Pedalar está virando mania no centro de Buenos Aires. A cidade já ganhou 70 km de ciclovias protegidas e inaugurou um sistema de transporte público em duas rodas, totalmente gratuito. Nessa partida, los hermanos estão à frente dos brasileiros.

A largada já foi dada, mas não se escutam rugidos de motor nem se vê fumaça nos escapamentos. A corrida de Buenos Aires é pelo transporte ecológico e saudável. Seguindo a tendência mundial, as faixas dos carros vêm perdendo lugar para as ciclovias na capital argentina, que já cobrem 70 quilômetros e até o final do ano deverão chegar a 100 quilômetros. Os sistemas tradicionais de transporte público ganharam um novo concorrente: aluguel grátis de bicicleta.

O aluguel das bicis – o apelido usado pelos hermanos – foi planejado para os moradores da cidade, mas tornado disponível para os visitantes residentes no país. Nos primeiros nove meses de funcionamento, foram inaugurados 17 postos de aluguel e 23 mil pessoas aderiram à proposta, sobretudo nos bairros do centro. É pouco para uma população de quase 3 milhões de pessoas (15 milhões na região metropolitana), mas é um bom começo. As 550 bicicletas disponíveis já realizaram 160 mil deslocamentos, sendo 68% deles por motivo de trabalho. A intenção é multiplicar o número de postos, de veículos e de viagens.

Basta assinar um termo de responsabilidade para alugar bicicletas grátis, por duas horas, em 17 postos. Não há taxa de inscrição nem mensalidade.

Para tanto, o usuário cadastra-se previamente pela internet, ou na hora, nos postos que ficam abertos das 8 h às 20 h, de segunda a sexta-feira, e das 9 h às 15 h, nos sábados. Mediante a apresentação de um documento e de um comprovante de residência, os novos ciclistas são fotografados e assinam um termo de responsabilidade. A partir daí, na retirada ou devolução da bike, basta digitar documento e senha.

Não existe taxa de inscrição nem mensalidade, mas o usuário pode ser suspenso se devolver a bicicleta depois do prazo de duas horas. Caso a entregue em mau estado, será cobrada uma taxa por eventuais consertos. Além de preencher cadastros, os funcionários dos postos conferem a foto e digitam detalhes do estado de conservação da unidade e o aluguel opcional do capacete. Por trás do sistema de tecnologia que controla tudo, a central administrativa comanda a distribuição das bikes entre os postos, para não faltarem em nenhum lugar.

Motoristas agressivos

“A criação da rede de ciclovias e de aluguel de bicicletas é fundamental para legitimá-las como meio de transporte, tirando espaço dos carros. Mas, apesar de a proposta do governo da cidade ser interessante e audaz, ainda é muito incipiente”, admite o arquiteto e urbanista argentino Guillermo Tella. Para ele, os maiores desafios daqui em diante serão aumentar a rede de circulação e educar a população. Tal como no Brasil, os motoristas argentinos e também os ciclistas não demonstram muito apreço pelas regras do trânsito. Uns e outros gostam muito de “levar vantagem”.

Apesar dos primeiros passos, ou melhor, das primeiras pedaladas, o Programa Mejor en Bici (Melhor em Bike), que até agora significou um investimento de 28 milhões de pesos (R$ 12 milhões), é levado com seriedade e demonstra não ter vindo a passeio. Além do empréstimo de bicicletas, a estrutura das ciclovias e a parceria com empresas privadas para estimular o uso das “magrelas” se destacam.

As ciclovias foram construídas como áreas exclusivas para bicicletas. Na sua maioria estão bem sinalizadas e localizadas ao lado da calçada, fisicamente separadas do trânsito de automóveis por blocos de concreto, vegetação ou postes. “As experiências internacionais demonstram que faixas preferenciais ou aquelas em que convivem bicicletas e veículos não costumam ser respeitadas pelos motoristas, gerando uma situação de perigo ou de insegurança para os ciclistas”, explica Guillermo Dietrich, subsecretário de transporte, ex-triatleta e usuário de bike há anos, transporte que usa para ir ao trabalho.

