com as outras.

PLANETA – Qual é o principal desafio da geração Y?
BEL – Sinto que algumas pessoas da geração Y estão confundindo algo que é fazer o que ama com fazer o tempo todo o trabalho que gosta. São sentimentos diferentes. Todo mundo quer fazer o que ama, mas isso não significa que você precisa achar um trabalho onde passará o dia todo fazendo o que ama. Você pode trabalhar em algo apaixonante, mas tem que estar ciente de que existem muitos perrengues. Normalmente são mais problemas do que coisas legais. No fim de tudo, é muito gratificante, é legal, mas você precisa passar pelos problemas. Há uma certa confusão entre os jovens nesse ponto. E quando se entende isso, muita gente se beneficia e cresce ao ultrapassar os obstáculos.

PLANETA – Você sente que as empresas estão mudando suas culturas para acompanhar essa transformação geracional?
BEL – Ninguém muda cultura de empresa. Cultura é cultura. Mas acho que existe uma certeza: se você não mudar, terá problemas. Porque o mercado está mudando. O mundo está mudando. Ninguém modifica o coração daquilo que acredita, mas o que eu estou dizendo é: cara, cai em si. Porque o mundo já está diferente. Por exemplo, o Uber é uma ameaça para a indústria automobilística. O empresário dessa área deve se preocupar mais com o Uber do que com seu concorrente direto. O mesmo acontece com o setor de supermercados: sugiro que não se preocupe com uma rede mais barata ou maior. Se preocupe com o Instacart, que é um aplicativo que existe nos Estados Unidos, por onde você faz as compras e eles entregam algumas horas depois na sua casa. Ao ver toda essa economia de compartilhamento, você percebe o quanto vai mudar a nossa relação capitalista com o mundo.

PLANETA – E, com isso, as relações se desequilibram…
BEL – Pode parecer pequena essa mudança, mas não é. Para a nova geração, já não existe o modelo anterior. Isso é muito sério. É relevante. Não estou dizendo que uma empresa precisa engolir o sapo daquele que não quer fazer nada. Estou dizendo que é preciso ouvir aquele que entende o mundo como ninguém mais entende. E o mundo já mudou. Não tem como fugir disso. Virou fato. É preciso enxergar isso. Tem que inovar modelo de negócio, inovar posicionamento. Inovar recrutamento, treinamento. Tudo o que uma empresa gasta e como ela ganha. Vejo isso na minha empresa de três anos. Vejo a mudança. Imagine empresas que estão aí há bastante tempo. Não é que esse assunto há 50 anos não foi relevante. Mas com a velocidade da mudança agora, é um tema essencial.

PLANETA – Com a crise afeta o cenário?
BEL – Sem dúvida, a crise agrava. Claro que ninguém gosta de crise, mas ela é o momento importante de mudar. Não me refiro à ladainha motivacional que martela que crise é oportunidade. Gosto de citar Walt Disney, que falava disso: nos momentos em que todos estão com medo, quem realmente tem estratégia e é corajoso dá passos gigantes. Passos para avançar em relação àqueles que ficaram paralisados com o perigo. Com estratégia, com planejamento, com coragem você faz da crise um momento no qual se diferencia. Outro dia, eu conversava com o pessoal do Facebook e eles contavam que a empresa começou em meio a uma crise e isso ajudou. Crise é de fato oportunidade para rever ações. Uma empresa pode se voltar para aquilo que sempre fez. Há aqueles que diante da crise falam: acabou. Outros pensam: vou sair dessa. Sabemos que a crise vai matar empresas. Outras vão se tornar líderes. Minha teoria é que as organizações mais abertas e flexíveis são as que crescem. E isso comporta a discussão para o atual conflito de gerações.