A geografia plana dos 200 km² de Buenos Aires, muito diferente dos acidentados 1,5 mil km² de São Paulo, cheios de subidas e descidas, assim como o traçado das ruas paralelas (bem mais ordenado que o crescimento das cidades brasileiras), colabora para o desenvolvimento da rede de ciclovias e para a adesão ao programa. Por outro lado, os meses de frio rigoroso e o calor sufocante de janeiro são um teste de resistência para quem adota a bicicleta como forma de locomoção diária. Por isso, é estratégico o apoio das empresas privadas na disseminação do hábito saudável e sustentável.

A capital argentina já dispõe de 70 km de ciclovias. Até o fim do ano serão 100 km.

Até agora 55 empresas assinaram um acordo de intenção para que a estrutura de apoio não termine sendo utilizada somente em momentos de lazer, como a própria bicicleta ficou relegada durante décadas. Como o acordo não representa nenhuma exigência às empresas, muitas têm ido além do esperado. O próprio governo procura dar um bom exemplo nessa área. O estímulo para os funcionários públicos da cidade inclui sorteio de bicicletas, crédito de até 5 mil pesos no Banco Ciudad para aquisição de bikes e desconto em bicicletarias.

Pedalar está virando mania no centro de Buenos Aires. A cidade já ganhou 70 km de ciclovias protegidas e inaugurou um sistema de transporte público em duas rodas, totalmente gratuito. Nessa partida, los hermanos estão à frente dos brasileiros.

23 mil pessoas

usam bicicleta regularmente em Buenos Aires; 68% para ir ao trabalho.

Uso no trabalho

No caso da Clarke, Modet & C°, multinacional especializada em propriedade industrial e intelectual, a proposta inicial para os 33 funcionários era que a empresa pagaria 50% do valor de modelos predeterminados de bicicleta para quem se interessasse em mudar de estilo de vida.

As sete pessoas da equipe que se animaram a adotar a bike como veículo diário terminaram recebendo uma bicicleta dobrável de presente no fim do ano passado. Entre elas há até quem esteja aprendendo a andar, sob os cuidados de Marcela Molina Pico, da área de marketing. “Agora eu venho sempre de bike, a maior parte do caminho pelas ciclovias. O tempo não é muito diferente do que se leva de metrô, mas já não sofro com greve, protestos que fecham ruas do centro semanalmente e ainda me divirto mais”, comenta ela.

A geografia plana de Buenos Aires favorece as bikes. Mas o frio e o calor intensos desfavorecem.

10% do custo

do estacionamento de um automóvel é o valor tabelado para guardar uma bike na capital.

A Clarke, Modet & C° também estimula a população da capital patrocinando “bicicleteadas”, passeios coletivos organizados uma vez por mês pela prefeitura. Nessa ocasião, distribui faixas refletoras para punhos e calcanhares e sorteia kits de segurança para ciclistas. Os mesmos kits que os funcionários receberam junto com a bicicleta: capacete, buzina e colete com faixa refletora.

Outra patrocinadora é a Telefônica, que tem 7 mil funcionários em Buenos Aires e também se engajou na promoção da mudança. “Quando a campanha de incentivo começou, descobrimos que um dos nossos funcionários competia na prova Ironman há anos e que outro tinha começado uma transição para uma vida mais saudável um ano e meio antes. O exercício de andar de bicicleta contribuiu para que perdesse 20 quilos e o transformou em um dos personagens-chave da campanha de divulgação realizada pelo governo”, conta a gerente Alejandra Salomonoff .

Hoje, os dois funcionários exemplares dão palestras aos interessados e a empresa já tem entre 30 e 40 seguidores se deslocando de bicicleta para o trabalho, diariamente. “Outros usam a bicicleta pública para se deslocar entre nossos edifícios. Também temos aqueles que aproveitam o horário do almoço para passear na Reserva Ecológica aqui perto, em Porto Madero”, completa Alejandra.

A Casa Calma Wellnes Hotel foi ainda mais longe. Comprou uma bicicleta para cada funcionário, sem exigir que passassem a usá-la regularmente, e também proporcionou palestras sobre os benefícios do exercício físico para a saúde. “Também temos duas bicicletas de bambu à disposição dos hóspedes. Essa proposta ecológica tem tudo a ver com o hotel dedicado à cultura do bem-estar”, diz a gerente Angela Schmiegelow.

Pedalar está virando mania no centro de Buenos Aires. A cidade já ganhou 70 km de ciclovias protegidas e inaugurou um sistema de transporte público em duas rodas, totalmente gratuito. Nessa partida, los hermanos estão à frente dos brasileiros.

88 mil

ciclistas circulam em São Paulo, cidade de 11,2 milhões de habitantes.

Em todos os casos, tanto as empresas privadas quanto as repartições públicas se incumbiram de facilitar vagas para guardar o veículo de duas rodas em garagens. Além disso, todos os estacionamentos da capital foram obrigados por lei a aceitar bicicletas a uma tarifa de 10% do valor cobrado para carros. O governo da cidade instalou ainda mil barras de ferro fixas em calçadas por toda a Buenos Aires, para colaborar com a segurança das bikes.

Com a reeleição do prefeito, nas eleições de agosto passado, os planos de expansão para o Sistema Público de Transporte em Bicicleta têm mais chances de se concretizar. Para 2013, a proposta é alcançar 100 postos de aluguel e 5.000 bicicletas em movimento. Na corrida para combater a poluição, os congestionamentos e o sedentarismo, o importante não é chegar em primeiro lugar, mas deixar menos rastros possíveis por onde se passa.

SÃO PAULO EM DUAS RODAS – por Equipe Planeta

As ciclovias, como a da Marginal Pinheiros, são raras em São Paulo.

Ao contrário de Buenos Aires, a geografia da cidade de São Paulo é cheia de pontos altos e baixos, de vales e de picos, resultando em incontáveis desníveis do solo. O fato de não ser plana dificulta, mas não impede a expansão do ciclismo. Entre os novos adeptos da magrelas, há muitos estressados com os congestionamentos do trânsito que decidiram abandonar o automóvel, optando por um meio de transporte menos poluente.

Desde 2006, a prefeitura e o governo do Estado desenvolvem programas incentivando o uso de bikes. A Companhia de Engenharia de Tráfego, da Secretaria Municipal de Transportes, o Metrô, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), do governo do Estado, vêm ampliando o número de ciclovias, ciclofaixas e bicicletários na cidade, além de regulamentar seu uso.

Em novembro, o bairro de Moema, na zona sul, ganhou uma faixa exclusiva para bicicletas com 3,3 km de vias. A prefeitura pretende criar uma ciclovia de 3 km também no canteiro central da Avenida Braz Leme, em Santana, na zona norte, além de implantar uma ciclofaixa ligando a ciclovia ao Parque da Juventude.

Apesar das inaugurações, as ciclovias são insuficientes para a cidade que nunca para de crescer. A Pesquisa Origem e Destino, feita pelo Metrô em 2007, informa que o número de viagens de bike quase dobrou em 10 anos, saltando de 162 mil por dia, em 1997, para 304 mil, em 2007. A pesquisa registrou 88 mil ciclistas morando em São Paulo, cidade de 11,2 milhões de habitantes. Para a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo, esse número deve ser bem maior: segundo ela, cerca de 500 mil pessoas utilizam a bicicleta pelo menos uma vez por semana na capital paulista.

Nos dias úteis, o principal motivo para o uso de bicicletas é o trabalho (71%), seguido por educação (12%) e lazer (4%), entre outros. Do total diário de viagens de bicicletas, 25% ocorrem entre 6 h e 8 h, 25% entre 17 h e 19 h. Já os outros 50% são diluídos ao longo do dia.

O transporte de bikes está autorizado nos trens do Metrô e da CPTM. Hoje, existem 44 bicicletários na Região Metropolitana (16 no Metrô, 22 na CPTM e 6 na EMTU) que emprestam bikes. A primeira hora é gratuita. Para se cadastrar, basta ir a um deles levando RG e CPF. Para mais informações consulte: www.metro.sp.gov.br/servicos/ bicicletario/bicicletario.asp.